A superpopulação prisional como obstáculo ao desenvolvimento sustentável

AutorMaira Rocha Machado
Ocupação do AutorProfessora em tempo integral e dedicação exclusiva da Direito GV
Páginas135-154
4) DIREITO PENAL
A SUPERPOPULAÇÃO PRISIONAL COMO OBSTÁCULO AO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
MAIRA ROCHA MACHADO1
Resumo
O objetivo deste texto é explicitar alguns dos mecanismos de exclusão social
que operam no direito penal contemporâneo. Focaliza-se tanto a exclusão social
do individuo condenado pelo sistema de justiça criminal como o isolamento
dos estabelecimentos prisionais nas cidades que os abrigam. Para conduzir essa
discussão, o texto parte de uma breve explicitação da centralidade da institui-
ção prisional tanto em nossa legislação quanto em nossa cultura jurídica. Em
seguida, apresenta os resultados preliminares de uma pesquisa em curso sobre o
problema prisional em ações civis públicas julgadas pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo em 2011.
Abstract
is paper discusses large-scale imprisonment as social exclusion mechanisms
operating in contemporary criminal law. It focuses on o enders and prison
institutions in their relation with cities, towns and surroundings.  e paper de-
parts from the central role played by imprisonment in Brazilian legislation and
our legal culture. It also presents preliminary results of an empirical research
on public civil actions regarding prison overcrowding in the State of Sao Paulo.
A ideia de desenvolvimento sustentável convida a centrarmos o olhar em nosso
entorno — no ambiente em que vivemos — e a privilegiarmos os projetos e
1 Professora em tempo integral e dedicação exclusiva da Direito GV. A elaboração deste texto não teria
sido possível sem o apoio dos pesquisadores do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da Direito
GV, Naiara Vilardi e Brenda Rolemberg e, muito especialmente, Luisa Ferreira; bem como da professora
Marta Machado, interlocutora privilegiada de mais essa jornada. Agradeço também a leitura e os comen-
tários críticos da pesquisadora Carolina Cutrupi Ferreira com quem tenho aprendido muito sobre estes
e outros temas. Gostaria de registrar, por  m, um agradecimento muito especial aos membros do GT
sobre alternativas penais (CGPMA-MJ) que, cada um à sua maneira, têm enriquecido e inspirado minha
vida de pesquisadora. Críticas e comentários são muito bem-vindos: maira.machado@fgv.br
136 INSTRUMENTOS JURÍDICOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
ações que satisfaçam as necessidades do presente sem comprometer as gerações
futuras. Tomada de maneira muito restrita, essa formulação permite marcar a
ausência de contradição entre crescimento econômico e proteção ambiental.
Vista mais amplamente, a ideia de desenvolvimento sustentável permite colo-
carmos no centro de nossas preocupações “a vida humana”, como diz Haq, não
apenas no futuro, mas também e sobretudo, no presente2.
Há dois componentes do debate sobre o desenvolvimento sustentável que
são centrais à re exão sobre o papel desempenhado pelo direito e, muito parti-
cularmente, pelo direito penal nas sociedades contemporâneas. O primeiro de-
les é a atenção radical que esse conceito presta às implicações muito concretas de
nossos projetos e ações. Pensar o direito penal em termos de desenvolvimento
sustentável é então colocar em primeiro plano os efeitos de sua atuação para as
pessoas, as formas de integração social, os espaços públicos e a organização das
cidades. O segundo componente-chave desse conceito diz respeito à concepção
de sujeito: é inerente ao debate sobre desenvolvimento sustentável a exigência
de articularmos o todo social. Nesse registro, só há lugar para o nós3. A con-
cepção mais difundida de direito e justiça criminal, ao contrário, é fortemente
marcada pela oposição entre “honestos e criminosos”, entre “todo e parte”.
É a partir dessas duas grandes contribuições da ideia de desenvolvimento
sustentável — como conceito e programa de ação — que este texto se propõe a
explorar livremente alguns aspectos do direito penal contemporâneo. Ao obser-
vá-lo a partir dessa perspectiva, vários aspectos do funcionamento desse sistema
poderiam chamar nossa atenção, como as limitações dessa esfera do direito para
lidar com comportamentos problemáticos envolvendo pessoas jurídicas e mo-
vimentação de vultosas quantias de dinheiro; as diferenças abismais que a atu-
ação e ciente da defesa pode ocasionar ao tempo de tramitação dos processos
e à ocorrência do trânsito em julgado, entre vários outros temas. A opção por
focalizar, neste texto, alguns dos efeitos da centralidade da instituição prisional
2 Foco no presente e na vida humana é o que este texto irá reter do esforço do economista Mahbud ul Haq
de oferecer um marco operacional para a de nição de desenvolvimento sustentável proposta pela Co-
missão Brundtland - à qual se alude na primeira frase do parágrafo. Haq, Mahbud. Re ections on Human
Development. New York: Oxford University Press, 1995, p. 77-78.
3 Esses dois componentes aparecem claramente, mas de diferentes formas, nos trabalhos percorridos para
a elaboração deste texto. Além de Haq, que acabamos de citar, ver também Sen, Amartya. e Idea of
Justice. Massachusetts:  e Belknap Press of Harvard University Press, 2009 (especialmente p. 248-252);
Sachs, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004 (as
duas vertentes do processo de desenvolvimento, na p. 117 são particularmente interessantes para os
propósitos deste texto, ainda que o termo “homogeneização” não nos pareça adequado para explicitar “as
distâncias sociais abismais que separam as diferentes camadas da população”); e, en m, Kates, Robert;
Parris,  omas; Leiserowitz, Anthony. What’s sustainable development? Goals, indicators, values and
practices. Environment: Science and Policy for Sustainable Development, Volume 47, no 3, p. 8—21.

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