Processo Legislativo para além do Parlamento em Estados Autoritários: uma análise comparada entre os Códigos Penais Italiano de 1930 e Brasileiro de 1940

AutorDiego Nunes
CargoUniversidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil
Páginas153-180
Processo Legislativo para além do Parlamento
em Estados Autoritários: uma análise comparada
entre os Códigos Penais Italiano de 1930 e
Brasileiro de 1940
Legislative Proceedings beyond the Parliament in Authoritarian States: a
comparative analysis between the 1930 Italian and 1940
Brazilian Criminal Codes
Diego Nunes
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG, Brasil
Resumo: Neste trabalho será utilizada a ex-
periência das reformas penais realizadas pelo
fascismo e o “Estado Novo” para compreen-
der a legitimação constitucional de afastar
o parlamento e a colaboração de renomados
penalistas para a confecção das codificações
sem o controle da representação popular.
Analisando documentos de época como os
projetos de lei e a historiografia penal, con-
cluiu-se que, na Itália, o parlamento abdicou
da competência via delegação de poderes ao
governo, e, no Brasil, o golpe de Estado ou-
torgou nova constituição cuja competência
foi destinada ao Poder Executivo. Além dis-
so, ambos os regimes valeram-se da legitima-
ção intelectual dos juristas.
Palavras-chave: Processo Legislativo. Código
Penal. Autoritarismo
Abstract: This paper aims to analyze the
experience of the criminal reforms carried
out by the Italian fascism and the Brazilian
“Estado Novo”, to understand the constitutional
legitimacy for the parliament’s dismissal and
the collaboration of renowned lawyers for code-
making, but without the ultimate control of
popular representation. Analyzing the historical
documents as the code-drafts and the criminal
historiography, this paper concludes that in Italy,
the parliament itself has abdicated its competence
by a delegation of powers to the government and
in Brazil, the 1937 coup d’État imposed a new
constitution in which the x legislative competence
fully to the Executive Power. Furthermore, both
the regimes used intellectual legitimacy by jurists.
Keywords: Legislative Proceedings. Criminal
Code. Authoritarianism.
Recebido em: 30/03/2016
Revisado em: 19/09/2016
Aprovado em: 30/09/2016
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2016v37n74p153
154 Seqüência (Florianópolis), n. 74, p. 153-180, dez. 2016
Processo Legislativo para além do Parlamento em Estados Autoritários: uma análise comparada entre os
Códigos Penais Italiano de 1930 e Brasileiro de 1940
1 Introdução
Apesar dos parlamentos pós-Revolução Francesa serem designa-
dos pelas constituições como “Poder Legislativo”, por muitas vezes tal
atribuição foi questionada. Portanto, legislar fora do parlamento, ou mais
exatamente deslocar a competência legislativa do parlamento ao governo
não é algo inédito, mas possui uma densidade própria em se tratando de
regimes autoritários.
A Itália pós-unificação utilizou amplamente o expediente de delega-
ção legislativa para a confecção de suas codificações1. O modo como ela
foi gerida em 1925 para a reforma penal por parte do fascismo é que a torna
particular. Da mesma forma o Brasil: mesmo o código penal anterior não
tendo passado pelo crivo parlamentar2, o método escolhido para a reforma
penal do Estado Novo apresenta peculiaridades a serem exploradas.
Existem alguns trabalhos que analisam a relação entre regimes polí-
ticos autoritários e a codificação penal por eles produzida (SBRICCOLI,
2009), mas não na perspectiva comparada. Ainda, a historiografia não se
debruçou a fundo sobre a transferência da competência legislativa do par-
lamento para o executivo como forma de execução de um projeto autori-
tário de legislação penal, como o “Estado Novo” brasileiro e o fascismo
italiano.
Há considerável literatura que passa de modo tangencial pelo argu-
mento. Dentre tantos, cabe citar um discurso do jurista Piero Calamandrei
(1966), que ao tratar da função legislativa sob o fascismo aponta como o
parlamento se encontrava submisso ao governo fascista que se via como
restaurador da legalidade abandonada, advertindo a necessidade de se fa-
zer a historiografia desse fenômeno. É o que se buscará fazer, ainda que
1 Cfr., por exemplo, Sbriccoli (2009) e Latini (2005).
2 Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, “Promulga o Codigo Penal. O Generalissimo
Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados
Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, tendo ouvido
o Ministro dos Negocios da Justiça, e reconhecendo a urgente necessidade de reformar
o regimen penal, decreta o seguinte Codigo Penal dos Estados Unidos do Brazil”. Cfr.
Sontag (2014, p. 173 e 181).

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