Processo civil

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COISA JULGADA NÃO SE SOBREPÕE A DIREITO DE FILHO EXTRACONJUGAL DE FIGURAR NA SUCESSÃO

Superior Tribunal de Justiça

Re curso Especial n. 1279624/PR Órgão Julgador: 4a. Turma

Fonte: DJ, 14.06.2017

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

EMENTA

Recurso Especial. Ação Rescisória. Art. 475, V, do CPC/1973. Investi-gação de paternidade e petição de herança. Filho adulterino. Falecimento do genitor antes do advento da constituição federal de 1988. Capacidade para suceder. Incidência da legislação vigente à época da abertura da sucessão. Lei n. 883/49 e Lei do Divórcio. Possibilidade de demandar pelo re-conhecimento do estado de filiação e pelo direito de herança em igualdade de condições com os demais filhos. Pretensão fundada em afronta à literal dispositivo de lei. Desconsideração, pelo acórdão rescindendo, da legislação esparsa vigente à época. Rescisão do julgado. Necessidade. 1. Mostra-se indispensável o debate da questão jurídica pelas instâncias ordinárias, ainda que verse sobre matéria de or-dem pública, para fins de conheci-mento do recurso especial, sob pena de inviabilizar do acesso à instância superior dos recursos excepcionais pela ausência do prequestionamento. 2. A decretação de nulidade de atos processuais depende da efetiva demonstração de prejuízo à parte interessada, em face do princípio pas de nullité sans grief, sendo que, no caso, os recorrentes limitaram-se a alegar o erro de procedimento do Juízo, sem aventar nenhum dano advindo des-ta conduta. 3. "O prazo para ajuizamento da ação rescisória somente tem início com o trânsito em julgado ma-terial, ou seja, após o transcurso "in albis" do prazo para recorrer, mesmo que o último recurso interposto não tenha sido conhecido por intempestividade, exceto configuração de erro grosseiro ou má-fé" (REsp 1186694/ DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03/08/2010, DJe 17/08/2010). 4. A Quarta Turma já assentou o posicionamento de que "máxime em ações de estado, não se apresenta aconselhável privilegiar a coisa julgada formal em detrimento do direito à identidade genética, consagrado na Constituição Federal como direito fundamental, relacionado à personalidade. Descabe, assim, na espécie, recusar o ajuizamento da nova ação (CPC, art. 268), quando há apenas coisa julgada formal decorrente da extinção do processo anterior e a ação posteriormente proposta atende aos pressupostos jurídicos e legais necessários ao seu processamento" (REsp 1215189/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 01/02/2011). 5. As discriminações existentes entre os filhos foram definitivamente ex-tintas com o advento da Constituição Federal de 1988. No entanto, os di-reitos sucessórios dos filhos extracon-jugais já eram assegurados pela Lei n. 883/49 (com a redação dada pelo artigo 51 da Lei 6.515/77), que estabeleceu o direito à investigação de paternidade e à participação em grau de igualdade na herança, qualquer que seja a natureza da filiação. 6. Não há falar em incidência da Súm. 343 do STF quando inexistente qualquer interpretação controvertida a respeito do tema nos tribunais. 7. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão

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do aresto impugnado impõe o não co-nhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na Sú-mula n. 283/STF. 8. Na hipótese, che-gar à conclusão diversa do acórdão recorrido, no tocante à inexistência de qualquer vínculo conjugal dos genitores a impedir o Autor de demandar a investigação de paternidade, ante a dissolução do casamento da mãe pelo desquite e o término do matrimônio do pai pela morte do mesmo, demandaria o revolvimento fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súm. 7/STJ. 9. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr. Vandocir José dos Santos, pela parte Recorrente: Darci de Souza

Brasília (DF), 23 de maio de 2017 (Data do Julgamento)

Ministro Luis Felipe Salomão

Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

  1. Espólio de (...) ajuizou ação rescisória em face do acórdão n. 17.307, da Quarta Turma do TJPR, que havia dado provimento parcial ao recurso dos réus e declarado prejudicado o recurso adesivo do autor, na ação de investigação de paternidade cumula-da com petição de herança, haja vista que, apesar de reconhecer o estado de filiação e o direito de igualdade dos filhos, deixou de conceder-lhe os efeitos patrimoniais da herança, contrariando a legislação em vigor, mesmo antes do advento da Constituição Federal de 1988, que já eliminava a discriminação contra o filho adulteri-no em relação à sucessão.

