Contribuições ao processo de captação de recursos para unidades de instituições de ensino superior no Brasil

AutorValéria Riscarolli - Leonel Cezar Rodrigues - Martinho Isnard Ribeiro de Almeida
CargoDra. pela Universidade de São Paulo. - Dr. pela Vanderbilt University. - Dr. pela EAESP-FGV/SP.
Páginas11-41

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Valeria Riscarolli 1

Leonel Cezar Rodrigues 2

Martinho Isnard Ribeiro de Almeida 3

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1 Introdução

Para operar minimamente, uma IES precisa dispor de recursos e infraestrutura compatíveis com os serviços educacionais e atividades que oferece. Isso pode requerer elevadas somas de recursos financeiros, tanto dos cofres públicos, no caso de instituição pública, quanto das mantenedoras, no caso do ensino privado. Apesar de ambos os tipos de mantenedores (público e privado) investirem, até de forma crescente nos últimos anos, a sustentabilidade econômica da IES brasileira apresentase como um permanente desafio para sua continuidade.

Sustentabilidade aqui não se refere apenas à financeira, em que se considera o equilíbrio entre receitas e despesas. Referese também aos mecanismos de acesso aos recursos financeiros necessários à otimização dos investimentos e perpetuidade institucional. O conceito de sustentabilidade, neste estudo, aproximase mais do conceito de Sachs (2000), que a define como o alcance da maior eficiência econômica pela alocação e gestão adequada dos recursos e capacidades e do fluxo de investimentos públicos e/ou privados, incluindo obtenção, eficiente gestão e uso de bens físicos patrimoniais, financeiros e de serviços e voluntariado.

Os problemas de eficiência econômica da instituição pública possivelmente não advêm de fatos isolados, atribuíveis à sua natureza. Segundo a pesquisa de Almeida (2004), a causa pode ser uma cristalização dos papéis e das funções da IES e de seus stakeholders sociais (governo e sociedade). Almeida (2004) constatou que os recursos para pesquisa científica e técnica não têm crescido na proporção da demanda interna, apesar de serem fundamentais para sustentar a excelência acadêmica e produção intelectual. Apesar das observações do autor serem referentes à Universidade de São Paulo, por sua similaridade em natureza com as outras instituições públicas de ensino, tais observações mostram que as IES públicas sentem fortemente os desafios da sustentabilidade para manter efetivas a variedade e a qualidade dos serviços educacionais para os quais foram criadas.

As instituições privadas, aqui consideradas aquelas que cobram por serviços educacionais, mas são sem fins lucrativos, sofrem implicações em sua sustentabilidade por falta de atratividade. Nelas, as receitas dos serviços educacionais são dimensionadas para cobrir as despesas operacionais, não necessariamente os investimentos em pesquisa e atividades de extensão. Assim, as instituições privadas enfrentam igualmente problemas de

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sustentabilidade relacionados à eficiência econômica de alocação e gestão de seus recursos e capacidades, segundo a definição de Sachs (2000).

Uma solução para esse problema pode estar vinculado a uma nova forma de compor as receitas das instituições, buscando captar uma parcela significativa dos recursos necessários diretamente na sociedade. Captação de recursos aqui obedece ao dicionário da National Society of Fund Raising Executives (LEVI; CHERRY, 1996), que a define como o ato de levantar ou obter recursos de várias fontes para dar suporte econômico a uma organização ou a um de seus projetos. No contexto deste artigo, captação de recursos limitase à obtenção e uso de bens físicos patrimoniais e financeiros e de serviços gratuitos, incluindo o voluntariado. Não inclui captação proveniente de fomento, financiamentos, convênios, joint venture e outros.

1. 1 Problema e Objetivos

Sem suficientes investimentos – Brito Cruz, exReitor da UNICAMP, afirma que o Brasil investe apenas 0,6% de seu PIB, quando nos países da OECD, esse índice é de 1,8%, segundo Gois (2006) – e, legalmente impedida de gerar renda, a instituição pública se vê diante de sérios desafios de renovação de seu corpo docente, sucateamento gradual de sua infraestrutura e obsolescência de equipamentos, comprometendo desempenho, qualidade de serviços e, em consequência, sua sustentabilidade. Mecanismos organizacionais alternativos como as Fundações têm sido tentados. Contudo, a disciplina legal de gestão das coisas públicas brasileiras, no Código Civil de 2003, proíbe a criação de fundações privadas de apoio educacional, inviabilizandoas como solução alternativa. Ficam assim dependentes de uma fonte exclusiva de provimento de recursos, não necessariamente suficiente.

