O Procedimento em Primeiro Grau

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas638-914

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Seção I - Petição inicial
Subseção I - Considerações propedêuticas

Ação e demanda não são, em rigor, vocábulos que guardem sinonímia entre si. Enquanto a ação é o poder que a Constituição atribui ao indivíduo para ativar a função jurisdicional, com vistas a obter a tutela de um bem ou de uma utilidade da vida, a demanda (domanda, na Itália) traduz o ato pelo qual ele pede o provimento correspondente, ou seja, a entrega da prestação jurisdicional invocada. Esse provimento pode ter efeito declaratório, constitutivo, condenatório - aos quais se poderiam acrescer o mandamental e o executivo, se admitirmos a classificação quinária das ações, proposta por Pontes de Miranda.

É por meio da demanda que o autor formula pedidos (res in iudicio deducta). A demanda é, assim, o ato mediante o qual ele postula o provimento da jurisdição. Concordamos, em razão disso, com o ilustre Barbosa Moreira quando assevera que a petição inicial é o instrumento da demanda (O Novo Processo Civil Brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. v. 1, p. 22). Andou certo, por outro lado, Chiovenda, ao dizer que a demanda, na qual o pedido está contido, se apresenta como “qualche cosa come la fondazione deli edificio” (Diritto e Processo, n. 58, p. 99).

No passado, distinguia-se a petição inicial do libelo. Aquela era o ato pelo qual o autor, após demonstrar, de maneira sucinta, o objeto da demanda, limitava-se a requerer a citação do réu para defender-se. Daí falar-se, na época, em petição inicial citatória, uma vez que ela possuía essa finalidade específica de deflagrar o processo e de estabelecer a relação jurídica que lhe é própria. Dita petição, em geral, antecedia ao libelo; este, originário do latim libelius, diminutivo de liber, libri, que significa o córtice da árvore (conquanto entendam, alguns, que a palava provenha de libra, balança), por seu turno, consistia na exposição dos fatos da causa e continha o pedido feito pelo autor. Nele, enfim, vinham definidos os limites da demanda. Atento a essa particularidade, Affonso Fraga definiu o libelo como “a exposição breve e clara, articulada ou não, feita em juízo, do conteúdo da pretensão do autor” (Instituições do Processo Civil do Brasil. São Paulo: Saraiva, Tomo II, 1940. p. 201).

Tanto a petição inicial citatória quanto o libelo se apresentavam, habitualmente, sob a forma escrita, embora este fosse oferecido em audiência, a que compareciam os litigantes.

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O Regulamento Imperial n. 737, de 1850, começou a romper essa dualidade consagrada pelas Ordenações reinóis, ao tornar apenas facultativa a apresentação da petição inicial citatória e do libelo em peças apartadas e em momentos distintos. Posteriormente, o Código de Processo Civil de 1939 - o primeiro, de caráter unitário, que o País conheceu - exigiu que essas duas peças fossem aglutinadas na petição inicial (art. 158). O atual digesto de processo civil manteve essa acertada unificação (art. 282).

Modernamente, portanto, a petição inicial pode ser definida como o ato pelo qual se provoca a ativação do poder-dever jurisdicional do Estado e se pede um provimento, cujos efeitos estarão vinculados ao direito material que se esteja procurando ver reconhecido ou protegido (conquanto o exercício do direito de ação não pressuponha, necessariamente, a existência do direito material, como sabemos). A petição inicial, destarte, é um instrumento não só de provocação da atividade jurisdicional (direito de ação), como de impetração da efetiva entrega da correspondente prestação estatal (demanda).

Na definição que apresentamos não cogitamos da citação do réu, a despeito de haver exigência legal nesse sentido (CPC, art. 282, VII), porque o fato de inexistir, eventualmente, requerimento para esse fim, não influi no campo dos conceitos. O requerimento de citação do réu constitui, no sistema do processo civil, requisito necessário, apenas, para a validade formal daquela peça de instauração do processo. O ato citatório é indispensável para estabelecer uma “angularidade” da relação processual (Estado/réu/autor), que, até então, era somente linear (autor/Estado). No processo do trabalho não se exige que a inicial contenha requerimento de citação do réu (CLT, art. 840), pois este ato é praticado ex officio.

A petição inicial não deixa de conter uma declaração...

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