    O Tribunal de Justiça do Paraná julgou procedente o pedido, nos ter-mos da seguinte ementa:

    Ação Rescisória - Preliminares - Decadência - Inocorrência - Coisa julgada - Não configurada - Inaplica-bilidade da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal - Mérito - Pretensão fundada em afronta à literal dispositivo de Lei - Investigação de pa-ternidade e petição de herança - Filho adulterino - Falecimento do genitor antes do advento da Constituição Federal de 1988 - Aplicação da legislação vigente à época da abertura da sucessão - Possibilidade de demandar pelo reconhecimento do estado de ?-liação ante a dissolução da sociedade conjugal do pai com a morte - Direito de herança do filho havido fora do ca-samento - Condições igualitárias en-tre os filhos na sucessão - Inteligên-cia do artigo 51 da Lei do Divórcio

    - Equívoco no acórdão rescindendo - Desconsideração da legislação espar-sa vigente à época - Reconhecimen-to dos direitos sucessórios do autor em razão do falecimento do genitor

    - Rescisão do julgado - Ação proce-dente. Embora tenham sido definiti-vamente extintas as discriminações existentes entre os filhos com a nor-ma constitucional de 1988, os direitos sucessórios dos filhos extraconjugais já eram garantidos pelo disposto no artigo 2º da Lei 883/49 com a redação dada pelo artigo 51 da Lei 6515/77, que estabeleceu o direito à investigação de paternidade e à participação em grau de igualdade na herança, não podendo ser excluído o filho adulterino da sucessão hereditária do falecido pai (fis. 924-936).

    Opostos embargos de declaração (fis. 941-942 e 944-950), um dos recursos foi acolhido para constar, na condenação dos réus, o pagamento de custas e honorários em 15% sobre o benefício econômico que será auferido, tendo o segundo sido rejeitado (fis. 956-964).

    Novos aclaratórios (fis. 970-975), sem provimento (fis. 979-983).

    Irresignados, Darci de Souza e outros interpõem recurso especial com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, por vulneração aos arts. 158, 219, § 4º, 234, 265, II, 266, 267, V, 268, 269, IV, 485, V, 495, 535, II, do CPC/1973; 344, 346, 1.572 e 1.577 do CC/1916; 51 da Lei 6.515/1977, Decreto-lei 4.737/1942; 1º e 2º da Lei 883/1949.

    Aduz, em suas extensas razões, que o acórdão foi omisso. Sustenta também que o acórdão é nulo por se ter deixado de atender ao pedido formulado por ambas as partes de suspensão do processo pelo prazo de 60 dias, com vistas à celebração de composição amigável, já que tal pedido não poderia ser indeferido pelo julgador e, mais, sem a devida intimação das partes.

    Afirma que houve a decadência do direito, haja vista que, para fins de contagem do prazo da rescisória, "o não conhecimento dos recursos, pela não observância de quaisquer requi-sitos extrínsecos (tempestividade, ausência de documentação, preparo), possui a mesma consequência, qual seja, de não obstar a contagem do prazo decadencial, para fins de ajui-zamento de ação rescisória", sendo que, na espécie, os recursos não te-riam sido conhecidos pela deficiência em sua instrução. Além disso, a citação dos recorrentes teria ultrapassado o biênio legal, pois o prazo deve se contado da efetiva citação e não da data da propositura da ação.

    Assevera que a ação primária que repudiou a pretensão do autor em ver reconhecida sua filiação e direito su-cessório não teria sido simplesmente extinta sem julgamento de mérito, mas, ao revés, teria havido efetiva-mente negativa à pretensão autoral

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    com base na legislação vigente (arts. 1º e 2º da Lei 883/49) e, em razão dis-so, houve coisa julgada material, não tendo o recorrido ajuizado, no momento oportuno, a competente ação rescisória.

    Alega que é inadmissível, no âm-bito da rescisória, a inovação da causa de pedir, que serviu de base da ação originária e de diretriz para o acórdão rescindendo.

    Assenta que a hipótese se subsume aos ditames da Súm. 343 do STF, não estando presentes os requisitos legais para a propositura da rescisória, já que o recorrido não discute violação à literal disposição de lei, perpetrada pelo v. acórdão rescindendo, mas o acerto ou não da interpretação por ele adotada.

    Defende que "a legislação infraconstitucional não dava guarida ao direito perseguido pelo de cujus, uma vez que, por força do art. 344 do CC/1916, era a ele vedado demandar o reconhecimento de sua paternidade, eis que, como já assinalado, tinha em seu assento civil pais declarados", sendo que competia privativamente ao marido o direito de contestar a le-gitimidade dos filhos nascidos de sua mulher.

    Além disso, aventa que o recorri-do não detinha capacidade de suceder, sendo que a posterior pertinência da investigatória não afetaria os direitos hereditários dos recorrentes, vez que estes eram os únicos herdeiros legiti-mados a suceder validamente quando da abertura da sucessão, em obser-vância ao princípio da saisine, tendo havido direito adquirido em relação ao acervo patrimonial da herança.

    Contrarrazões apresentadas às fis. 1092-1121.

    O recurso recebeu crivo de ad-missibilidade positivo na...

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