Prisão processual e presunção de inocência: Um estudo à luz da ponderação de valores constitucionais

AutorDaniel Gustavo de Oliveira Colnago Rodrigues
Páginas83-110

    Trabalho individual realizado no Grupo de Iniciação Científica, coordenado pelo NEPE da Faculdade de Direito da Associação Educacional Toledo de Presidente Prudente, sob a orientação do Professor - doutor Gelson Amaro de Souza (Graduado em Direito pelas Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP; Mestre em Direito pela ITE de BAURU/SP e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Procurador do Estado de São Paulo aposentado, Advogado militante em Presidente Prudente/SP).

Daniel Gustavo de Oliveira Colnago Rodrigues. Bacharelando em Direito pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP; Pesquisador científico junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas “Processo de Conhecimento” – PICT; Estagiário do Ministério Público Federal - Procuradoria da República em Presidente Prudente/SP.

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1 Introdução

Questão palpitante na moderna processualística penal diz respeito à constitucionalidade da prisão cautelar, tendo em vista o Princípio da Presunção de Inocência (ou da Não-Culpabilidade), bem insculpido no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.1

Com supedâneo no mesmo postulado basilar, vozes subsistem no sentido da não recepcionalidade do artigo 594 do Código de Processo Penal, uma vez que a exigência de que o réu condenado em primeiro grau se recolha à prisão para apelar não se coaduna com os preceitos constitucionais de garantia à liberdade do cidadão. Isso porque, paralelamente às garantias substanciais de liberdade, a denominada “Constituição Cidadã” previu hipóteses excepcionais de constrição de liberdade prescindíveis de uma sentença penal definitiva. Dentre estas, enfatizemos as chamadas prisões processuais.

É corrente o entendimento de que as prisões cautelares são perfeitamente admissíveis, não se confrontando com o postulado da presunção de inocência, desde que sejam pautadas em regras de excepcionalidade, consubstanciadas no binômio necessidade/fundamentação.

De outro lado, respeitáveis opiniões tangentes à inconstitucionalidade, e conseqüente inadmissibilidade, das prisões provisórias, vez que, nos ditames legais, ninguém será considerado culpado até que sobrevenha uma sentença penal condenatória transitada em julgado.

Ocorre que a situação em testilha não deve ser analisada estritamente nesses fundamentos, de uma ou outra corrente. Ao nosso sentir, o ponto central da problemática demanda pensamentos a respeito da “ponderação de valores”, embasada na máxima jurídica de que todo direito é relativo, não existindo direitos, ainda que fundamentais, taxados de “absoluto”.

Neste diapasão, buscaremos, com a devida vênia, enfatizar a solução desse aparente conflito de direitos e garantias fundamentais, de um lado a presunção de inocência, e, de outro, a possibilidade de custódia preventiva, à luz do sopesamento de elementos conflitantes.

2 Novas tendências: Processo Penal Constitucional

A dogmática processual penal, como apêndice da dogmática jurídica, sua matriz originária, não fornece elementos suficientes para mitigar a insondável incongruência existente entre a normatividade (dever ser) e a realidade social (ser). Ocorre que, nos sábios dizeres de BARATTA (1.998, p. 278), “[...] la distancia entre conflicto real y conflicto procesal, es notoriamente aumentada en el procedimiento penal”.

Sob este prisma, com o intuito de tentar diminuir este abismo ora relatado, o debate acerca da constitucionalidade da prisão provisória, bem como da legitimidade do Estado em encarcerar um indivíduo ainda não considerado “culpado” deve, indubitavelmente, ser precedido por singelos comentários acerca da novel tendência garantista em interpretar o processo penal à luz da Constituição da República.

Com a promulgação da Carta Política de 1988, precedida de um negro período de Ditadura Militar, no qual eram constantes as violações a direitos e garantias fundamentais do homem, passou-se a repensar o limite de intervenção do “Leviatã” na esfera de liberdade do jurisdicionado, fator decisivo na tendência garantista-penal do constituinte originário.

