Processo Administrativo - Parte 1

AutorKaren Jureidini
Páginas200-218

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Karen Jureidini - [Truncado na gravação] cumprimento os senhores, cumprimento a presidente do Instituto, doutora Maria Leonor Leite Vieira e os ilustres palestrantes da mesa. Esta mesa tratará de temas tão controvertidos quanto interessantes. Vamos ter exposições aqui sobre ISS, a questão da competência, da guerra fiscal, da retenção na fonte. Teremos também apresentações sobre o processo administrativo fiscal, súmula vinculante, a jurisprudência dominante na área constitucional e a competência dos tribunais administrativos e, por fim, as questões controvertidas de compensação tributária. Os nossos palestrantes dispensam apresentação, mas é minha função fazer aqui uma breve apresentação, sem tomar muito o precioso tempo deles. O professor Eduardo Domingos Bottallo, mestre pela PUC, doutoramento pela USP, professor da mesma instituição; o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na área do Direito Público, doutor Eutálio Porto, mestre em Teoria Geral do Estado pela PUC, doutoramento pela Universidade de Lisboa, professor de Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado e Filosofia; professor Heleno Torres, especialista pela Universidade de Roma, mestre pela Universidade Federal de Pernambuco, doutor pela PUC e livre--docente pela USP, professor da mesma instituição, autor de diversas obras na área de Direito Internacional, especialmente. E a professora Mary Elbe Queiroz, ex-auditora da Receita Federal, ex-conselheira também, atualmente advogada, mestre pela PUC, doutora - mestre pela Universidade Federal de Pernambuco, doutora pela PUC e pós-dbutoramento recente, aliás, parabéns à doutora Mary Elbe, pós-doutoramento recente pela Universidade de Lisboa. Professora de diversos cursos de pós-graduação e presidente do IPET e do SEADE. Então, com isso, eu já passo a palavra ao primeiro palestrante, professor Eduardo Domingos Bottallo, que vai tratar da nova feição do processo administrativo fiscal.

Nova Feição do Processo Administrativo Fiscal

Eduardo Domingos Bottallo - Primeiramente, eu gostaria de agradecer à organização deste congresso pela honra que me deu de, uma vez mais, poder participar dos seus trabalhos e trazer a minha contribuição para a compreensão das importantes questões que estão sendo aqui discutidas. A mim coube a missão de falar alguma coisa sobre a feição atual do processo administrativo tributário. E, para me desincumbir deste encargo, eu começo por reportar-me ao período anterior à vigência da atual Constituição, quando a Constituição então vigente, a Constituição de 67/69, não dava praticamente importância ao processo administrativo em matéria tributária. Para dizer a verdade, ela não dava importância ao processo administrativo em uma medida talvez um pouco maior, que também não dava importância ao processo judicial. E já que aquela Constituição, como todos nós sabemos, não era voltada à proteção dos direitos e garantias individuais, mas sim aos interesses do Estado. Era uma Constituição que dava uma grande importância

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para a segurança do Estado e tudo o que dissesse respeito a essa consideração, deixando de lado, portanto, os caminhos de compreensão entre Estado e sociedade. Daí porque, naquele período anterior à Constituição atual, não havia, no texto vigente, suficientes indicações para que nós pudéssemos falar de um processo administrativo tributário. Na verdade, falava-se apenas em um procedimento administrativo tributário e esse procedimento administrativo tributário totalmente submetido às normas do legislador ordinário, era considerada quase que uma concessão que o Estado fazia em matéria tributária e, por ser uma concessão, ele se sentia à vontade para estabelecer o que conceder e o que não conceder.

No plano infraconstitucional, com efeito, o nosso tema estava consolidado em um decreto de 1972 - e basta a indicação desse ano para que todos nos lembremos das condições do País naquela época - o Decreto 70.232, que protegia a Fazenda. Olhava apenas para um lado dessa relação de natureza tributária, prestigiando e valorizando, às vezes de uma maneira até um tanto quanto absurda os direitos do Fisco em relação à situação dos contribuintes.

