O processo administrativo de concurso público. Análise jurídica dos métodos de seleção dos servidores públicos no Brasil

AutorFábio Lins de Lessa Carvalho
Páginas75-117
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O PROCeSSO aDMInIStRatIvO
De COnCURSO PúblICO. anÁlISe
jURíDICa DOS MétODOS
De SeleçãO DOS SeRvIDOReS
PúblICOS nO bRaSIl
FÁBIO LINS DE LESSA CARVALHO
SUMÁRIO: 1. O concurso público enquanto processo
administrativo. 2. A realização de provas como principal etapa da
disputa. 3. Os métodos de seleção dos servidores públicos. 3.1 As
provas escritas. 3.1.1 As provas objetivas. 3.1.2 As provas
discursivas. 3.2 As provas orais. 3.3 As provas práticas. 3.4 As
provas físicas. 3.5 Os exames psicotécnicos. 3.6 Outros meios de
avaliação.
1. O CONCURSO PÚBLICO ENQUANTO PROCESSO
ADMINISTRATIVO
No sistema constitucional brasileiro, cada ente federativo, por ser
dotado de autonomia, possui competência legislativa para disciplinar,
através de suas próprias leis, os procedimentos que deverão ser adotados
pela Administração Pública, especialmente no tocante às suas relações
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FÁBIO LINS DE LESSA CARVALHO
com os administrados. Neste contexto, uma das espécies de processo
administrativo que deve ser objeto de leis criadas por cada ente da
Federação é o concurso público, previsto no art. 37, II, da Constituição
Federal, como procedimento de seleção impessoal e eficiente dos
ocupantes dos cargos e empregos públicos.
Não obstante, paradoxalmente, apesar da Constituição da República
ter atribuído a cada um dos entes federativos a competência para definição
das regras de seus processos seletivos de acesso à função pública, aqueles
não vêm utilizando de forma plena esta potestade, já que praticamente
não há leis sobre o procedimento administrativo de concurso público no
Brasil, o que seria relevante, especialmente para normatizar os
comportamentos da Administração Pública e dos candidatos.
Não são poucos os doutrinadores que reconhecem (e lamentam)
este fato. Neste sentido, “apesar de sua inegável importância, o instituto
do concurso público não tem sido objeto de atenção doutrinária. Da
mesma maneira, é escassa em todos os entes federados a elaboração
legislativa sobre o tema, limitando-se às leis existentes, em sua maioria,
a dispor sobre cargos e requisitos para seu provimento”.1
Também se registrou que “o concurso público constitui princípio
constitucional explícito desde a Carta de 1934, mas, infelizmente, não
tem gozado de idêntico prestígio perante o legislador infraconstitucional,
uma vez que (...) o instituto carece de uma sistemática legal”.2
No caso de que o ente federativo não tenha criado lei para regular o
acesso à função pública, o papel exercido pelas normas constitucionais (regras
e princípios) é ainda mais intenso, como reconhece a doutrina brasileira:
cada ente político deverá ter uma lei para regulamentar o concurso
público na sua esfera (...). Todavia, sabe-se que em muitos Estados
e Municípios não existe lei. Poderia em um desses Estados ou
Municípios ser realizado concurso público? A resposta é sim,
1 MOTTA, Fabrício (coord). “Apresentação”. Concurso público e Constituição. Belo
Horizonte, Editora Fórum, 2005, p. 10.
2 BARBOSA MAIA, Márcio; PINHEIRO DE QUEIROZ, Ronaldo. O regime jurídico
do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 11.
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O PROCESSO ADMINISTRATIVO DE CONCURSO PÚBLICO. ANÁLISE...
perfeitamente. A falta de lei reguladora não impede que se realize
o concurso, desde que sejam seguidos os princípios gerais que regem
o concurso público. Evidentemente que em existindo lei para regular
o concurso a sua elaboração ficará muito mais fácil, e dará mais
segurança para quem montá-lo e, por óbvio, para os candidatos.3
Cabe destacar, todavia, que os problemas não se limitam à não
ocupação do espaço reservado pela Constituição à lei, mas também à invasão
do citado espaço pelo administrador público. Ademais, “a inexistência de
uma legislação voltada para o disciplinamento da realização dos concursos
públicos dificulta a concretização da impessoalidade nos referidos processos
seletivos”4, já que em cada processo seletivo, há a possibilidade (e é o que
costuma acontecer) de que sejam previstas regras casuísticas, como as que
impõem requisitos discriminatórios de acesso5 ou a realização de métodos
de seleção que não respeitem as exigências da igualdade.6
2. A REALIZAÇÃO DAS PROVAS COMO PRINCIPAL
ETAPA DA DISPUTA
Conforme determina o art. 37, II, da Constituição Federal, o
concurso público se desenvolverá através da realização de provas ou
3 DA SILVA OLIVEIRA Jr., Dario; CAMPOS OLIVEIRA, Isabel. Concurso público:
teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008, p. 30.
4 LINS DE LESSA CARVALHO, Fábio. O princípio da impessoalidade nas licitações. Maceió:
Edufal, 2005, p. 74.
5 Sobre este tema, indicamos o nosso livro Igualdade, discriminação e concurso público: análise
dos requisitos de acesso aos cargos públicos no Brasil. Maceió: Viva Editora, 2014.
6 Relativamente aos aspectos que devem estar previstos na lei, afirma-se que: “Antes da
Emenda Constitucional n. 19, de 1998, a regulamentação de todos os atos procedimentais
referentes ao concurso público era feita por decreto do Chefe do Executivo. Todavia, a referida
Emenda Constitucional modificou esta forma de agir, exigindo lei para regulamentar tais atos.
(...) Portanto, deverá existir lei que disponha sobre a convocação dos candidatos e a elaboração
dos editais; sobre a inscrição dos candidatos e os documentos a serem exigidos; sobre a designação
da comissão de elaboração; aplicação, correção e identificação das provas, sua composição, a escolha
de seus membros e as suas atribuições; sobre a elaboração, correção e julgamento das provas; sobre
a homologação do concurso, bem como sobre os recursos e pedidos de revisão de provas, entre
outros.” (DA SILVA OLIVEIRA Jr., Dario; CAMPOS OLIVEIRA, Isabel. Concurso
público: teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008, p. 28).

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