O Projeto Arquitetônico da Reforma Trabalhista no Direito Sindical

AutorMarcelo Ivan Melek
Páginas125-132

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Ver Nota1

1. Introdução

A reforma trabalhista trazida pela Lei n. 13.467/2017, precedeu uma tramitação em tempo recorde, provocando diversas e profundas alterações no campo do direito material e processual do trabalho. Apesar de não se tratar de uma reforma sindical, a nova ordem legislativa altera profundamente as relações sindicais.

O direito sindical surgiu historicamente em momentos de extrema exploração do capital sobre o trabalho, como resposta ao alto grau exploratório, lutando e exigindo melhorias nas condições de trabalho. Por isso, a história do sindicalismo está diretamente atrelada à própria história do surgimento e desenvolvimento do direito do trabalho, o que por si só justifica a sua importância nas relações laborais.

A importância dos movimentos sindicais vai muito além de suas funções típicas como celebração de acordos e convenções coletivas, pois representam de forma ampla os interesses e direitos da categoria representada. Também, é um importante instrumento de tutela e proteção dos trabalhadores, e exercem considerável influência na atuação legislativa, contribuindo para as fontes materiais do direito neste sentido.

O direito sindical brasileiro é tutelado pela Constituição da República de 1988, bem como pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de convenções da OIT ratificadas pelo Brasil2, todas com objetivo de privilegiar a atuação sindical de forma livre, independente e autônoma.

Como a reforma trabalhista em questão veio alterar a estrutura sindical de forma significativa, o presente artigo pretende analisar os objetivos e consequências nas relações sindicais, comparando o discurso do legislador que justificam as alterações com as efetivamente realizadas.

O artigo será dividido basicamente em três partes, sendo que a primeira relatará a perspectiva histórica do surgimento do direito sindical no mundo, seguido pelo entendimento da estrutura sindical vigente no Brasil, e finalmente pela análise crítica das modificações havidas.

2. Breve perspectiva histórica do surgimento e desenvolvimento do direito sindical no mundo

O associativismo sindical tem suas origens em períodos marcados pelo alto grau de exploração do capital sobre o trabalho, sendo produto da sociedade capitalista. As primeiras manifestações coletivas de trabalhadores encontram-se exatamente no período da Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX).

Mestres-alfaiates, ainda em 1720, se dirigiram ao Parlamento Britânico para reivindicar melhores salários e redução de uma hora diária de trabalho, por meio de associadas que reuniam mais de sete mil trabalhadores.

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Esse seria o ponto de partida dos trade unions britânicos e o ponto de partida de toda a organização sindical conhecida no mundo3.

Ainda, em uma breve perspectiva histórica, enfatiza-se que o processo de desenvolvimento dos sindicatos não ocorreu de forma tranquila e uniforme nos Países. As associações já foram proibidas, inclusive criminalizadas no Código Napoleônico de 1810, e na Inglaterra em 1817 por meio do Sedition Act. Já foram toleradas, e assim discriminalizadas, sendo a Inglaterra pioneira em extinguir em 1820 o delito de coalização de trabalhadores, como assim era enquadrada conduta da organização sindical. E, finalmente passou-se ao reconhecimento do direito de coalização e livre organização sindical, na segunda metade do século XIX4.

A história do surgimento e consolidação do próprio direito do trabalho está assentada sobre a história do direito sindical. Isto é, desde logo se reconheceu que o trabalhador enquanto ser individual, hipossuficiente, não oferece resistência à exploração de seu trabalho e até mesmo e sua pessoa. Sendo assim, somente por meio de um ser coletivo e organizado que é possível proteger e reivindicar direitos da classe trabalhadora. Neste sentido, o estágio denominado de sistematização e consolidação do direito do trabalho, nos planos individual e coletivo, que se demarca entre 1848 e 1919, e que se estabelece exatamente em torno desse período de maior afirmação sindical.

Como um caminho sem volta, o movimento sindical proliferou-se no mundo, de forma rápida e contínua especialmente em diversos Países da Europa, como na Itália (1869), Dinamarca (1874), França (1884), Portugal e Espanha (1887) e Bélgica (1898). Fruto desse movimento de expansão de difusão das organizações sindicais, constata-se uma verdadeira sedimentação na cultura jurídica ocidental após 1919 com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o fenômeno da constitucionalização do direito do trabalho. Apesar de fase regressiva das experiências autocráticas nazi-fascistas e corporativistas, no entre guerras (1920-1945) o direito sindical transformou-se em verdadeiros princípios democráticos5.