Nas instituições privadas, a natureza do problema é outra, pois a maioria dessas instituições, pelo problema ser recente, ainda não consegue oferecer um ensino de alta qualidade e pesquisa de significância científica. Em consequência disso, poucas delas possuem um nome consolidado junto à sociedade e muitas nem se atentam para o lastro do sucesso profissional de seus egressos como fundamento para uma ligação psicoemocional positiva e longeva com eles (KOTLER; FOX, 1995), como possível alternativa de fonte de recursos. O foco da atenção para suas necessidades financeiras é sempre apenas o aluno pagante.

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Em outros países desenvolvidos cuja captação possui um papel relevante na sustentabilidade das instituições, como nos Estados Unidos, apesar de todos os alunos pagarem suas mensalidades como em qualquer IES, a captação de recursos é a principal fonte de receita institucional (EDLES, 2006). No Brasil, apesar das experiências bemsucedidas de captação, como a da Universidade Mackenzie (PEREIRA, 2001) e a da Escola de Administração de Empresas de São Paulo – EAESPFGV (FGVEAESP, 2007a), a captação é vista ainda como ação quase proibitiva para dar sustentabilidade às IES. Para as instituições públicas, a sustentabilidade deve ser garantida pelo governo. Para as privadas, pelas receitas dos alunos pagantes e pelos serviços educacionais. Desde que a doação seja um ato voluntário, envolver a sociedade de forma mais direta no processo de sustentação econômica das IES exigiria apenas maior transparência das IES à sociedade. Aparentemente, porém, não existiria razão para que a captação não pudesse ter um papel mais relevante na sustentabilidade das IES. Seria uma questão de formulação de estratégias? Ou uma questão de sua aplicabilidade à realidade brasileira? Haveria algum empecilho determinante que impediria usar a captação de recursos como alternativa para criar receita e manter a sustentabilidade das IES brasileiras? Podese perguntar sobre as estratégias de captação usadas pelas IES norteamericanas?

Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é investigar se as estratégias de captação de recursos usadas por IES norteamericanas selecionadas poderiam ser utilizadas pelas IES brasileiras e propor contribuições à formulação de estratégias de captação para as IES brasileiras. As contribuições aqui apresentadas baseiamse nas estratégias utilizadas em IES norteamericanas de captação de recursos e nas das congêneres brasileiras selecionadas com experiência positiva nessas atividades. Desenhouse a pesquisa como um estudo multicaso, envolvendo seis instituições: uma pública e duas privadas, em cada país.

2 Fundamentação Teórica

A Constituição brasileira confere ao Estado a responsabilidade sobre a manutenção, a sustentação e a evolução do ensino no país (BRASIL, 1988). Devido ao tamanho do Brasil, sua diversidade, limitações estruturais, de recursos e da capacidade de controle do Estado, a eficiência no provimento

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dos recursos para a sustentabilidade do sistema educacional público brasileiro fica, pelo menos em parte, comprometida. No ensino privado, as fontes de receita concentramse nas mensalidades dos alunos – no Brasil, 95% dos recursos das instituições privadas advêm de mensalidades estudantis (SCHWARTZMAN, 2006) – e não conseguem suprir adequadamente todas as necessidades de investimento das IES.

Ristoff (1999) faz um amplo levantamento dos investimentos na educação no Brasil e contextualizaos no cenário internacional. O autor assinala que, no mundo, o país que mais investe em educação é a Suécia, com um valor próximo de US$ 2.200 por habitante, segundo dados da UNESCO e Banco Mundial. No grupo dos países em desenvolvimento, como o Brasil, México e Argentina, os investimentos não ultrapassam US$ 200 por habitante. No caso do Brasil, a situação é ainda mais crítica, porque atinge apenas 13% do que, em média, investem em educação os países desenvolvidos. Apesar da enorme evolução da produção científica no Brasil nos últimos anos, é possível imaginar o impacto negativo que essa falta de investimentos pode causar, a médio e longo prazo, sobre a qualidade do ensino, a qualidade da pesquisa e sobre o volume e produção científicotecnológica do país.

2. 1 Captação de Recursos em Números

Há uma clara diferença nas experiências de captação entre as várias nações do mundo, devido aos sistemas legal, tributário e à cultura social. Nos Estados Unidos, de acordo com o Independent Sector (2007), em 2002, aproximadamente 67% de todas as pessoas no país fizeram doações, em uma média nacional de US$ 1.872 por pessoa. Edles (2006) mostra que, segundo os relatórios do mesmo Fundo, as doações evoluíram de US$ 100,35...

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