Profissionalismo no Desporto

AutorGuilherme Augusto Caputo Bastos
CargoMinistro do Tribunal Superior do Trabalho. Bacharelou-se em Ciências Econômicas pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB)
Páginas15-26

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Ver nota 1

No presente trabalho, serão tecidas breves considerações acerca do tema profissionalização da prática desportiva em âmbito nacional.

O desporto profissional encontra-se previsto no art. 217, III, da Constituição Federal, bem como em alguns dispositivos infraconstitucionais, como, por exemplo, arts. 2º, VI e parágrafo único (item IV) e 27, § 10, da Lei n. 9.615/1998 - Lei Pelé - e 43 da Lei n. 10.671/2003 - Estatuto de Defesa do Torcedor, verbis:

Art. 217/CF. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

(...)

III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional;

(...)

Art. 2º Lei n. 9.615/1998. O desporto, como direito individual, tem como base os princípios:

(...)

VI - da diferenciação, consubstanciado no tratamento específico dado ao desporto profissional e não-profissional;

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(...)

Parágrafo único. A exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica sujeitando-se, especificamente, à observância dos princípios: (Incluído pela Lei n. 10.672, de 2003)

(...)

IV - do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional; e (Incluído pela Lei n. 10.672, de 2003)

(...)

Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. (Redação dada pela Lei n. 10.672, de 2003)

(...)

§ 10. Considera-se entidade desportiva profissional, para fins desta Lei, as entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais, as ligas em que se organizarem e as entidades de administração de desporto profissional. (Incluído pela Lei n. 10.672, de 2003)

Art. 43. Lei n. 10.671/2003. Esta Lei aplica-se apenas ao desporto profissional.

É certo que, se o conceito de desporto profissional pudesse ser firmado com base no senso comum, isento de quaisquer interpretações legislativas, sua compreensão estaria imediatamente relacionada a uma atividade orginalmente recreativa praticada por determinados indivíduos em troca de remuneração.

A lei, contudo, altera essa concepção e restringe, substancialmente, as hipóteses que se enquadram no contexto do profissionalismo.

Dispõe o art. 3º, II e parágrafo único, da Lei Pelé:

Art. 3º O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:

(...)

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

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(...)

§ 1º O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: (Renumerado do parágrafo único pela Lei n. 13.155, de 2015)

I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;

II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. (Redação dada pela Lei n. 9.981, de 2000)

O exame do dispositivo supratranscrito, no entanto, revela que dele não se afigura possível extrair o conceito de desporto profissional propriamente dito. A lei limitou-se a estabelecer que a prática do desporto de rendimento pode ocorrer sob os modos profissional e não profissional.

Diante disso, deduz-se que as demais modalidades do desporto (educacional, de participação e de formação), não se sujeitam à profissionalização.

De acordo com os preceitos firmados no mencionado artigo, a existência de contrato formal de trabalho, no qual tenha sido pactuada uma determinada remuneração, torna-se imprescindível para a caracterização do desporto de rendimento em sua vertente profissional.

Constata-se, ainda, que, nos termos do art. 26 da Lei n. 9.615/1998, desde que observados os requisitos legais, pode haver profissionalismo no âmbito de qualquer modalidade esportiva. O parágrafo único do aludido dispositivo, por sua vez, estabelece o que vem a ser competição profissional como aquela disputada por atletas profissionais e com propósito financeiro. Preconiza o referido dispositivo:

Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei n. 10.672, de 2003)

O caput do art. 28 do mesmo diploma legal, por sua vez, reafirma os requisitos da atividade do atleta profissional, condicionando-a ao recebimento de remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo firmado com entidade de prática desportiva, nos seguintes termos:

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Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

(...).

No Brasil, a celebração do contrato especial de trabalho desportivo é condição instransponível, exclusivamente, para os atletas e entidades de prática profissional da modalidade futebol. É o que se extrai do art. 94 da Lei Pelé, in verbis:

Art. 94. O disposto nos arts. 27, 27-A, 28, 29, 29-A, 30, 39, 43, 45 e no § 1º do art. 41 desta Lei será obrigatório exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol. (Redação dada pela Lei n. 12.395, de 2011).

Parágrafo único. É facultado às demais modalidades desportivas adotar os preceitos constantes dos dispositivos referidos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei n. 9.981, de 2000)

Para as demais modalidades, sejam elas individuais ou coletivas, a existência do referido contrato de trabalho é facultativa, nos termos do parágrafo único acima transcrito.

Essa prerrogativa fomenta o desinteresse de aludidas categorias no tocante à formalização do trabalho dos atletas (nesse caso tidos como não profissionais), mesmo quando, em verdade, as circunstâncias efetivamente demonstrem a natureza profissional da relação, mormente diante de seus aspectos econômicos. É o que se entende por falso amadorismo.

Para ilustrar essa realidade, de acordo com ordenamento jurídico pátrio, o atleta de alto rendimento Gustavo Kuerten não pode ser considerado profissional, em virtude da não celebração de um contrato especial de trabalho. Da mesma forma, embora várias vezes considerado o melhor jogador do mundo de sua modalidade, o atleta de futsal, Falcão, não é considerado profissional, assim como o jogador de basquete, Guilherme Giovanoni.

Vale destacar que, em caso de omissão ou incompatibilidade com a lei desportiva, os atletas profissionais são regidos pela CLT.

Ademais, a identificação quanto à espécie do desporto (profissional ou não profissional) revela-se imprescindível, inclusive, para determinar a esfera de aplicação de determinadas normas, consoante exemplos mencionados a seguir.

O art. 43 do Estatuto de Defesa do Torcedor determina, expressamente, que o disposto no aludido diploma legal se aplica, tão somente, ao desporto profissional. Nesse

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ponto, abre-se um parêntese para ressaltar que mais adequado seria que o legislador restringisse a aplicação da lei às "competições profissionais", estas sim conceituadas no art. 26 da Lei Pelé, posto que não há definição legal atinente à literalidade da expressão desporto profissional.

Já o art. 43 da Lei n. 9.615/1998, por sua vez, obsta a participação de atletas não profissionais com idade superior a...

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