O processo civil entra em campo: a coisa julgada e o título brasileiro de 1987

AutorJosé Augusto Garcia de Sousa
CargoDefensor Público no Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Assistente de Direito Processual Civil da UERJ. Professor de Direito Processual Civil da Fundação Getúlio Vargas (RJ).
Páginas287-355
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume IX.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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O PROCESSO CIVIL ENTRA EM CAMPO: A COISA JULGADA E O TÍTULO
BRASILEIRO DE 1987
José Augusto Garcia de Sousa1-2
Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro.
Mestre em Direito pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Professor Assistente de
Direito Processual Civil da UERJ. Professor de
Direito Processual Civil da Fundação Getúlio
Vargas (RJ).
Resumo: Um episódio bastante polêmico da vida desportiva brasileira a disputa pela
condição de campeão nacional de futebol de 1987 é o ensejo para o artigo discutir o
riquíssimo tema da coisa julgada, decisivo para a resolução da controvérsia
futebolística.
Abstract: A polemic episode in Brazilian sports the dispute for the status of national
champion of football in 1987 is the background used in the article for discuss the
complex issue of the res judicata, which is crucial to solve the football controversy.\
Palavras-Chave: Futebol Título brasileiro de 1987 Clube de Regatas do Flamengo
Sport Club do Recife Sentença Coisa julgada Limites objetivos Segurança
jurídica Direito desportivo.
1 Com muito afeto, agradeço o apoio e as valiosas sugestões do acadêmico Francisco Acioli Garcia.
2 Tratando-se de um estudo de caso, relativo a conflito concreto e atual, devo declarar que, embora sem
qualquer vínculo jurídico com as entidades envolvidas, gosto de futebol e to rço pelo Flamengo,
personagem central da disputa. Isso r ealmente despertou o meu interesse para o caso, mas não prejudica a
seriedade do trabalho. Afinal, este se pretende consistente e com ap oio em fontes bibliográficas boas e
confiáveis. Além disso, hoje se sabe muito bem que não há neutralidade possível no mundo do direito,
sem que o fato, por óbvio, tenha o condão de inviabilizar a produção científica nesse ramo. Enfim,
também aqui o escrito transcende o autor, e deve ser julgado pela qualidade dos seus fundamentos, nada
mais.
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Keywords: Football Brazilian champion in 1987 Clube de Regatas do Flamengo
Sport Club do Recife Sentence Res judicata Objective boundaries Legal
certainty Sports law.
Sumário: 1. Introdução 2. A Copa União de 1987 3. A demanda intentada pelo
Sport Club do Recife 4. A superveniência de fatos relevantes 5. As principais
questões a serem analisadas no caso 6. A coisa julgada nos dias atuais: a necessidade
de uma leitura suave e a rejeição da “coisa julgada polvo”: 6.1 A sina da coisa julgada
em tempos relativistas; 6.2 A maior necessidade de ponderação entre segurança e
liberdade na era da argumentação e da verdade “construída” - 7. Os limites objetivos da
coisa julgada 8. Coisa julgada e fatos supervenientes 9. O peculiar regime
constitucional das questões desportivas 10. Conclusão parcial, à vista das premissas
examinadas 11. Voltando ao caso concreto: os limites objetivos da coisa julgada: 11.1
O que se contém, expressamente, nos limites da coisa julgada existente?; 11.2 Não teria
ficado ao menos implícita e coberta pela coisa julgada a condição do Sport de
único campeão brasileiro de 1987?; 11.3 Aplicando a “regra de ouro” – 12. Os fatos
novos e sua influência no deslinde do caso 13. Encerramento: recapitulação das ideias
principais 14. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO:
Embalado pelas “ondas” do célebre movimento do acesso à justiça, capitaneado
por Mauro Cappelletti, o processo civil transformou-se intensamente nas últimas
décadas. Vivemos agora, na chamada fase instrumentalista, sob o influxo da ideia-força
da efetividade. O processo deve servir à vida, ao homem. Da realidade não pode se
afastar. A efetividade do processo é, antes de tudo, essa conexão direta com a realidade,
abandonando-se o formalismo que durante muito tempo impregnou o direito
processual3. Nada mais eloquente, a esse respeito, do que o processo civil brasileiro, na
quadra atual. Como sabemos todos, discute-se o projeto de um novo Código de
Processo Civil. Independentemente dos méritos ou deméritos do projeto, não há dúvida
3 Fala-se evidentemente do formalismo e xcessivo, sem descurar da importância d a forma para o processo.
Consulte-se, a propósito, premiada obra de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: Do formalismo no
processo civil: proposta de um formalismo-valorativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 2009.
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nenhuma de que ele está sendo guiado pela perspectiva da efetividade, visando ao
aperfeiçoamento prático da função jurisdicional no Brasil. Há cerca de 40 anos, as
preocupações eram bem distintas. Na exposição de motivos do Código de Processo
Civil de 1973, a realidade exterior não tinha qualquer protagonismo, mas sim a
economia interna da processualística.
Neste ensaio, lastreado em caso concreto, a conexão do processo com as
pulsações do mundo exterior estará muito presente. Mas dentro de um ângulo peculiar, e
exibindo uma raríssima mistura de ingredientes. De um lado, o instituto da coisa
julgada, que mesmo para os iniciados continua reservando surpresas e mistérios. Do
outro, uma das maiores paixões nacionais, o futebol.
Estudaremos o caso do título brasileiro de 1987, objeto de ruidosa polêmica
jurídico-futebolística. Como se verá a seguir, a disputa por esse título que já dura
quase 25 anos e envolve o time com maior torcida no país passou a depender da
resolução de uma controvérsia processual, afeta especificamente ao instituto da coisa
julgada. Assim, uma questão extraída das profundezas da dogmática processual,
carregada de sutilezas, ganhou as ruas e tornou-se assunto de rodas de bar e mesas
redondas televisivas, sendo versada com desconcertante fluência por torcedores e
comentaristas esportivos.
Paixão futebolística à parte, o caso abre ótimo ensejo para se cuidar do tema da
coisa julgada, que, mesmo sem arrastar multidões a estádios, possui também, ao menos
para os estudiosos do processo, uma boa dose de fascínio.
2. A COPA UNIÃO DE 1987:
Tratando-se de um estudo de caso, é preciso proceder a relato detalhado do
quadro empírico que subjaz à polêmica jurídica4.
A história do conflito tem início em 1987. Naquele ano, o futebol brasileiro vivia
uma profunda crise. O Campeonato Brasileiro de 1986, com nada menos do que 80
clubes um número espantoso até mesmo para os padrões nacionais , havia sido,
além de caótico, muito deficitário para os grandes clubes, obrigados a dividir espaço
4 Não há maior controvérsia sobre os fatos que serão expostos a seguir (muitos deles notórios). Além de
abundantes fontes na internet, consulte-se Roberto Assaf, História completa do Brasileirão 1 971/2009,
Rio de Janeiro: Lance, 2009.

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