Reestruturação produtiva e mercado de trabalho na indústria têxtil catarinense

AutorIsabella Jinkings
Páginas72-94

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Introdução: um novo modo de reprodução capitalista

Foi através de uma combinação de fatores políticos e econômicos que se criaram as condições para a emergência e a expansão de um novo modo de reprodução capitalista. Anderson (1996) aponta a crise do modelo econômico de acumulação de capital instaurado no pós-guerra, baseado no sistema de organização do trabalho e de relações produtivas que se chamou de fordismo , como uma condição essencial para a difusão dos princípios e programas econômicos do chamado neoliberalismo .

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Essa* crise, que se desencadeou na primeira metade dos anos setenta, ocasionou uma longa recessão, com baixas taxas de crescimento econômico e altos índices inflacionários, em todo o mundo capitalista avançado. Foi este cenário que favoreceu a propagação do discurso neoliberal contra o Estado intervencionista e de bemestar social, que seria praticado inicialmente pelos governos de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos EUA. Anderson nos mostra como os programas neoliberais foram sendo adotados por diversos Países europeus ao longo dos anos 1980 e depois se estenderiam a muitos Países periféricos.

A receita neoliberal pauta-se na desregulação social e da economia, atacando qualquer limitação dos mecanismos do mercado por parte do Estado e gerando uma situação real de livre acumulação privada de capital. Algumas conseqüências do neoliberalismo no mundo do trabalho são os altos índices de desemprego, a informalidade no trabalho e o agravamento dos níveis de pobreza. Portanto, por um lado o Estado se exime de seu papel de desenvolvimento social e de promotor de serviços públicos e, por outro, mostra-se fortalecido ao implementar políticas de interesse do grande capital transnacional e ao incrementar seu aparelho coercitivo.

Neste contexto, se assiste à desestruturação de parques industriais inteiros nos Países periféricos, que não se mostram capazes de atuar de acordo com as novas regras de competitividade impostas pelas grandes corporações transnacionais, que adquiriram papel preponderante nesta “nova ordem mundial”.

Quanto aos Países subdesenvolvidos, passam a ser vistos como simples reserva de força de trabalho barata e de matériasprimas, como assinala Chossudovsky (1995). Além disso, mantêm-se como mercado consumidor dos produtos industrializados produzidos pelos Países centrais.

Em relação ao processo produtivo industrial, as transformações nas formas de acumulação do capital em escala internacional supõem modificações significativas nos processos produtivos e nas condições de reprodução da força de trabalho. Segundo Harvey (1993, p.140), foi no período de 1965 a 1973 que o fordismo e o keynesianismo mostraram-se incapazes de conter as contradições capitalistas. Assim, transitamos na atualidade para um modo inédito de reprodução capitalista.

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A forma de organização produtiva que predominou na indústria no decorrer deste século - o fordismo - vai se mesclando ou mesmo sendo substituída pelo que o autor denominou de regime de “acumulação flexível”:

A acumulação flexível é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. (HARVEY, 1993, p.140)

Essas novas formas produtivas se distinguem das experiências anteriores em alguns aspectos essenciais. Entretanto, adquirem configurações distintas nos diversos setores produtivos e nos diferentes Países, conforme seus níveis de desenvolvimento econômico e sua posição na divisão internacional do trabalho. Em muitos Países periféricos ainda preponderam os métodos de racionalização do trabalho introduzidos sob o padrão taylorista/fordista, como analisa Antunes (1995). O autor caracteriza o fordismo como o modelo que consolidou a indústria e o processo capitalista de trabalho ao longo do século XX, tendo como elementos básicos a produção em massa, a linha demontagem, o produto homogêneo, o trabalho parcelar e fragmentado (tão brilhantemente retratado por Charlie Chaplin em “Tempos Modernos”) e as unidades fabris concentradas e verticalizadas que constituíram o operário-massa . Harvey elegeu como data inicial simbólica do fordismo o ano de 1914, quando Henry Ford estabeleceu o dia de trabalho com oito horas e cinco dólares de recompensa na indústria automobilística dos EUA.

Como modalidade produtiva alternativa ao taylorismo/fordismo, o modelo japonês, ou toyotismo – em virtude de ter sido implantado originalmente na fábrica da Toyota – tem se espalhado pelo mundo. Antunes (1995) cita quatro fases de implantação do toyotismo como resposta ao contexto de crise econômica no Japão do pós-guerra.

