Processo trabalhista envolvendo doenças ocupacionais. Presente, passado e futuro

AutorAloysio Corrêa da Veiga
Páginas9-16

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“Um operário de uma linha de montagem, em plena revolução industrial, na passagem da produção artesanal para a produção em série, se submetia a uma forma de trabalho não mais de acordo com suas condições físicas e psicológicas, mas para produzir para o patrão com o fim de visar sempre um maior lucro, sem que este se importasse com as condições de seus trabalhadores. O trabalho, cada vez mais rápido, num ritmo frenético e monótono, por sempre fazer a mesma coisa, leva o operário a um colapso nervoso. Após um longo período em um sanatório ele fica curado de sua crise nervosa, mas desempregado” 1 .

1. Introdução

Para tratar sobre Doença Ocupacional, o que ela representa nas estatísticas da Justiça do Trabalho, o enfrentamento dessas questões pelo judiciário trabalhista e o método ideal para solução dos conflitos de interesse, precisamos ter presente que o Trabalho sempre representou, para nós, uma relação de penosidade.

Desde o antigo testamento, no gênesis, o Trabalho tem o seu significado vinculado a um sofrimento, não distante da noção de pena, castigo, na medida em que a condenação do homem foi a de que “ganharás o pão com o suor do teu rosto”.

Basta relembrar que a origem da palavra Trabalho, do latim tripalium, termo formado pela junção do numeral três e de palium, que quer dizer madeira. Tripalium, então, é o nome de um instrumento constituído de três estacas de madeira, bastante afiadas, utilizado para tortura e bastante comum na Europa em tempos remotos. Trabalhar, por isso, significava ser torturado.

Os escravos e os pobres, porque não podiam pagar impostos, eram os que sofriam as torturas do tripalium.

Por isso que a ideia de trabalhar tinha estreita relação com as atividades físicas produtivas realizadas pelos trabalhadores, em geral camponeses, artesãos, agricultores, pedreiros.

O francês arcaico recebeu o termo Trabalho, do latim, como Travailler, no sentido de “sentir dor” e, com o tempo, passou a designar uma atividade exaustiva. Somente no Século XIV é que se começa atribuir à palavra trabalho o sentido de aplicação das forças e faculdades intelectuais para alcançar determinado fim.

Com a revolução industrial o termo trabalho se torna gênero para designar a atividade produtiva.

É na revolução industrial que surge, como consequência, o processo tecnológico que transformou os meios produtivos que, cada vez mais se sofisticaram, trazendo novas formas de trabalho.

Se, na antiguidade e na idade média, o trabalho era realizado pelos pobres e pelos escravos, o que perdurou até a revolução francesa, o descaso com a saúde do trabalhador era absoluta.

As doenças ocupacionais (profissionais e do trabalho) ganham relevo, sem que haja qualquer preocupação da sociedade com os transtornos decorrentes das doenças a que eram vitimados os trabalhadores no exercício da atividade profissional.

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É clássica a inspiração de Charlie Chaplin ao transmitir a saga do trabalhador, submetido ao trabalho exaustivo, igual, em modo contínuo, com rapidez, até levá-lo a loucura, a internação por longo tempo em sanatório, a cura e o desemprego, como visto acima na menção ao filme de 1936, na obra imortal de “Tempos Modernos”.

É nesse cenário que se desenvolve a atividade econômica, empresarial e a atividade profissional, num ambiente em que o trabalhador era relegado à própria sorte, sem que houvesse o compromisso social de se proporcionar um ambiente de trabalho seguro e saudável, de modo a possibilitar o exercício da atividade profissional sem os transtornos das doenças decorrentes do trabalho e, sem os riscos da ocorrência de acidentes de trabalho.

Pode-se então sintetizar a evolução do trabalho na história em seis fases distintas:

A primeira fase é a da produção pela subsistência, limitando-se à caça e à pesca, como realizada pelos homens primitivos.

A segunda fase é a da produção artesanal (agrícola e pastoreio), na qual o homem arava a terra, plantava, cultivava, colhia e armazenava, e o excesso era meio de troca ou de venda.

