O Processo de Privatização e Desestatização do Estado Brasileiro

AutorCláudia Maria Borges Costa Pinto
CargoProfessora de Direito Tributário e Direito Processual Tributário (PUC/PR). Mestre em Direito Econômico e Social (PUC/PR). MBA em Direito Empresarial (Fundação Getúlio Vargas)
Páginas19-34

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1. Privatização e desestatização
1.1. Privatização

Não é fácil definir "privatização". Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que o conceito é mais conexo à ciência da administração, ciência política e às ciências econômicas que ao direito1.

Segundo Jorge A. Aja ESPIL: "a chamada privatização era, até pouco tempo, uma daquelas palavras exóticas que os dicionários omitiam de incluir. Apenas recentemente, em começos da década de 80, as novas edições dos léxicos norte-americanos começaram a dar conta de sua definição: 'popular e embaraçoso jargão destinado a desembaraçar o Estado de funções próprias do setor privado' (...)."2

Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho, por seu turno, esclarece que o uso mais antigo do termo "parece ter sido em Peter F. Drucker; ele o usou em Rea-son Foundation Newsletters (Santa Mônica, Califórnia), no início de 1976", sendo mais tarde utilizada, em 1983, nos Estados Unidos, em um dicionário que assim conceituava o termo: "tornar privado, especialmente (como um negócio ou indústria) mudar do controle, ou propriedade, público para o privado"3.

No Brasil, o dicionário Aurélio Buarque de Holanda, "em sua edição de 1985, definiu privatizar como 'tornar privado ou particular'. A edição de 1986 apresentou um sentido mais atual: 'Trazer para o setor privado ou particular'. Privatizar uma empresa"4.

Privatizar vem do latim privus, que significa "particular".

Segundo Leila Cuéllar, "privatização é um termo polissêmico5". Por esse motivo, portanto, encontramos, na doutrina (tanto da área jurídica quanto econômica), inumeráveis definições para o termo, o que dificulta, à luz das disposições da Lei 9.491, de 9 de setembro de 1997, sua exata compreensão. Buscaremos, neste trabalho, oferecer uma sistematização ao uso da expressão.

1.1.1. Privatização em sentido amplo

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que privatização, em sentido amplo, "abrange todas de medidas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado e que compreendem, fundamentalmente:

  1. desregulação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico);

  2. desmonopolização de ativi-dades econômicas;

  3. a venda de ações de empresas estatais ao setor privado (desnacionalização ou desestatização);

  4. a concessão de serviços públicos (com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo);

  5. os contracting out (como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios

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e os contratos de obras e prestação de serviços); é nesta última formula que entra o instituto da terceiri-zação"6.

Outros autores também adotam o conceito amplo de privatização. Entre eles, citamos:

Jaime Rodriguez-Arana: "conjunto de decisões que compreendem, em sentido estrito, quatro tipos de atividades. Primeiro, a desregulação ou liberação de determinados setores econômicos. Segundo, a transferência de propriedade de ativos, seja através de ações, bens, etc. Terceiro, promoção da prestação e gestão privada de serviços públicos. E, quarto, a introdução de mecanismos e procedimentos de gestão privada no marco de empresas e demais entidades públicas"7.

Francisco Vi llar Rojas: define privatização como "a redução da atividade pública na produção e distribuição de bens e serviços, mediante a passagem (por vezes, a devolução) dessa função para a iniciativa privada"8.

Carlos Menem e Roberto Dro-mi: estes autores afirmam que o termo abrange não só a privatização em si mesma, mas também outras ferramentas para a transformação do Estado. Segundo eles: "privatizar é também desburocratizar. Desburocratizar é lograr que a comunidade empresarial gere os projetos de obras públicas, analise sua rentabilidade, decida a inversão de capitais de risco"9.

