Processo tributário - 2

AutorJosé Paulo Neves
Páginas81-101

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Decisões Paradigmáticas: Admissibilidade, Conhecimento e Limites Objetivos

Eduardo Domingos Bottallo - Inicialmente, eu gostaria de manifestar ao Sr. Presidente e aos Colegas que integram esta Mesa os meus agradecimentos pelo convite que recebi para participar deste XXVII Congresso do IDEPE. E também pela honra de poder dividir com eles o exame de questões tão importantes quanto elucidativas da área do nosso direito tributário.

A mim, coube falar alguma coisa sobre "Decisões Paradigmáticas: Admissibilidade, Conhecimento e Limites Objetivos". Parece tema de grande extensão e de grande profundidade. E, de fato, ele apresenta essas duas características. Daí por que eu vou me permitir, nessa limitação de tempo que cada um de nós recebe para sua manifestação, procurar centrar minha palestra em considerações voltadas para as chamadas súmulas vinculantes, tanto judiciais como administrativas, na medida em que elas hoje são, por assim dizer, o repositório das decisões paradigmáticas.

No início da minha exposição eu gostaria de fazer algumas considerações a respeito da jurisprudência e, mais especificamente, da jurisprudência que poderíamos chamar de utilização obrigatória no campo do direito tributário. Para tanto, não se pode esquecer, de início, que, nesse ponto específico, a jurisprudência, ao menos formalmente, não mereceu a menor consideração. Com efeito, o Código Tributário Nacional, tratando das fontes do direito tributário, ao mesmo tempo em que atribui aos atos administrativos, às decisões administrativas - e até mesmo às práticas administrativas reiteradas, ainda que não consubstanciadas em decisões - a qualidade de normas complementares das leis, dos tratados, das convenções internacionais, bem como dos decretos que versem tributos e relações jurídicas a eles pertinentes, nenhuma menção faz ao Direito produzido pelo Judiciário no exame das situações concretas que lhe são submetidas. Daí, nós podemos concluir, de início, que, historicamente, a jurisprudência, por virtude própria, não possui o condão de se apresentar como fonte pragmática de Direito. Eu me refiro especificamente ao direito tributário.

Todavia - isso é importante também que se estabeleça, como passo inicial da nossa manifestação -, não se pode deixar de apontar que a jurisprudência teve sempre forte peso - que nós poderíamos chamar de peso persuasivo - em termos de compreensão e interpretação da ordem jurídica. Peso, este, tanto,maior quanto maiores a hierarquia e o prestígio do tribunal de onde provém.

Em meados da década de 70 do século passado começou a se desenvolver uma tendência à codificação da jurisprudência dos mais importantes tribunais brasileiros. Nesse particular, os arts. 102 e 103 do Regimento Interno do STF fixaram a competência do Plenário para deliberar pela maioria dos seus membros sobre inclusão, cancelamento, criação ou alteração das chamadas súmulas.

Na mesma ocasião o Regimento Interno do STJ dispôs sobre o assunto em seus arts. 122 a 126, onde está consignado que serão objeto de súmula os julgamentos tomados pela maioria absoluta dos membros que integram a Corte Especial ou em cada uma das sessões e incidentes de uniformização de jurisprudência.

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Também poderão ser inscritos em súmulas, ainda de acordo com o mesmo Regimento, os enunciados correspondentes a decisões firmadas em cada caso pela unanimidade dos membros componentes da Corte Especial ou de sessão ou por maioria absoluta em pelo menos dois julgamentos concordantes.

É interessante notar que a princípio os efeitos decorrentes dessas súmulas somente alcançavam os recursos de competência desses dois Tribunais, o STF e o STJ.

Em suma, dizia-se que o relator, independentemente de manifestação do Plenário, pode negar seguimento a recurso extraordinário ou especial que se mostre em confronto com as súmulas. Ou dar provimento aos recursos se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com as súmulas desses tribunais. De modo que, de um lado e de outro, o que se procurava por meio das súmulas era uniformizar os recursos de competência desses dois Tribunais Superiores.

Entretanto, na seqüência dessa evolução passou a se verificar em nosso ordenamento extraordinária expansão daquele que poderia ser denominado poder sumular. Isso começou com uma das primeiras emendas constitucionais introduzidas à Carta de 1988, mais especificamente a Emenda 3/1993, que determinou que decisões proferidas em ações declaratorias da constitucionalidade de leis ou atos normativos federais produziriam eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos dos Poderes Judiciário e Executivo.

