Processo e Constituição: Algumas Reflexões

AutorJosé Maria Tesheiner
Ocupação do AutorProfessor de Processo Civil na PUC-RS; Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Páginas409-427

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SUMÁRIO: 1 O Controle de Constitucionalidade e o Fenômeno da Rejeição.
2 Jurisdição e Políticas Públicas. 3 Sobre a Constitucionalização do Direito Ordinário. 4 Ação e Direitos Fundamentais. 5 Soluções Práticas e Direitos Fundamentais. 6 Constituição e Arbítrio Judicial. 7 Motivação e Arbítrio. 8 Criação Judicial do Direito. 9 Lei e Jurisprudência.

A Interconexão dos temas “constituição” e “processo” suscita múltiplas reflexões, dentre as quais as apresentadas a seguir.

1 O Controle de Constitucionalidade e o Fenômeno da Rejeição 1 O Controle de Constitucionalidade e o Fenômeno da Rejeição1 O Controle de Constitucionalidade e o Fenômeno da Rejeição 1 O Controle de Constitucionalidade e o Fenômeno da Rejeição1 O Controle de Constitucionalidade e o Fenômeno da Rejeição

Ainda que provindas de um governo autoritário, as leis precisam de um certo grau de aceitação social, para se tornarem operantes.

O fenômeno da rejeição das leis pelo corpo social suscitou a questão da revogação da lei pelo costume, a que o positivismo respondia que uma lei só por outra lei se revoga, afirmação a que se contrapunha a de que o costume começava por revogar essa própria norma.

O controle judicial da constitucionalidade das leis constitui uma forma institucionalizada de rejeição de leis pelo corpo social, sobretudo depois que o princípio do devido processo legal adquiriu conotação também substancial, permitindo o exame da razoabilidade da lei.

Há o controle concentrado de constitucionalidade e o controle difuso. Embora espécies de um mesmo gênero, são institutos muito diferentes, que exercem funções até certo ponto opostas.

Uma Corte Constitucional situa-se no ápice da hierarquia do Poder. Pode ou não integrar o Poder Judiciário. Não é constituída por juízes de

* Professor de Processo Civil na PUC-RS; Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul.

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carreira. Sua função é essencialmente política. Embora se fale em “jurisdição constitucional”, suas decisões, de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, têm natureza essencialmente legislativa, dado seu caráter geral e abstrato e sua eficácia erga omnes. A declaração de inconstitucionalidade, em controle constitucionalidade, equivale à revogação da lei.

Os integrantes de uma corte constitucional, tanto por suas origem, quanto pela natureza das funções que exercem, pensam de forma semelhante à das mais altas autoridades da República. Por isso mesmo, tendem mais a reafirmar a autoridade da lei, do que a rejeitá-la.

Os juízes de primeiro grau, pelo contrário, têm concepções semelhantes à de seus concidadãos destituídos de qualquer poder. Por isso, é sobretudo pelas decisões de primeiro grau que se manifesta uma possível rejeição a uma norma emanada dos altos poderes da República, seja lei, decreto do Poder Executivo ou súmula vinculante.

Para conter possível rebeldia dos juízes de primeiro grau contra o Supremo Tribunal Federal, introduziu-se a reclamação (Constituição, art. 103-A, § 3º), medida que pode se tornar inócua, se a rebelião for demasiado ampla e houver desobediência também ao nela decidido.

A rejeição atinge principalmente leis tributárias e penais, em que Estado e súditos se contrapõem. O fenômeno é menos freqüente nas relações entre particulares, pelo maior desinteresse do Estado e porque a lei, ao prejudicar uma parte, favorece a outra.

A inconstitucionalidade nem sempre está na própria lei (in re ipsa). Freqüentemente, ela é construída pelos interessados, através da Hermenêutica. A retórica jurídica esconde a verdade subjacente: não queremos essa lei.

Há outras formas de rejeição, não institucionalizadas. E é por isso que há leis existentes apenas no papel. Não são jamais aplicadas e acabam sendo esquecidas.

Como disse Fernando Sabino, as leis são como vacinas: umas pegam e outras não.

2 Jurisdição e Políticas Públicas
2 Jurisdição e Políticas Públicas2 Jurisdição e Políticas Públicas


2 Jurisdição e Políticas Públicas2 Jurisdição e Políticas Públicas

Tendo como ponto de partida o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, em

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29.04.2004, Rogério Gesta Leal traça os limites do controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil.1Define política pública como ação estratégica, de instituições ou pessoas de direito público, que visa a atingir fins previamente determinados de natureza pública, ação marcada por alto nível de racionalidade, em termos de organização e de planejamento.

