Princípios Técnicos

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas125-185

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71. Introdução

Depois do princípio fundamental e dos princípios básicos do seguro social, como complemento necessário impõe-se o exame dos preceitos técnicos. Alguns deles expressos nas normas legais, outros implícitos, todos de uso corrente. São regras cientíicas, instrumentos de efetivação da previdência social e do Direito Previdenciário.

Diferentemente do postulado fundamental e dos básicos, os princípios técnicos são fontes formais de integração da previdência social.

Equidistantes do princípio fundamental e dos básicos, se situam próximos dos comandos e das técnicas, tornando-se, em alguns casos, difícil distinguir-se delas. Em certas hipóteses, a generalidade dessas últimas permite alçarem-se como princípios, podendo, destarte, como tais, ser utilizadas em várias oportunidades.

Os princípios técnicos são limitados à esfera menor de atuação em que, sem embargo, imperam com plena eicácia. Não conhecem issuras, admitindo a presença, às vezes supremacia, de outros preceitos técnicos ou básicos.

A relação jurídica de seguro social tem sequência natural e lógica; dizem os espanhóis, da cuna a tumba. Inicia-se com a iliação, desenvolve-se com as contribuições e exaure-se, usualmente, com a fruição de prestações; estas, por sua vez, também, extinguem-se com a morte do beneiciário. Não são ininitas: têm início, meio e im.

Os princípios técnicos são arrolados mais ou menos na ordem indicada, divididos em princípios técnicos da iliação do custeio, da inserção das prestações, princípios gerais de direito princípio da subsidiaridade da legislação, das desigualdades, da equivalência urbano-rural e princípios diversos.

72. Princípios de iliação

O trabalho e as relações jurídicas derivadas são fontes materiais do Direito Laboral. Signiicativa fonte de Direito Previdenciário, ao nível de seguro social, é a possibilidade (prevenção) de o trabalhador ou seus dependentes perderem meios vitais de subsistência ou socialmente não convir obtê-los do trabalho e a ocorrência dessa perda, quando sobrevém proteção social (reparação).

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A atividade laboral é o principal meio de subsistência do trabalhador; portanto, é uma fonte material remota do Direito Previdenciário. A razão não é apenas histórica ou acidental. O seguro social retribui o esforço do trabalhador em prol da coletividade e distribui as riquezas criadas pelos segurados em favor dos necessitados.

Para subsistir relação obrigatória de seguro social, é preciso existir a de labor; subsistente relação de trabalho ou de emprego, opera-se o ingresso do obreiro na previdência social. Esse ingresso e permanência resultam da iliação.

No exame de caso concreto, adota-se princípio de interpretação segundo o qual, se dúvida restar no tocante ao fato gerador determinante ou não de iliação, tratando-se efetivamente de dúvida e não de outra forma de incognição, ela deve ser resolvida a favor da existência da iliação.

A apreciação dos princípios técnicos inicia-se com o da iliação, nela compreendida a inscrição, corolário formal, condição prática para o exercício do Direito Previdenciário.

Não são muitos os princípios envolvendo a iliação, destacando-se o da automaticidade e o da unicidade.

72.1. Automaticidade da iliação

A obrigatoriedade é princípio básico do seguro social. Trata-se de imposição técnica do cálculo atuarial, particularidade da lei dos grandes números aplicada à previdência social e coatividade da solidariedade social.

Eventualmente, o seguro social poderia não ser obrigatório, mas é por exigência da natureza humana. Privar-se hoje, em benefício do amanhã, contraria o espírito dissipador e fugaz do homem moderno, vivendo em um mundo de incertezas de toda ordem.

A maioria das relações jurídicas estabelecidas entre os beneiciários e a previdência social, no capítulo do inanciamento, é imposta.

Uma dessas relações, um vínculo jurídico que une os protegidos ao seguro social, chama-se de iliação.

Filiação é exigência técnica, norma cogente sem comportar exceções; como tal deve ser interpretada. A ela opõe-se a autonomia da vontade. Filiação não se condiciona à vontade do beneiciário, e sim à da lei. Opera ope legis. Se a constituição da relação de seguro privado depende da vontade dos contratantes, a do seguro social está condicionada à da lei.

