Procedimentos e competência dos Juizados Especiais Cíveis

AutorFátima Nancy Andrighi
CargoSecretária Geral da Escola Nacional de Magistratura e Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

A lei 9.099/95, que dispôs acerca dos juizados cíveis e criminais, foi a concretização de um ideal acalentado por toda a comunidade jurídica brasileira: a popularização do acesso à justiça.

Com a instituição dos juizados especiais, espera-se que sejamos capazes de entregar à sociedade uma prestação jurisdicional mais célere, econômica e eficaz, pois o jurisdicionado poderá obter solução, em tempo real e a custo mínimo, de seu problema jurídico, sem ser obrigado a bater às portas da Justiça Tradicional, onde, pelas peculiares que a cercam, a prestação jurisdicional é mais demorada e cara, não raras vezes não alcançando a efetividade pretendida.

Este meu modesto estudo não tem a pretensão de aclarar quaisquer dúvidas a respeito do tema. Meu humilde propósito é o de transmitir a experiência que vivenciei durante a minha carreira na magistratura, e já se vão 21 anos, bem como quando fiz a implantação dos Juizados Especiais no Distrito Federal.

Inicio por relatar situação que experimentei durante meus preparativos para viagem que fiz à capital cearense. Alguns dias antes de meu embarque, levei um paletó à lavanderia. Ao apanhá-lo, quando já me dirigia ao aeroporto, qual não foi a minha surpresa ao verificar que a prestadora de serviços havia rasgado a manga, tornando-o imprestável para o uso. Após longa espera e desagradável conversa, a resposta que obtive, por meio de uma funcionária, foi no sentido de "procurar os meus direitos na justiça porque não reconhecia o seu dever de ressarcimento, eis que tal fato nunca ocorrera com suas máquinas", atribuindo ao caso fortuito, o evento danoso. Assim, meu prejuízo não seria ressarcido.

Imaginem os colegas como me senti. As minhas primeiras providências seriam no sentido de procurar um advogado e marcar hora para ser atendida. Contratados os serviços devo adiantar as custas processuais, as quais serão certamente mais vultosas que o valor do paletó, para que só então seja ajuizada a ação de ressarcimento do prejuízo. Indago a mim mesma: não ficaria mais econômico esquecer o fato? Tempo despendido, transporte, gasolina, estacionamento, o aborrecimento de reviver o desgaste emocional causado pelo evento danoso e, ainda, a compra de um novo paletó.

Ponderadas todas essas dificuldades, seguramente, vou concluir no sentido de esquecer o fato e deixar de reivindicar o meu direito! Porém, o sentimento que permanece é o de impotência e de mágoa diante do prestador de serviço, bem como o descrédito nas pessoas e na possibilidade de ver meus direitos prevalecerem.

As conseqüências do fato podem gerar:

  1. um excesso de ira, como aquele que vimos recentemente em todos os jornais televisivos com cenas de revolta de um cidadão destruindo uma máquina de lavar em frente à loja que lhe vendera o produto, depois de inúmeras tentativas de trocar a máquina defeituosa, ou mesmo ser reembolsado no valor gasto para consertá-la;

  2. pode gerar a mais preocupante reação social, que é a iniciativa de fazer justiça com as próprias mãos , ou seja , solucionar o problema contratando pessoas que prestam esse tipo de serviço ou, por fim;

  3. pode o cidadão suportar a mágoa, inclusive de outras violências ao seu patrimônio, até que um dia deixe de ser contido e venha a reagir de forma exacerbada, como por exemplo, diante de um pequeno acidente de veículo , disparar um tiro no causador do evento danoso.

É para atender a litígios de tal natureza que a Lei nº 9.099/95 foi instituída. O seu relevantíssimo papel é ampliar o acesso ao Judiciário, possibilitando que o cidadão, lesado em direitos de menor complexidade e de reduzido valor econômico, não fique desestimulado para buscar a proteção do Estado.

Tenho constantemente afirmado que o advento da Lei nº9.099/95 se constitui em um divisor de águas na história do Poder Judiciário brasileiro, porque as mudanças trazidas por esta Lei são de tamanha monta que se constituem não apenas na criação de mais um procedimento no ordenamento processual, mas institui uma nova Justiça no País.

Esclareça-se que a novel Justiça não se propõe a ser a Justiça dos pobres, como se vem alardeando. O objetivo dos Juizados Especiais é a popularização do acesso à Justiça, apresentando ao jurisdicionado uma via rápida, econômica e desburocratizada para obter a solução do seu problema jurídico. Não se pretende alcançar a pobres ou ricos, pois o acesso à novel Justiça pauta-se, apenas, pelos limites da competência determinada pela Constituição Federal e pela lei n 9.099/95, e não pela condição sócio-econômica do cidadão.

Para que se possa interpretar adequadamente o diploma legal em comento, faz-se necessário alcançar o sendo teleológico da lei. O professor Cândido Dinamarco, discorrendo...

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