Como afirmação principiológica do direito à organização sindical livre, que representa de fato um dos pilares da democracia, a Declaração da Filadélfia (1944) estabeleceu expressamente como um dos seus princípios fundamentais a liberdade de expressão e de associação como condição indispensável a um processo ininterrupto6.

Assim, observa-se que o direito sindical não representa apenas um conjunto de prerrogativas e de direitos dos trabalhadores e empregadores de exercerem a vida sindical, mas também um valor a ser perseguido por toda a sociedade porque se traduz em última análise no puro exercício da democracia. Logo, qualquer tentativa de afastar ou negar essa garantia deve ser prontamente expurgada da sociedade e não tolerada.

Diante dessas rápidas linhas acerca do surgimento, desenvolvimento e significado do direito sindical, o que se conclui é que a evolução sindical nos Países capitalistas centrais demonstra uma clara linha de coerência entre o processo de democratização daquelas sociedades e Estados com o reconhecimento e resguardo dos direitos e princípios da livre e autonômica associação sindical.

3. O sindicalismo no Brasil e a constituição de 1988

O direito sindical brasileiro também tem um processo peculiar de surgimento e desenvolvimento, obviamente que mais tardio se comparado com os Países europeus pelo próprio fato do descobrimento tardio e do regime escravocrata que perdurou pelo menos até 1888. As primeiras associações livres de trabalhadores igualmente livres e assalariados, mesmo não se intitulando sindicatos, surgiram nas décadas finais do século XIX. A imigração europeia trouxe ideias e concepções nas lutas operárias, o que também contribuiu significativamente para o desenvolvimento das associações brasileiras. A greve deixou de ser ilícito penal em 18907.

A Constituição de 1891 já assegurou os direitos de reunião e associação, e anos depois o Decreto
n. 979/1903 facultou a criação de sindicatos rurais e quatro anos mais tarde estendeu à área urbana. Sur-

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gem, então, entidades sindicais em torno do parque industrial que se forma entre 1890 e 1930, principal-mente em São Paulo8.

O direito trabalhista brasileiro constituiu-se preponderantemente no século XX, sendo pilar desse modelo o sistema sindical. Com a intensa produção legislativa, Getúlio Vargas promulga a CLT em 1943, dedicando o Título V para a organização sindical, disciplinando, dentre outros, reconhecimento, estrutura, funções, custeio do sistema e as associações sindicais de grau superior (Federações e Confederações).

A estrutura sindical brasileira pressupõe a igualdade das representações de capital e trabalho em todos os níveis, isto é, sindicatos, federações e confederações dos trabalhadores e dos empregadores. Essa estrutura permite o diálogo em nível paritário desses seres coletivos, não havendo lado hipossuficiente9, o que privilegia a igualdade material.

No entanto, a Constituição brasileira de 1988 privilegiou o direito sindical, fortalecendo-o e fixando garantias de sua manutenção, desenvolvimento e efetividade. Como alguns pontos de destaque, coloca-se o reconhecimento dos acordos e das convenções cole-tivas de trabalho; valorização da atuação sindical; participação obreira nos local de trabalho e a negociação coletiva; proíbe a intervenção do Estado nas organizações sindicais; e incorpora norma clássica de garantia de emprego ao dirigente sindical.

Como visto, a Constituição de 1988 consolida definitivamente o direito sindical e oferece condições para que este se desenvolva e cumpra seu papel histórico e democrático de permanentemente conciliar os interesses distintos e aparentemente opostos do capital e do trabalho e assim melhorar a condição de vida do trabalhador, lhe garantido um meio ambiente de trabalho digno, no mais amplo e irrestrito sentido da palavra.

4. A reforma trabalhista objetiva enfraquecer ou fortalecer a estrutura sindical?

Antes mesmo de adentrar ao tema central, qual seja os impactos da reforma trabalhista na organização sindical, e assim compreender se as mudanças objetivam enfraquecer ou incentivar o movimento sindical, é preciso fazer algumas considerações acerca do processo de elaboração da reforma.

O relatório apresentado pelo relator da comissão especial destinada a proferir parecer ao projeto de Lei n. 6.787/2016 (aprovado e convertido na Lei
n. 13.467/2017), referente à reforma trabalhista, é permeado de contradições, inverdades, senso comum, analogias sem responsabilidade científica, e visa tão somente tentar legitimar ou defender uma fórmula imposta exclusivamente pelo setor produtivo, sem ter havido o necessário debate ou pelo menos de ter amadurecido tão importante reforma. Foi uma reforma baseada em premissas totalmente equivocadas, como a de que “a necessidade de...

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