A Unificação do Direito Privado no Mercosul segundo o Direito Comparado Funcional

AutorVictor Hugo Alcalde do Nascimento - Tânia Lobo Muniz
CargoMestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina e advogado - Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e docente nos cursos de graduação, especialização e mestrado na Universidade Estadual de Londrina
Páginas143-174
143
DOI: 10.5433/2178-8189.2012v16n2p143
A Unificação do Direito Privado no
Mercosul segundo o Direito
Comparado Funcional
THE UNIFICATION OF PRIVATE INTERNATIONAL
LAW IN MERCOSUR ACCORDING TO
FUNCTIONAL COMPARATIVE LAW
Victor Hugo Alcalde do Nascimento *
Tânia Lobo Muniz **
Resumo: Asdisparidades em matéria de normas de Dire ito
Internacional Privado prejudicam o desempenho da condução
político-econômico-jurídica de blocos de integração regional.
No caso do Mercosulé necessário o livre movimento de decisões
judiciais ou laudos arbitrais e de negócios jurídicos, o que só é
possível mediante a unificação de normas do Direito Internacional
Privado por tratados internacionais no escopo mercosulino e
pelo emprego do Direito Comparado. Precisa-se concebê-lo
como um ramo jurídico destinado a reger e solver, por completo,
relações jurídicas heterogêneas ou espacialmente dispersas, não
apenas como mero mecanismo de eleição de Direito aplicável.
Postula-se o emprego do Direito Comparado funcional como
mecanis mo pa ra a elabor ação e apli cação de co nvenções
internacio nais no âmbito mercosulin o, assim como para a
qualificação das relações jus privatistas.
Palav ras-c have: Direi to Internac ional Priva do. Tratados
Internaci onais. D ireito C omparado Funcional. Unificação.
Qualificação.
Abstract: Dissimilarities in issues about Private International
Lawc an damage the po litical , e conomi cal and jurid ical
performance of regional common markets. In Mercosulit is
necessary the free movement of judicial decisions and arbitral
awards, and acts in the law, whichcan only become possible
through the unification of rules of Private International Law by
international treaties in the scope of Mercosul, and through the
employment of Comparative Law. It has to be understood as a
branch of the Law designed to rule and solve, completely, legal
relations which are heterogenic or spatially dispersed, and not
as a mere mechanism for the selection of the applicable Law. It
is postulated the employment of Functional Comparative Law
as a mecha nism for th e e labora tion and app licat ion of
international conventions in the scope of Mercosul, as well as
to classify the legal issues.
Keywords: Private International Law. International Treaties.
Functional Comparative Law.Unification. Classification.
* Me str and o em Di rei to
Neg ocia l pel a Univ ersi dade
Estadu al de Lond rina e adv o-
ga do. E- mai l:
victoralcalde@sercomtel.com.br
** Do utor a em Dire ito pe la
Pontif ícia Universi dade Cató-
lica de São Paulo e docente nos
cursos de graduação, especiali-
zação e mest rado na Universi-
dade Estadual de Londri na. E-
mail: lobomuniz@hotmail .com
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.16, n.2, p.143-173, dez.2012
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VICTOR HUGO ALCALDE DO NASCIMENTO E TÂNIA LOBO MUNIZ
INTRODUÇÃO
O Mercosul é um jovem ambicioso organismo de integração regional
que visa, através da coordenação entre os Estados-Partes, a consecução de
um espaço no qual produtos, serviços e indivíduos transitem com ampla
liber dade. Essa coordenação envolve, inevitave lmente, o entrosamento
harmônico nas esferas política, econômica, social, cultural, assim como jurídica,
dos entes envolvidos. Não se pode circunscrever o projeto de integração
meramente à seara econômica, vez que para alcançar a livre circulação de
produtos, serviços e indivíduos, necessita-se da garantia do livre movimento
de negócios jurídicos, sentenças judiciais e laudos arbitrais entre os Estados-
membros. O Direito é posto a serviço da integração regional e deve zelar
pela manutenção de iguais condições, dentre as quais a de competitividade,
entre os Estados contraentes.