A terceira fase, a da Produção Industrial, quando se deu a descoberta da energia hidráulica, com a máquina a vapor e a eletricidade. É de 1738 a invenção da máquina de fiar. A revolução industrial se deu na Inglaterra no período de 1760 a 1830, quando houve concentração de grande quantidade de trabalhadores na empresa, e também número enorme de acidentes de trabalho.

A quarta fase ficou conhecida na história como a da “produção em série”, na qual o trabalhador deveria fazer sempre o mesmo tipo de trabalho, com o fim de acelerar a produção (Henri Ford -1905).

A quinta fase é a da automação tecnológica – Reengenharia/Robótica, na qual a produção automatizada termina por reduzir a força de trabalho na empresa, com o consequente fechamento de postos de trabalho, decorrentes da globalização que está a exigir, cada vez mais, novas regras, entre elas qualidade, competitividade e baixo custo da produção para uma maior inserção no mercado.

A sexta fase, e última, é a dos serviços terceirizados. A terceirização da mão de obra, com o fim de baixar o custo da produção, tem demonstrado a opção pela prestação de serviços com a contratação do trabalhador diretamente pelo tomador dos serviços. Não se contrata mais empregado, o que termina na precarização da mão de obra, com a perda de direitos já consagrados e conquistados pela categoria profissional, além de fragi-lizar os sindicatos. Esta forma de contratação tem revelado um aumento significativo de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais.

O abandono do trabalhador, vítima de doença ocupacional ou de acidente no trabalho, demonstra, no decorrer da história, a desconsideração e o desprezo da sociedade com o homem, que seria, ao fim, o destinatário do bem estar social.

2. Saúde do trabalhador

Na atualidade, o aumento da incidência de doenças ocupacionais e de acidentes de trabalho decorre do fenômeno econômico da globalização que transformou o conceito de mercado. Há uma busca desenfreada por maior competitividade, com rapidez na produção e, com custo baixo, para chegar ao resultado do consumo imediato e lucrativo. Tal mudança terminou por afetar a forma de trabalhar, exigindo qualificação e preparo, com o fim de atingir a qualidade indispensável para competir no mercado. Para tanto, os empregados são submetidos à cobrança de metas exaustivas e inatingíveis, num ritmo alucinante, com intensa pressão psicológica, a resultar, consequentemente, no aumento assustador das doenças ocupacionais.

A partir de 14 de novembro de 2017 entrará em vigor a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017 (DOU 14 de julho de 2017), que traz fortes alterações aos direitos relacionados com a saúde, higiene e segurança do trabalho. A referida lei resulta do projeto de Reforma Trabalhista (Projeto de Lei n. 6.787, de 2016), encaminhado pelo Poder Executivo, e “altera o Decreto-Lei
n. 5.452, de 1
º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho, e a Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, para dispor sobre eleições de representantes dos trabalhadores no local de trabalho e sobre trabalho temporário, e dá outras providências”.

Com efeito, os dispositivos que irão refletir na higidez física e mental do trabalhador são aqueles do art. 4º, no tocante à supressão do tempo à disposição do empregador; do art. 58 § 2º, em relação à supressão das horas in itinere ; dos arts. 58-A, § 6º, 7º, 134 relativamente às férias e ao seu fracionamento; dos arts. 75-A a 75-E sobre o teletrabalho; do art. 394-A referente ao adicional de insalubridade e proteção à maternidade; do art. 452 no tocante ao trabalho intermitente e sua natureza precária e temporária, e enfim, e não menos importante, do art. 611-A versando sobre a prevalência da negociação coletiva sobre a legislação no que diz respeito à duração do tempo de trabalho (e.g. incisos I, II, III, VIII, XI, XII, XIII).

Apenas e quando da aplicação da norma legal aos contratos de trabalho, será possível compreender

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o alcance das normas à realidade das novas relações de trabalho, inclusive em relação ao aparente conflito entre o art. 611-A e art. 611-B relativamente à licitude da derrogação de dispositivos de ordem pública, notadamente, os que dispõem sobre a duração do trabalho e os intervalos para repouso e alimentação.

3. Doença ocupacional e acidente de trabalho

A segurança e a higiene no ambiente do trabalho nem sempre foi objeto de cuidado especial nos meios de produção.

Na...

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