Contudo, essa compulsoriedade não signiica a automaticidade intitula-dora do princípio. A iliação poderia ser condicionada a certo evento, prorro-

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gada no tempo ou submetida a condições. Isso não acontece. O legislador elegeu certa condição — exercício de atividade remunerada (CLPS, art. 2º); a partir dela, tem-se instalada a iliação, independentemente da vontade do beneiciário. De imediato, avulta a importância das relações do Direito Previ-denciário com o Direito do Trabalho.

A automaticidade referida é nexo causal entre trabalho e iliação. Muitas concepções aplicáveis ao início, desenvolvimento e extinção do contrato de trabalho nela reletem-se automaticamente. O seu nascimento dá-se com o surgimento da relação de trabalho.

Pode ser deinida como ocorrência imediata de um fato, em relação à subsistência de outro. Ela é caracterizada por haver exercício de atividade sem necessidade de mais nada.

O princípio quer dizer: no exato momento do começo do trabalho tem começo a iliação. O termo inicial é coincidente, o mesmo.

A celeuma em torno do início do contrato de trabalho entre contratualistas e acontratualistas espraia-se para o Direito Previdenciário. De qualquer forma, deve prevalecer a escola mais benéica à ocorrência da iliação.

Havendo trabalho protegido pela lei, opera-se a iliação.

A automaticidade abrange o trabalho deinido na lei previdenciária. Não alcança o trabalho não tutelado (v. g., prendas domésticas, do estagiário, presidiário etc.).

Orlando Gomes e Elson Gottschalk admitem automaticidade em relação à iliação: “o ato constitutivo da relação de previdência estabelece-se auto-maticamente com a celebração do contrato de trabalho na empresa”. Nesse sentido “a relação de emprego é o pressuposto ou fato jurídico sobre o qual se estrutura a relação-de-previdência” (Previdência Social no Brasil, 1964).

A automaticidade da iliação pode ser depreendida do texto legal. Diz a CLPS:

“O ingresso em atividade abrangida pelo regime desta Consolidação determina a iliação obrigatória a esse regime” (art. 8º).

Em regra mais geral, diz o art. 11, § 2º, do PBPS:

“Todo aquele que exercer, concomitantemente, mais de uma atividade remunerada sujeita ao Regime Geral de Previdência Social é obrigatoriamente iliado em relação a cada uma delas”.

A expressão “ingresso” não signiica adoção de proissão relativa às atividades abrangidas pela LOPS, mas início de atividade abrangida. A iliação tem, por termo inicial, exatamente quando o trabalhador inicia a atividade remunerada.

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Mozart Victor Russomano vê aí pleonasmo, pois, após dizer quais os segurados obrigatórios, a norma previdenciária repete: quem ingressa em atividade abrangida por ela é segurado obrigatório. Ele fala em obrigatorie-dade de inscrição, certamente querendo dizer compulsoriedade de iliação (Comentários à CLPS, p. 63).

Parece não haver pleonasmo. O art. 5º da CLPS especiica o trabalhador (homem exercente de atividade) ou condições da atividade alcançada pela previdência social (como empregado, autônomo, empresário etc.). O art. 8º enfatiza.

Quem ingressar ou iniciar qualquer das atividades especiicadas está automática e obrigatoriamente iliado à previdência social. Fixa o momentum do início da iliação ter lugar.

Observa Marly Antonieta Cardone que a obrigatoriedade e a automatici-dade de iliação são relativas a beneiciários e órgão gestor do seguro social. Nenhum dos dois polos da relação jurídica pode recusar-se à iliação. Quando o legislador ixa condição para efetivar-se a relação, subtrai dos sujeitos a possibilidade de opção. Por isso, não pode o segurado opor-se à iliação nem o órgão gestor selecionar os iliados (Alguns Princípios de Direito Previdencial).

Ao iniciar a atividade, se o segurado está com toda capacidade previdenciária, mesmo às portas de prestação (v. g., com 64 anos de idade), não pode a administração previdenciária...

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