Paulo Otero: "numa acepção genérica, poderá dizer-se que o termo 'privatizar' tem sempre o significado de tornar privado algo que antes o não era: privatizar envolve, por conseguinte, remeter para o Direito Privado, transferir para entidades privadas ou confiar ao sector privado zonas de matérias ou de bens até então excluídos ou mais limitadamente sujeitos a uma influência dominante privada. Ainda em sentido muito amplo, a privatização da Administração Pública traduz o conteúdo de uma política ou orientação decisória que, visando reduzir a organização e a actuação do poder administrativo ou a esfera de influência directa do Direito Administrativo, reforça o papel das entidades integrantes do sector privado ou do seu direito na respectiva actuação sobre certas áreas, matérias ou bens até então objecto de intervenção pública directa ou imediata"10.

Cristiane Derani: "dá-se o nome de privatização à transferência de um serviço realizado pelo poder público para o poder privado e também à transferência de propriedade de bens de produção públicos para o agente econômico privado. Pela primeira modalidade, a titularidade do serviço continua sendo do poder público, mas seu exercício é transferido para o agente privado (...). Outro modo de transferência de poder público ao poder privado, além do poder de exercer determinada atividade, é a transferência da propriedade pública de bens de produção para o setor privado. O Estado vende seus ativos, retirando-se da atividade produtiva que desempenhava - atividade que poderia ser de mercado ou fora de mercado. Na venda de seus bens de produção, o Estado poderá vender empresas que realizam atividade de interesse coletivo, e que agem direta-mente no mercado, como também poderá alienar bens de produção daqueles serviços que são sua atribuição normativa e se desenvolvem fora das relações de mercado (neste caso específico, a venda do bem será vinculada à obediência das condições para a concessão do serviço). A propriedade é alienada ao concessionário: o patrimônio segue aquele que é considerado no processo licitatório apto a exercer o serviço público11".

1.1.2. Privatização em sentido estrito

Ao lado do conceito amplo de privatização, temos o conceito restrito, que, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é o adotado pela Lei 9.491/97 e: "abrange apenas a transferência de ativos ou de ações de empresas estatais para o setor privado"12.

1.2. Estatização

Assim como se encontram dificuldades para definir o que seja privatização, igual ocorre com a expressão "desestatização". Alguns autores chegam a identificar "desestatização" com "privatização"13.

Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho propõe uma diferenciação entre as expressões "desestatização", "privatização" e "desregulamentação".

Para ele "o conceito de desestatização possui um caráter ideológico, no sentido de ter-se tornado um fim perseguido pela sociedade contemporânea. Constitui, de outro lado, um amplo movimento da sociedade e contemporânea em dire-ção a mais democracia e maior autonomia para decidir seus próprios destinos, sem a tutela onipresente do Estado. Com esse significado, possui um sentido mais amplo que contém as noções de privatização e desregulamentação. Enquanto a desestatização, como fim perseguido, situa-se no terreno ideológico deste final de século, privatização e desregulamentação situam-se no campo da realidade concreta, objetiva pelo direito, consubstanciado nos atos e leis decorrentes." - e continua - "(...) desregulamentação significa a eliminação total ou parcial das regras relativas ao mercado e às atividades econômicas (...) e privatização é o termo empregado "(...)

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simplesmente para designar a transferência das empresas de propriedade do Estado e as atividades por ele exercidas para o setor privado, obedecidas às mais variadas formas de transferência de capital aos particulares."14

1.2.2. Desestatização e privatização na Lei 9 491/97

A Lei 9.491, de 9 de setembro de 1997, contrariando os conceitos doutrinários anteriormente examinados, no art. 2o, § Io, atribui ao vocábulo "desestatização" o seguinte sentido:

§ Io. Considera-se desestatização:

a) alienação, pela União, de direitos que lhes assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade;

b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade;

c) a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos desta Lei.

O artigo 2o da mesma lei diz que podem ser objeto de desestatização:

"Art. 2°. Poderão ser objeto de desestatização, nos termos desta Lei:

1 - empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou indi-retamente pela União, instituídas por lei ou ato do Poder Executivo;

II - empresas criadas pelo setor privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indire-to da União;

III - serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização;

IV - instituições financeiras públicas estaduais que tenham tido as ações de seu capital social desapropriadas, na forma do Decreto-Lei n° 2.321, de 25 de fevereiro de 1987;

V - bens móveis e imóveis da União."

Ou seja, embora não tão abrangente, a lei utiliza o termo desesta-tização em...

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