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A primeira fase seria a introdução, na indústria automobilística, da experiência vivenciada no setor têxtil, onde o trabalhador operava diversas máquinas ao mesmo tempo. Um segundo momento consistiu na busca do crescimento produtivo sem aumento de pessoal empregado, ou seja, intensificando o processo de trabalho. A terceira etapa foi a importação da técnica dos supermercados norte-americanos de reposição de produtos que originou o kanban 1 , produzindo de acordo com a demanda. Um quarto momento foi a expansão do kanban para os fornecedores e empresas subcontratadas. Outras características do toyotismo são o desenvolvimento de produtos diferenciados e produzidos em pequena quantidade, além da difusão da prática da terceirização que, segundo Druck (1999), é um elemento “integrante e indispensável” dessa modalidade produtiva.

Desse modo, difundem-se amplamente movimentos de reestruturação produtiva, que articulam profundas transformações tecnológicas, organizacionais e gerenciais. Para a maioria dos trabalhadores, estes movimentos resultam em intensificação do trabalho, baixos níveis de remuneração e instabilidade do emprego.

Com efeito, muitas das estratégias adotadas pelas empresas em busca de uma maior lucratividade passam pelo aumento da precarização das relações de trabalho, com práticas de terceirização e subcontratação do trabalhador. No caso brasileiro há, adicionalmente, o agravante da negligência estatal na fiscalização das condições laborais, o que, por outro lado, estimula ainda mais a informalidade no mercado de trabalho e a exploração capitalista exacerbada.

A predominância do toyotismo, ou do que alguns autores chamam de acumulação flexível, não consiste em melhoria das condições de vida e trabalho para amplos segmentos da população mundial. Diversos estudiosos do mundo do trabalho assinalam um aumento da exploração da força de trabalho com os novos métodos de produção, que permitem a intensificação do trabalho, degradam as condições de saúde e fragmentam os trabalhadores. Como Antunes (1995, p.33-34) aponta quando analisa o toyotismo, permanece nos dias de hoje a alienação do trabalhador em relação à sua atividade, pensada por Marx no século XIX:

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[...] Embora reconheçamos que o estranhamento do trabalho, que decorre do modelo toyotista, tem elementos singulares - dados pela própria diminuição das hierarquias, pela redução do despotismo fabril, pela maior “participação” do trabalhador na concepção do processo produtivo -, é de todo relevante enfatizar que essas singularidades não suprimem o estranhamento da era toyotista. A desidentidade entre indivíduo e gênero humano, constatada por Marx nos Manuscritos, encontra-se presente e até mesmo intensificada em muitos segmentos da classe trabalhadora japonesa [...]. A subsunção do ideário do trabalhador àquele veiculado pelo capital, a sujeição do ser que trabalha ao “espírito” Toyota, à família Toyota, é de muito maior intensidade, é qualitativamente distinta daquela existente na era do fordismo.

A situação brasileira

No Brasil, de acordo com Tavares (1999), a abertura econômica iniciada com o governo Fernando Collor (1990-1992), assim como o desenvolvimento de uma política de substituição de produção nacional por produção importada geraram um processo de desindustrialização no País, repercutindo destrutivamente sobre o mercado de trabalho e as condições de emprego.

Tais políticas têm consolidado um processo de abertura econômica no Brasil, aprofundando as relações de subordinação e dependência do País em relação ao capital estrangeiro. Mattoso (1999, p.116) analisa as conseqüências da política econômica dos anos 1990, “[...] baseada no tripé da abertura econômica e financeira indiscriminada, na sobrevalorização do real e nos elevados juros [...]”, como causadora de “[...] uma profunda desestruturação produtiva e do mercado de trabalho”.

Com efeito, ao longo dos anos 1990 foram implementadas medidas de liberalização comercial e financeira que desestruturaram diversos segmentos do sistema produtivo no País. Tal processo ocasionou o fechamento de linhas de produção inteiras, acarretando um desemprego estrutural que se agravaria com a intensificação dos programas neoliberais no Brasil, a partir de 1995, com o governo Fernando Henrique Cardoso.

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A política econômica do governo FHC, fundada em uma estabilização monetária que se sustentou na sobrevalorização cambial e em elevadas taxas de juros, agravou esse processo de desestruturação produtiva (TAVARES, 1999).

Cabe destacar a redução das alíquotas de importação como medida governamental de incentivo à entrada de produtos estrangeiros no País, restringindo bastante o mercado interno para o produto nacional. Por outro lado, a sobrevalorização do câmbio, vigente até janeiro de 1999, limitou muito a competitividade internacional do produto brasileiro. Foi essa conjuntura...

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