Num breve escorço histórico, importante relembrar que, a partir do momento em que o Estado proíbe a justiça privada, inclusive tipificando como crime o exercício arbitrário das próprias razões2, passa a ter não só o poder, mas também o dever, de solucionar as lides, o que se dá por meio da jurisdição.

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No entanto, tal incumbência deve ser exercida nos estritos limites do necessário e razoável, haja vista o contrato social firmado entre Estado e jurisdicionados, no qual estes cedem parcela de sua liberdade para, em troca, receberem proteção (lato sensu), só permite a superposição da esfera pública sobre a esfera privada havendo fundada imperiosidade.

Nessa esteira de raciocínio, podemos afirmar que o processo, que é o principal meio pelo qual se exerce a jurisdição, deve ser interpretado à luz do constitucionalismo, embasado na idéia de que é da Constituição da República que se extraem os valores fundamentais do ser humano.

Se o processo, de um modo geral, deve ser visado à luz da Carta Maior de um Estado-político, com maior razão o processo penal, máximo cerceador das liberdades e garantias individuais do cidadão, assim também deve sê-lo, muito embora se vislumbre “um certo fascínio pelo Direito infraconstitucional, a ponto de se ‘adaptar’ a Constituição às leis ordinárias”. (STRECK, 2.002, p. 30-31)

Neste diapasão, referindo-se ao garantismo no processo penal, pontifica Gerber (2.003, p. 81):

[...] as idéias de liberdade, igualdade e fraternidade acabaram por fornecer ao direito penal um caráter de racionalidade e, consequentemente, de menos danosidade ao indivíduo, eis que este passou a contar com direitos que serviam de obstáculo à intervenção estatal, limitando esta última frente às liberdades individuais. Sobre tal entendimento é que se fulcra a matriz garantista.

Ocorre que interpretar o processo penal à luz da Constituição não significa, como pensa a maioria, pautar-se a exegese estritamente em isolados dispositivos selecionados, mas sim interpretá-lo sistematicamente, como um todo, tendo como sustento básico os princípios constitucionais, conforme nos direciona a melhor hermenêutica.

Assim, no âmbito penal, um verdadeiro processo constitucional deve não só priorizar o respeito às garantias processuais do réu, oportunizando-lhe efetivos meios de defesa, como também cotejá-las com os valores materializados pela sociedade,Page 87 também de cunho normativo constitucional, tais como a dignidade da pessoa humana, a segurança pública e a paz social.

3 Do Princípio da Presunção de Inocência
3. 1 Análise semântica do termo “Princípio”

Antes de adentrarmos especificamente ao princípio processual constitucional da presunção de inocência, é de bom alvitre, sempre que utilizado o termo “princípio”, como ora feito, estabelecer seus reais contornos, indicando, inclusive, seu verdadeiro conteúdo e abrangência prática.

Sob o aspecto lexicológico, princípio vem a ser começo, origem, fonte. No mundo jurídico, embasado nas lições mestras de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2.005, p. 66-70), podemos afirmar que os princípios são as regras substanciais dentro da Constituição de cada Estado, refletindo os fundamentos e alicerces desse sistema.

Em se tratando de princípios com carga constitucional, oportuno o escólio de Celso Ribeiro Bastos (1.995, p. 143-144):

Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permitem sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiarse por cima de um sem-número de outras normas.

Pelo exposto, aufere-se que os princípios são diretrizes político-filosóficas a serem seguidas pelo constituinte e que, embora possuam alto teor de abstração, consubstanciam-se em verdadeiros vetores axiológicos para o operador e intérprete do Direito.

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3. 2 Princípio da Presunção de Inocência
3.2. 1 Generalidades

Previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, dentre o rol dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da presunção de inocência, também chamado de princípio do estado de inocência ou da não-culpabilidade, constitui cláusula pétrea, postulado basilar de um verdadeiro Estado Democrático de Direito em se tratando de tutela à liberdade individual.

A previsão constitucional de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença...

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