Processo do trabalho: tarifação do dano moral e a reforma trabalhista

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas173-178

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1. Introdução

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, ainda em vocatio legis, introduz profundas alterações em diversos institutos inerentes ao Direito Material e Processual do Trabalho, inovando muitas vezes em sentido contrário à jurisprudência pacificada pelo TST.

Este artigo tem por escopo tratar, em breves linhas, sobre o título II-A introduzido pela nova Lei, que pretende regular com exclusividade o fenômeno do dano extrapatrimonial.

Assim dispõem os artigos do referido diploma legal:

TÍTULO II-A
DO DANO EXTRAPATRIMONIAL
Art. 223-A. Aplicam-se
à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.

Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liber-dade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.

Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.

Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.

Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.

§ 1º Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.
§ 2º A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I – a natureza do bem jurídico tutelado;

II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III – a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII – o grau de dolo ou culpa;

VIII – a ocorrência de retratação espontânea;

IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X – o perdão, tácito ou expresso;

XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;

XII – o grau de publicidade da ofensa.
§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

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§ 2º Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.

§ 3º Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.

Passa-se a tratar dos elementos essenciais do novo regramento legal.

2. Aplicação exclusiva x diálogo das fontes

O art. 223-A, introduzido pela Lei n. 13.467/2017, de plano impõe ao intérprete a aplicação exclusiva das normas do título II-A no que tange ao dano extrapatrimonial ou moral.

Não é demais lembrar, todavia, que não se trata de instituto próprio do Direito do Trabalho, como a limitação da jornada e as modalidades de extinção contratual. Ao revés, o Direito dos Danos refere-se ao instituto da Responsabilidade Civil, inerente ao Direito Civil em si e importado para a seara juslaboral pelo simples fato de que sua ocorrência se deu no campo das relações laborativas.

É possível conceituar a Responsabilidade Civil nos seguintes termos:

Responsabilidade civil é o instituto que impõe uma cultura de prevenção de danos entre os agentes da vida social, e na ocorrência de dano, impõe a exigibilidade de uma prestação por parte do agente, em razão de dano causado a terceiro, por ato ou atividade própria ou de pessoa a quem o agente se liga por força de lei ou contrato como garante, em razão de culpa ou dolo do agente, ou de imposição legal, ou do exercício de atividade considerada de risco, que resultou no dano a ser indenizado.1

De tal conceito extrai-se sua aplicabilidade para qualquer relação entre seres humanos. De fato, sendo o dano moral resultante de responsabilidade civil extracontratual, o substrato do contrato de trabalho serve apenas para conferir competência material à Justiça do Trabalho (STF, CC 7204; TST, Súmula n. 3922; CF, art. 114, VI3), sendo incapaz de alterar os requisitos de seu enquadramento jurídico e os efeitos indenizatórios daí decorrentes.

Sendo o mesmo instituto da Responsabilidade Civil aplicável a quaisquer pessoas lesadas, os efeitos jurídicos daí decorrentes devem ser os mesmos, a empregados ou pessoas alheias ao agente lesador.

Assim, em que pese a omissão ao racismo no rol de bens jurídicos tutelados pelo art. 223-C da citada Lei4, ofenderia o princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput) a interpretação de que tal rol é taxativo, se pessoa não empregada que sofresse dano moral pela mesmo conduta discriminatória estaria tutelada e a pessoa empregada, não. Sofreria o empregado de dupla discriminação, uma pelo empregador, outra pelo legislador. O mesmo se diga de outros fatores de discriminação, como idade avençada, orientação sexual, doenças estigmatizantes (Lei n. 9.029/1995; TST, Súmula n. 443), procedência nacional (ainda a Lei
n. 9.029/1995) dentre outros.

Em um sistema jurídico, inconcebível, sob pena de exsurgirem odiosas e injustas desigualdades, a leitura isolada de um dispositivo ou mesmo um diploma legal. Primeiro, o legislador não pode descurar do respeito à Constituição Federal, não podendo excluir da tutela jurisdicional uma lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV). Segundo, a imprevisibilidade das condutas sociais e sua evolução, de forma a surgirem novas formas de lesão ou novos meios de lesar direitos da personalidade, torna impossível a delimitação legal plena de hipóteses de dano extrapatrimonial.5 Terceiro, no intricado sistema jurídico moderno, as interligações entre diplomas e institutos para regular distintas facetas da mesma relação jurídica impedem a leitura isolada

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e monolítica, exigindo um diálogo interpretativo das fontes normativas.6

Ainda quanto ao mencionado diálogo das fontes, Cláudia Lima Marques, ao tratar do diálogo entre CC e CDC, estipula 3 critérios de diálogo das fontes: a) diálogo sistemático de coerência...

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