Então, vejam, esta introdução da súmula vinculante deu-se por meio dessa Emenda, e limitada apenas ao que fosse proferido em um tipo de ação, a ação declaratoria de constitucionalidade - uma ação, por sinal, bastante peculiar, porque tinha dois objetivos: um objetivo declarado de consolidar a jurisprudência a respeito da constitucionalidade de leis; e outro objetivo político - e de certa forma disfarçado atrás desse formal -, que era evitar que os contribuintes, que a sociedade em geral, se interpusessem contra decisões que pudessem declarar a inconstitucionalidade de leis. Essa declaratoria de inconstitucionalidade de lei, inclusive, não tinha contestação. Ela era julgada pelo STF a partir de propositura do próprio STF ou de quem estivesse lá na defesa dos interesses do Governo - e com isso evitava a multiplicidade de ações que poderiam incidir sobre determinadas medidas governamentais.

E de se lembrar - apenas para completar essa idéia - que foi através desse tipo de expediente que se consolidou, num primeiro momento, a criação do chamado imposto sobre o cheque, o IPMF, que posteriormente foi substituído pela CPMF.

Mais tarde, a Lei 9.882/1999, tratando da arguição de descumprimento, colocou mais um "tijolo" - digamos assim - nessa construção, determinando que juizes e tribunais suspendam o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais ou de qualquer medida judicial que apresentem relação com a matéria objeto da ação de descumprimento de preceito fundamental, de modo que essa ação - por assim dizer -passou a funcionar como uma espécie de "ímã" a consolidar todas as objeções que pudessem ser feitas às leis separadamente, a fim de fazer com que elas fossem objeto de uma única decisão.

E esse progresso sucessivo e cada vez mais constante do chamado direito sumular encontrou seu ápice na Emenda Constitucional 45/2004, que atribuiu ao STF competência para a aprovação de súmulas vinculantes de observância obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública direta ou indireta, Estadual, Municipal e Federal. Portanto, essa sucessão de condutas, que culminou com a criação das súmulas vinculantes, deu a determinado tribunal - qual seja, o STF -, indiretamente, a possibilidade de legislar. Legislar através de enunciados gerais e abstratos de observância obrigatória pelo Judiciário como um todo e pelo Poder

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Executivo como um todo. As denominadas súmulas vinculantes.

A essa altura da nossa exposição é importante que se destaque que se tratava de competência excepcional. E assim é até hoje. A competência para emitir enunciados de súmulas vinculantes é uma competência excepcional dada expressamente a um único tribunal brasileiro - qual seja, o STF.

Eu não sou daqueles que acreditam na existência de uma teoria que diga que certas determinações da ordem jurídica devem ser interpretadas restritivamente. Eu acho que interpretação restrita não é mais que um jogo de palavras. Mas, de qualquer forma, é preciso que se entenda que essa competência dada ao STF é uma competência pessoal e excepcional, e, portanto, não pode ser exercida por nenhum outro tribunal ou nenhuma outra entidade, ainda que estranha ao Judiciário mas dotada de poder decisorio, que não seja o próprio STF.

E aqui eu acho importante que nós façamos um pequeno esforço para entender as características que a doutrina apontou que devem apresentar essas súmulas vinculantes. A súmula vinculante, na verdade, não é e não pode ser entendida como um mandato em branco que o Poder Judiciário brasileiro deu ao Poder Judiciário. Não. Ela é uma competência - repito e insisto - excepcional, que está presa também a certos parâmetros que a doutrina estabelece como essenciais para que este poder possa ser adequadamente exercido.

Quais são os parâmetros a que devem obedecer essas súmulas vinculantes? Em primeiro lugar, é preciso que o debate judicial seja quantitativa e geograficamente representativo. As súmulas não podem decorrer de construções pretorianas de decisões isoladas ou quantitativamente inexpressivas de um ou poucos tribunais. Portanto, é preciso que essa determinação seja objeto de manifestação que cubra o território nacional como um todo, que cubra o Judiciário, também, de forma bastante significativa.

A segunda característica é que as súmulas devem decorrer do debate jurídico qualitativamente completo, ou seja, deve-se concluir com a segurança de que todos os argumentos doutrinários e jurisprudenciais relevantes foram devidamente refutados ou acatados expressamente na decisão. Então, existem muitas decisões que podem, até, num caso concreto, atender ao interesse de uma das partes no processo mas que, mesmo assim, não atendem a essa característica essencial para a formação das súmulas vinculantes. Como, por exemplo, quando uma ação é decidida no interesse de uma das partes por razões de ordem processual ou por prescrição e semelhante. Neste caso, claramente não houve uma apreciação de mérito daquilo que vai constituir o conteúdo da súmula, e, portanto, não pode passar a funcionar com essa hierarquia.

Terceira característica: o debate jurisprudencial deve ser temporalmente maduro. Vale dizer: é necessário que ocorram sucessivas apreciações e lapso de tempo adequado para o respectivo amadurecimento. As súmulas vinculantes não se fazem de um dia para o...

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