O ramo jurídico cujo objeto e conteúdo versam sobre a circularidade de
sentenças judiciais e, por conseguinte, o reconhecimento de tais atos, assim
como, de laudos arbitrais e negócios jurídicos é o Direito Internacional Privado,
notadamente, por ater-se a essas relações naturalmente dispersas espacialmente.
A tarefa destinada ao bloco econômico é garantir condições equânimes entre
os Estados-Partes através da unificação das normas do Direito Internacional
Privado. A unificação, entretanto, não é o suficiente. Imprescindível é a
compreensão das semelhanças e diferenças que existem entre os Estados
pactuantes do Tratado de Assunção e demais membros ou associados. Não se
pode restringir tais semelhanças e diferenças especificamente à seara jurídica,
notadamente à esfera normativa dos ordenamentos jurídicos. Os preceitos
normativos escritos não são as únicas fontes dos ordenamentos jurídicos que
merecem atenção no desenvolvimento de estudos comparativos. A observação
do estudo deverá valer-se de todas as matérias e objetos que se considerem
pertinentes para a compreensão e entendimento do Direito estrangeiro, estranho
ao raciocínio local.
O Direito Comparado, aliado, ao Direito Internacional Privado, ainda
que em uma interdisciplinaridade interna, são as ferramentas para a unificação
das normas deste. Advoga-se que a unificação jurídica pode ser melhor
alcançada quando o estudo comparado vale-se de critérios funcionais, quando
o tertiu m compara tionis desta análise é uma função, e, portanto, considera
não somente a esfera normativa dos ordenamentos jurídicos envolvidos, mas,
também, as decisões judiciais como objeto da comparação. Analisam-se os
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A UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO NO MERCOSUL SEGUNDO O DIREITO COMPARADO FUNCIONAL
probl emas que, perante determinada praesum ptio originária do Direito
Comparado funcional, são enfrentados igualmente por todos os Estados-
membros. Ademais, justifica-se a unificação jurídica quando os problemas
combatidos pelos membros são os mesmos ou muito semelhantes. A unificação,
entretanto, a elaboração de normas idênticas, que na hipótese estudada dá-se
por meio de tratados internacionais não é o suficiente para atingir os efeitos
esperados do processo. É necessário que haja entre os membros interpretações
equânimes destes textos, vez que inexiste no bloco de integração órgão com
competência adjudicativa superior e cujas decisões vinculam os membros.
Nestes termos, a análise pelo Direito Comparado funcional mostra-se, também,
adequada.
A análise postulada parte da consideração de um Direito Internacional
Privado inserido em uma cultura jurídica pós-moderna, na qual, consideram-se
uma pluralidade informativa, assim como de métodos utilizados em prol da
unificação jurídica. O resultado é a consideração dos tratados internacionais
como fonte primordial para a persecução da unificação do Direito Internacional
Privado. Explanar-se-á, portanto, que a compreensão da unificação de tais normas
tende a produzir efeitos satisfatórios quando elaborada perante o Direito
Comparado funcional, e, que se mostra também satisfatória, à interpretação e
uso posterior dessas normas.
Neste artigo utiliza-se de inúmeras obras da literatura jurídica estrangeira
e os autores assumem as responsabilidades inerentes a tradução, sendo que,
em nota de rodapé apresentam os excertos em sua versão original.
1 O OBJETO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E
SUA CONCEPÇÃO CLÁSSICA
O Direito Internacional Privado sempre esteve envolto em uma série de
labirintos sinuosos, ou enigmas indecifráveis. São recorrentes as queixas da
comunidade discente, docente, assim como presente na literatura desta matéria,
a dificuldade de compreensão e do uso exacerbado de teorias e postulações
abstratas1. Segundo William L. Prosser,
1 Geofrey Samuel ensina que a abstração pode ser inerente ao objeto da ciência. Segundo o autor: “há
objetos da ciência que são capazes de se relacionarem a um material ou coisa concreta que visivelmente
existe m na rea lidade. Igual mente, há objetos que são ape nas c onceitua is e logo , nã o se mov em,
explodem, ou meta bolizam”; no texto original lê-se: “ther e are objects of science which are capab le
of relating to a material or concrete thing which seemingly exists in reality. Equally, there are objects
which are only co nceptual and th us do not move, explode or met abolise” (2003, p.56).
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