PROFUT e a Realidade dos Clubes de Futebol

AutorJoão Bosco Luz de Morais
CargoAdvogado, economista, membro da Academia Nacional de Direito Desportivo, associado do IBDD
Páginas67-75

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Ver nota 1

1. Introdução

Até alguns anos atrás prevalecia, no Brasil, a máxima que "clubes de futebol não precisam pagar dívidas". Estribados nesta máxima, os dirigentes do futebol brasileiro não se preocupavam com o equilíbrio financeiro de seus clubes e, sempre que as campanhas ficavam abaixo do desejado, abriam os cofres e faziam altos investimentos em contratações de jogadores.

Naquele período, o dirigente se preocupava em contratar, mas não se preocupava com o pagamento pela contratação. E, quando o dinheiro do clube ficava escasso, o dirigente priorizava o pagamento de salários e premiações, deixando de recolher os impostos retidos na fonte, especialmente o Imposto de Renda.

Da mesma forma, para conseguir pagar os salários de seus atletas, os clubes deixavam de recolher o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o INSS retido na folha de pagamento. Só não deixaram de recolher o INSS referente a contribuição patronal porque o mesmo incide sobre a receita bruta e é retido pela fonte pagadora, conforme determinação legal.

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Paralelamente, os clubes passaram a atrasar os pagamentos de salários de seus atletas profissionais bem como os salários dos demais empregados. Os atrasos salariais e a ausência de recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e INSS, come-çaram a dar ensejo à propositura de ações reclamatórias trabalhistas, com pedidos de rescisões indiretas de contratos especiais de trabalho desportivos.

Assim, as dívidas trabalhistas dos clubes e as dívidas perante a Receita Federal e FGTS, sem contar o passivo trabalhista, começaram a crescer até atingir os estratosféricos valores atuais. O montante das dívidas chegou a um nível que, sem uma ação eficaz por parte do governo federal, seria absolutamente impossível quitá-las.

Diante desta realidade, o governo federal criou, através da Lei n. 13.155, de 04.08.2015, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro - PROFUT. Este programa facilitou o parcelamento dos tributos e contribuições devidas pelas entidades de prática desportivas, mas, ao mesmo tempo, exigiu pesadíssimas contrapartidas. Não obstante, não atacou o problema do passivo trabalhista das entidades de práticas desportivas, embora tenha autorizado o Poder Judiciário Trabalhista a editar atos de centralização das execuções das dívidas trabalhistas, o que poderá amenizar a situação crítica vivida pelos clubes de futebol.

Neste artigo procuraremos analisar os efeitos do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro - PROFUT para o futebol brasileiro. Este programa é condizente com a realidade dos clubes de futebol brasileiros?

2. (In)Constitucionalidade do PROFUT

O Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro - PROFUT, foi criado pelo governo federal para refinanciar as dívidas fiscais dos clubes de futebol e das entidades de administração do desporto, nacional e regionais, perante a Fazenda Pública da União.

Por este programa de parcelamento, os clubes de futebol tiveram a oportunidade de refinanciar as suas dívidas com os órgãos federais em até 240 (duzentos e quarenta) meses, sendo que as primeiras 60 (sessenta) parcelas mensais, a critério do devedor, poderão ser reduzidas para que os clubes se adequem à nova realidade legal. O valor correspondente a redução será acrescido no valor remanescente do débito e deverá ser quitado dentro do 180 (cento e oitenta) meses restantes. As dívidas com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) só podem ser parceladas em até cento e oitenta meses.

Em contrapartida ao benefício do parcelamento das dívidas fiscais, o governo federal inseriu no mesmo diploma legal exigências que extrapolam os limites da constitucionalidade, especialmente quanto a autonomia das entidades de prática desportivas e das entidades de administração do desporto quanto a sua organização e funcionamento.

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O art. 16, da Lei n. 9.615, de 24.03.1998, define que "as entidades de prática desportiva e as entidades de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos ou contratos sociais".

Por sua vez, o art. 217, inciso I, da Constituição Federal, dispõe que, in verbis

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.

A Constituição Federal, de forma inédita, traz um capítulo específico para regulamentar e educação, a cultura e o desporto. Na seção específica que regulamenta o des-porto, a Constituição Federal garante a autonomia das entidades de práticas desportivas e das entidades de administração do desporto quanto a sua organização e funcionamento.

Do inciso I, do art. 217, da Constituição Federal, extrai-se que as entidades de práticas desportivas e entidades de administração podem definir livremente, por meio de seus órgãos internos, a sua organização e funcionamento, inclusive quanto aos mandatos de seus dirigentes, colégio eleitoral, prazo de duração de mandatos de seus órgãos diretivos e fiscalizadores.

Portanto, nenhuma legislação infraconstitucional tem o poder de provocar qualquer intervenção nas entidades de práticas desportivas e das entidades de administração do desporto que contrarie a norma insculpida no art. 217, inciso I, da Constituição Federal. E, no caso específico do PROFUT, o que se observa é uma série de inconstitucionalidades nas contrapartidas exigidas para que as entidades de prática desportiva possam aderir ao programa de parcelamento de suas dívidas fiscais federais.

O Estado pode estabelecer regulamentos sobre o desporto em geral, desde que não intervenha na organização e funcionamentos das entidades...

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