Observa que a Administração, no Brasil, tem gerido os interesses públicos como se sobre eles tivesse domínio excluvo, com reduzida participação da sociedade civil, mantida em situação de passividade e de relacionamento servil. Na base conceitual desse cenário, encontração a concepção ultrapassada de que a eleição implica delegação incondicionada de poder a agentes públicos, pelo tempo de duração do mandato.

Mas, a mobilização e a participação políticas que, até o final da década de 1980, se davam preponderamente a partir do Estado, passou a ocorrer também a partir da Sociedade, de sorte que, agora, a análise de políticas públicas não se referem apenas às geradas nas instituições estatais, mas também às veiculadas através de lobies, de setores mais mobilizados, tanto das elites dominantes, como de grupos populares emergentes, como o MST, ambiemtalistas e consumidores.

As políticas públicas devem, pois, ser tratadas como questão multidicisplinar, referente à organização, planejamento, execução e valiação de ações voltadas ao atendimento de demandas sociais, sejam realizadas pelo Estado, seja por particulares ou pelo mercado.

O tema das políticas públicas não tem atraído maior reflexão dos juristas brasileiros, não obstante a Carta Política de 1988 explicite, de forma inconfundível, finalidades, objetivos e princípios da República Federativa brasileira, vincultando tanto o Estado como a Sociedade Civil aos seus comandos, fixando o que se pode chamar de um mínimo existencial, desde a perspectiva dos fundamentos da República, a saber, a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Daí decorre a existência de algumas diretrezes, que o Autor chama de “indicadores parametrizantes do mínimo existêncial”, que não podem ser desconsiderados em quaisquer ações – públicas ou privadas – em casos

1 LEAL, Rogério Gesta. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. In: SARLET, ingo Wolfgang (org.). Jurisdição e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. v. I, t. I.

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como os de fornecimento de medicamentos e da mantença do fornecimento

de água e luz.

Função nuclear de qualquer política pública, no Brasil, é a de servir como esfera de intermediação entre o sistema jurídico constitucional e infraconstitucional e o munda de vida republicano, democrático e social que se pretende instituir no país, donde a existência daquilo que o Autor chama de “políticas públicas constitucionais vinculantes”, que não dependem da vontade ou discricionariedade de quem quer que seja, porque relativas a dignidade humana, ao mínimo existencial dos que dela carecem e a direitos indisponíveis.

Não pode o Judiciário desconsiderar a existência dessas políticas públicas, ainda que com isso se ponham em cheque dogmas como os da idependência dos Poderes e das competências institucionais específicas.

Daí a reflexão do Ministro Celso de Mello, na citada ADPF-45, lembrando que não é da tradição do Estado Moderno e Contemporâneo atribuir-se ao Poder Judiciário a incumbência de formular e implementar políticas públicas, todavia, “tal incumbência, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos esttais competentes, por descumprimerem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a efic´cia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo progrmático”.

Lembrando José Maria Gomez, diz o Autor:

contrariamente ao que defenda a doutrina liberal do Estado de Direito, o jurídico é antes de mais nada político; o direito positivio não é uma dimensão autônoma do político e m fundamento do Estado, mas uma forma constitutiva do mesmo e submetido a suas determinações gerais. Neste particular, o culto da lei e a separação dos Poderes se interpõem como véus ideológicos que dissimulam e invertem a natureza eminentemente política do Direito.

Certamente, o Poder Judiciário não pode fazr a escolha de políticas públicas, mas pode e deve asseguar as já feitas, notadamente s insertas no Texto Político, demarcadoras dos objetivos e finalidades da República Federativa do Brasil.

Nem se pode admitir a desconsideração das políticas constitucionais vinculantes pela simples invocação da “reserva do possível”, porque não

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PROCESSO E CONSTITUIÇÃO – ALGUMAS REFLEXÕES 413 se pode outorgar ao próprio agente estatal responsável pela obrigação descumprida a exclusiva e unilateral competência de definir o que é possível ou não em termos de efetivação dos direitos fundamentais, tendo em vista sua indisponibilidade. É preciso que o agente pública faça prova da impossibilidade, de forma fundamentada e ampla, em procedimento próprio, com transparência e contraditória, sob pena de omissão ilícita...

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