Profissionalismo e confiança: o curioso caso do país que acredita mais nos jornalistas do que na mídia

AutorJacques Mick
CargoProfessor dos programas de pós-graduação em Jornalismo e Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas242-260
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n43p242
242242 – 260
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Prossionalismo e conança:
o curioso caso do país que acredita
mais nos jornalistas do que na mídia1
Jacques Mick2
Resumo
O artigo analisa a disparidade entre os índices declinantes de conança nas mídias jornalísticas
e as taxas estáveis (em patamar elevado) da credibilidade nos jornalistas no Brasil. O estudo
recupera dados secundários de diferentes fontes sobre conança na mídia jornalística no Brasil
entre 1998 e 2018, indicando deterioração da credibilidade, e pesquisas recentes demonstrando
que a conança dos jornalistas como prossionais permanece acima da média. Para compreender
as razões desse descolamento, são utilizados resultados de survey (N=543) e entrevistas em
profundidade (N=44), parte de uma pesquisa multidimensional a respeito da mídia jornalística
local realizada na cidade de Joinville/SC, entre 2017 e 2018. A hipótese sustentada pelo artigo é
de que a sociedade brasileira desenvolveu justicada suspeita em relação a interesses e ações dos
proprietários das mídias jornalísticas, que subsiste em paralelo ao reconhecimento dos jornalistas
como peritos que se esforçam para desenvolver suas funções e atender ao interesse público.
Palavras-chave: Sociologia das prossões. Jornalistas. Mídia. Conança. Credibilidade.
1 O artigo é parte do projeto de pesquisa “GPSJor – Governança, produção e sustentabilidade para um jornalismo
de novo tipo”, desenvolvido em cooperação entre a Associação Educacional Luterana Bom Jesus Ielusc e os
programas de pós-graduação em Sociologia Política e Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), e em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), com recursos do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico (CNPq – Edital Universal nº 403439/2016-7). Versão
anterior do texto foi apresentada em 2017 no 15º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, em São
Paulo. O autor agradece pelos comentários recebidos durante o encontro e pelas observações dos pareceristas
de Política & Sociedade, fundamentais para o aperfeiçoamento do texto.
2 Professor dos programas de pós-graduação em Jornalismo e Sociologia e Ciência Política da Universidade
Federal de Santa Catarina. Coordenador do Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro/UFSC).
Email: jacques.mick@ufsc.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 43 - Set./Dez. de 2019
243242 – 260
1 Introdução
Há dados abundantes sobre a deterioração na conança nas mídias
jornalísticas em vários países. Nos Estados Unidos, por exemplo, levanta-
mentos regulares do Instituto Gallup apontaram que, em 2016, a taxa de
conança na mídia caiu para o menor índice histórico, 32%, percentual
que era ainda mais baixo entre a população entre 18 e 49 anos (26%).
Do mesmo modo, a conança nos jornais alcançou um vale de 20% e a
desconança atingiu o pico de 37% em 2017 (GALLUP, 2016; SAAD,
2016). As taxas de desconança na mídia, no entanto, variam de país a
país: altas em Brasil, Austrália, Nova Zelândia e EUA; e são baixas em paí-
ses asiáticos como Japão, Índia, China e Filipinas. Comparativos recentes
indicam correlações entre a queda de credibilidade na mídia, o desgas-
te de outras instituições políticas e os cenários de polarização ideológica
(HANITZSCH; VAN DALEN; STEINDL, 2018).
O tema tem sido objeto de intenso interesse dos especialistas nos úl-
timos anos. Uma parte dos estudos investiga as causas desse fenômeno
fora do jornalismo: o surgimento de um conceito tão ambivalente quanto
o de fake news favoreceu a identicação de um adversário comum a toda
concepção jornalística prossional. A ideia de que a disposição dos leitores
a acolher e repercutir notícias falsas é uma explicação importante para a
queda de credibilidade das organizações jornalísticas tem concentrado
a atenção dos analistas (NEWMAN, 2017). Outros estudos têm se voltado
para as práticas jornalísticas, pressionadas por precarização do trabalho ou
por escolhas editoriais que enviesam o noticiário. Peters e Broersma (2013)
recolheram resultados de pesquisas que associam décits de credibilidade a
apuração malfeita, baixa variedade de uso de fontes, imprecisão e vulnera-
bilidade à boataria. Anderson, Bell e Shirky (2013) atribuem a queda sis-
temática na conança no jornalismo nos Estados Unidos às mudanças no
ecossistema midiático, marcadas pelo surgimento de novos canais e novas
possibilidades de obtenção de informação (jornalística e não jornalística)3.
3 “O colapso da conança na imprensa, que vem de muito, é menos em função de uma nova postura em relação
a veículos tradicionais de comunicação do que efeito colateral da contínua fragmentação do mercado norte-
americano de mídia (provavelmente é hora de aposentar a tese de que haja um ente chamado “imprensa” que
goza de reputação junto a um ente chamado “público”)” (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 83).

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