Tudo isso mudou com o advento da Constituição de 1988. Conforme vocês sabem, o Direito Constitucional é como se fosse, do ponto de vista do seu conteúdo, um pêndulo em que os fundamentos de um determinado texto constitucional, via de regra, são absolutamente radicalmente diferentes daqueles que vigoram na Constituição que o sucedeu. No Brasil, foi exatamente isso que aconteceu. De uma Constituição fortemente voltada para a defesa dos interesses do Estado, para a defesa de um conceito mal resolvido de segurança nacional, ela passou a ser a Constituição--cidadã, uma Constituição extremamente preocupada com os interesses da sociedade, não só expressando essa preocupação, por dar ao Estado uma série de encargos bastante significativos em termos de ações e de serviços que deveria colocar à disposição da sociedade, como também estabelecer garantias de que a sociedade seria tratada com a importância que ela merece nas suas relações com o Estado. Daí porque esse binômio Estado/sociedade, nos seus canais de comunicação, constituem uma grande parte daquelas que são chamadas as cláusulas pétreas, o núcleo duro da Constituição, que não pode ser modificado nem mesmo por emendas constitucionais. E, especificamente no que diz respeito à matéria tributária, daquela situação de indefinição que vigorava na Constituição anterior, o que aconteceu com a Constituição de 88 foi fazer um desenho praticamente definitivo dessa instituição, deixando muito pouco a cargo da legislação ordinária.

Apenas para que a gente possa rapidamente compreender em que termos a Constituição de 88 tratou desse assunto e em que termos ela cumpriu essa missão que chamou para si, eu gostaria de citar quatro grandes preocupações da Constituição de 88, no que tange à matéria tributária. A primeira delas foi legitimar os contribuintes, fazer com que os contribuintes tivessem o direito de propor a instauração do processo administrativo. Portanto, afastar aquela idéia de que o processo administrativo era uma mera concessão do Estado - e, como concessão do Estado, ele poderia ser tratado nos termos que o Estado bem entendesse - para ser um dever, uma obrigação que a Constituição impôs ao Estado, por meio da sua organização. E, nesse ponto da legitimação dos contribuintes, um instrumento colocado à disposição deles foi o direito de petição, o velho direito de petição que existe desde a Carta de 1215, quando ele foi composto exatamente como meio de cercear, de limitar a ação do Estado, no que diz respeito a direitos dos administrados.

Pois bem, no Brasil, a Constituição disse, o contribuinte, através do direito de petição, é que está legitimado a instaurar e a fazer com que se desenvolva o processo administrativo em matéria tributária. E vejam que coisa interessante, o Brasil é

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um país que tem uma composição federativa muito peculiar, em que os estados e os municípios, juntamente com a União e o Distrito Federal, constituem os quatro integrantes dessa modalidade de federação que nós temos aqui. Pois bem, são mais de 1.550 municípios que o Brasil possui. E, evidentemente, uma quantidade significativa deles estão perfeitamente preparadas para dar conta de todos os encargos que lhes são impostos pelo fato de serem um dos órgãos da Federação e, portanto, de autonomia. O Município de São Paulo, por exemplo, tem uma composição, nesse particular, superior a muitos estados da União.

Mas é de se supor - eu não tenho números a respeito disso, mas é fácil de compreender - que uma grande quantidade de municípios brasileiros, de pequenos municípios brasileiros, não tenha uma estrutura administrativa especificamente voltada para a matéria tributária. Dizendo em outras palavras, um pequeno município é muito provável que não tenha órgãos administrativos para tratar das questões tributárias. Isso significaria que os contribuintes daquele município - já que não ter uma estrutura processual não significa não exercer a função tributária - eles estão impedidos de discutir administrativamente assuntos dessa natureza? Evidentemente que não. Se não tiver uma estrutura montada como os grandes municípios brasileiros, tudo o que é necessário para que se instaure o processo administrativo em qualquer circunstância, está implícito na idéia resultante do direito de petição. O direito dè petição que, obviamente, aqui não estou dizendo novidade nenhuma para os presentes, não é apenas o direito de se dirigir ao poder público na defesa de direitos, mas é muito mais do que isso. É o direito de exigir que provas sejam efetuadas, é o princípio de assegurar--se que, uma vez resolvido o processo em primeira instância, ele pode ser conduzido até o patamar mais alto da entidade administrativa - nos casos do município, por exemplo, o prefeito municipal. E, também, o processo administrativo obriga o poder público a uma solução do processo, a uma solução daquela questão que lhe está sendo imposta, ainda que não seja para atender o que foi solicitado, mas, sim, para que responda fundamentadamente aquilo que lhe foi dito, ainda quando seja para negar provimento. Então, a primeira grande vertente que a Constituição de 88 deu ao processo administrativo foi esse direito de legitimação do contribuinte, absoluto, de poder instaurar o processo administrativo, independentemente de existir ou não uma estrutura específica própria para esse fim.

A segunda vertente é o objeto. Qual é o objeto do processo administrativo. E, aí, também a resposta está na Constituição. O objeto do processo administrativo é verificar a juridicidade da exigência fiscal. Verificar se essa exigência fiscal está de acordo com o contexto jurídico vigente no...

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