Princípios tributários

AutorRafael Pandolfo
Páginas65-138
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4. PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS
4.1 Cláusula pétrea
O art. 60, §4º, da Constituição Federal de 1988135 veda a
deliberação de proposta de emenda constitucional tendente
a abolir os direitos e as garantias individuais dos cidadãos.
Entre os direitos e as garantias subsumidos ao aludido dis-
positivo, estão, sem dúvida, os enunciados identificados com
os limites constitucionais que, tutelando os contribuintes, im-
põem um obstáculo ao exercício da competência tributária
das diversas pessoas jurídicas de direito público.136
Esses enunciados constitucionais foram alçados pelo le-
gislador constituinte originário à condição de cláusula pétrea,
porque sua finalidade revela uma das essências do texto cons-
titucional e deve servir de critério às incursões interpretativas
135. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º - Não
será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma fede-
rativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação
dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.
136.
O caput do art. 150 da Constituição Federal, como bem ressaltam Marcelo de
Lima Castro Diniz e Marília do Amaral Felizardo, estabelecem o diálogo do sistema
constitucional com o sistema constitucional tributário, reafirmando que as garantias
estendidas aos contribuintes ultrapassam os limites das referidas nos tópicos constitu-
cionais específicos. (DINIZ, Marcelo de Lima Castro; FELIZARDO, Marília do Amaral.
Medida Cautelar Fiscal. In: 30 anos da Constituição Federal e o sistema tributário. SOU-
ZA, Priscila; CARVALHO, Paulo de Barros. São Paulo: Noeses, 2018, p. 785).
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RAFAEL PANDOLFO
sobre eles realizadas. A inserção dos princípios constitucio-
nais no rol de garantias e de direitos individuais já foi reconhe-
cida pelo STF no julgamento da ADI 939,137 ajuizada contra
a Emenda Constitucional 3, de 17 de março de 1993, que, ao
instituir o IPMF (precursor da extinta CPMF), tentou excep-
cionar esse imposto, entre outras restrições constitucionais,
ao limite representado pelo art. 150, III, “b” da Constituição
então vigente (princípio da anterioridade).
Conforme apontado pelo Ministro Celso de Mello na de-
cisão acima referida, os princípios constitucionais tributários,
por representarem importante conquista político-jurídica dos
contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos
outorgados pelo ordenamento positivo aos sujeitos passivos
137.
Direito Constitucional e Tributário. ADI de Emenda Constitucional e de Lei Com-
plementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valo-
res e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4.,
incisos I e IV, 150, incisos III, “b”, e VI, “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição Federal. 1.
Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo
em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supre-
mo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, “a”,
da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a
União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no pará-
grafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, “b” e
VI”, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imu-
táveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que é garantia indivi-
dual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, “b” da Consti-
tuição); 2. - o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, ren-
das ou serviços uns dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, par. 4º, inciso I, e
art. 150, VI, “a”, da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a
criação de impostos (art. 150, III) sobre: “b”): templos de qualquer culto; “c”): patrimô-
nio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades
sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e “d”): livros, jornais, periódicos e o papel desti-
nado à sua impressão; 3. Em consequência, é inconstitucional, também, a Lei Comple-
mentar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a in-
cidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades
previstas no art. 150, VI, “a”, “b”, “c” e “d” da C.F. (arts. 3º, 4º e 8º do mesmo diploma,
L.C. n. 77/93). 4. ADI julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos ter-
mos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter defi-
nitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (STF.
ADI 939. Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES. Tribunal Pleno. Julgado em 15.12.1993.
DJ: 18.03.1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755).
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JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIA
das obrigações fiscais. Esses comandos têm por destinatário
exclusivo o poder estatal, que se submete, quaisquer que se-
jam os contribuintes, à imperatividade de suas restrições.
4.2 Segurança jurídica
A segurança jurídica não é uma questão específica do di-
reito tributário, mas um problema do conjunto da ordem jurí-
dica, na relação comunicativa que estabelece com os cidadãos
e que permite a esses tomarem suas decisões com possibilida-
de de previsão das respectivas consequências. É, ainda, uma
condição do que se propugna como normal funcionamento da
economia, já que a realização de investimentos e de novos ne-
gócios pelos agentes econômicos assenta no pressuposto de
manutenção de certa ordem, dotada de regras claras de jogo.
Aquilo que temos de específico no direito tributário é apenas
uma manifestação mais intensa dessa necessidade, apenas
porque é também mais intensa a intromissão operada nesses
ramos do direito na vida das pessoas e das empresas.138
Para o economista Adam Smith, a incerteza e a insegu-
rança dos contribuintes, diante de suas obrigações fiscais,
constituem problemas mais gravosos que a própria desigual-
dade contributiva:
El impuesto que cada individuo está obligado a pagar debe ser
cierto y no arbitrario. El tiempo de su cobro, la forma de pago, la
cantidad adeudada, todo debe ser claro y preciso, lo mismo para
el contribuyente que para cualquier otra persona. Donde ocurra
lo contrario resultará que cualquier persona sujeta a la obligación
de contribuir estará más o menos sujeta a la férula del recaudador,
quien puede muy bien agravar la situación contributiva en caso de
malquerencia, o bien lograr ciertas dádivas mediante amenazas. La
incertidumbre de la contribución da pábulo al abuso y favorece la
corrupción de ciertas gentes que son impopulares por la naturaleza
misma de sus cargos, aun cuando no incurran en corrupción y abu-
so. La certeza de lo que cada individuo tiene obligación de pagar es
138. SANCHES, J. L. Saldanha. Manual do direito fiscal. Coimbra: Ed. Coimbra,
2007, p. 169.

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