Os princípios que norteiam o sistema financeiro nacional

AutorLuiz Antonio Bernardes e Márcio Francisco Dos Santos
Páginas125-135

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1. Introdução

Não pode passar ao largo da consciência nacional, da cultura e das mentalidades coletivas deste País que foi uma conquista histórica a inserção na Constituição Federal de 1988 de um artigo - o art. 192 - e capítulo especificamente voltados ao Sistema Financeiro Nacional, dentro do título sobre a ordem econômica e financeira, preconizando sobre sua compatibilidade com os interesses da coletividade e o desenvolvimento equilibrado do País e acenando com regulamentação futura, a ser implementada por lei complementar, que o Congresso Nacional terá que aprovar.

O que mais ressalta é que o legislador constitucional reconheceu que a existência do Sistema Financeiro Nacional deve ser parte irremovível da República. E que deve ser firmemente regulamentado, tendo a Constituição Federal feito a opção, para regulamentação primeira, pelo diploma que se denomina lei complementar - espécie legislativa cujas entranhas não podem ser invadidas ou revogadas por outras espécies de normas infraconstitucionais, sob pena de invalidade. E os princípios eleitos constitucionalmente vão neste mesmo sentido, de uma firme e organizada regulamentação.

A Constituição Federal admite três princípios básicos - sem os quais, aliás, é muito difícil imaginar o bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional, com seus serviços de emissão de moeda, distribuição equilibrada da moeda e do crédito por todos os segmentos da economia e por todas as regiões do País, controle do volume de oferta de moeda e de crédito, controle da distribuição de títulos e valores mobiliários e conversão da moeda estrangeira em nacional e vice-versa.

Do vocábulo "Sistema" se tira que sua regência será por conteúdo normativo coerentemente organizado. Mas a Constituição Federal não se refere apenas a um sistema normativo perfeccionista - por óbvio e inevitavelmente sujeito a permanente revisão e adequação à realidade econômica sempre mutante -, tolerante apenas quanto a uma pequena e inevitável margem de normas subcontrárias ou contrárias entre si. Refere-se também a um sistema empírico mesmo, pois o "Sistema" há de ser integrado por instituições públicas e privadas que compartilhem de organizações internas, funcionamentos e dados permissivos de interação e troca de informações e de operações financeiras, bem como da interferência estatal conveniente, para polícia

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administrativa da higidez do "Sistema", exercício da política monetária etc.

A prescindir de sistema na área da circulação da moeda, do crédito e do câmbio, o País não estará apto, na prática, a dar eficácia a decisões - no mais das vezes importantes decisões - de política econômica governamental, o que será percebido adiante. É a pior conseqüência.

Parece um excesso mencionar coisa deste tipo. Contudo, houve época de nossa história onde não existia o sistema provedor da moeda emitida, do crédito e do câmbio. Nessa época o País enfrentava gravíssimos, crônicos e insolúveis problemas de escassez de moeda e de crédito em segmentos essenciais ao crescimento e desenvolvimento econômicos e em vastas regiões geográficas - principalmente nas de maior atraso econômico -, mais a falência e iliquidez freqüente de empresas financeiras, por conta de juros reais negativos, e o descontrole quase absoluto do fenômeno inflacionário, entre outras coisas.

Neste período - diga-se en pasant -eram muitas as autoridades políticas que se opunham a que viesse ao Brasil o "Sistema Financeiro Nacional".

O que passou fica pura e tão-somente para o conteúdo didático do presente texto. Porém, quanto ao que virá, deve ficar a in-tangibilidade dos princípios essenciais ao Sistema Financeiro Nacional, nesta condição inscritos na Constituição Federal.

Nosso estudo corre o art. 192 da CF sob a ótica dos princípios que ali estão embutidos.

Conforme ensina Maria do Rosário Esteves (Normas Gerais de Direito Tributário, São Paulo, Max Limonad, 1997, Capítulo II, p. 27), o vocábulo "princípio" é normalmente empregado em quatro acepções diferentes, a saber: (a) as normas jurídicas de maior valor para o Sistema; (b) os valores injetados nas normas; (c) os limites objetivos postos pelo legislador constitucional ou por normas de elevada hierarquia; (d) os limites objetivos a serem res-peitados para que o Sistema funcione harmoniosamente, independentemente de serem previstos em normas jurídicas.

A unidade proposicional e empírica do Sistema Financeiro Nacional na Constituição Federal integra-se do vocábulo "princípio", nas quatro acepções que lhe são próprias. Tais princípios são: (a) o ca-ráter institucional obrigatório das empresas financeiras, então instituições financeiras; (b) a autoridade monetária única; (c) a segregação ou especialização das instituições financeiras.

Edmar Bacha ("Alguns princípios para a reforma do Sistema Financeiro Nacional", Revista de Economia Política II (1-41), janeiro-março/1991) esclareceu e enumerou algumas razões da opção constitucional pela firme regulamentação, ver-bis:

"Há uma série de razões de natureza econômica pelas quais o governo pode querer regulamentar o sistema financeiro. Entre elas sobressaem as seguintes:

"1.O poder de emissão de moeda de curso forçado gera uma renda econômica significativa - a chamada 'senhoriagem' -, de que o governo quer, naturalmente, apropriar-se, para o financiamento de seus próprios gastos.

"2. Bancos operando num regime de reserva fracionária estão sujeitos a sofrer 'corridas' em períodos de instabilidade econômica, necessitando assim de um em-prestador em última instância que mantenha a solvência do sistema bancário, bem como de um mecanismo seguro para os depósitos e aplicações financeiras.

"3. Devido a características próprias da relação entre credor e devedor, o sistema bancário privado discrimina contra determinados segmentos do mercado, nota-damente no que se refere a empréstimos de longo prazo e setores de alto risco, como a agricultura, pequenas empresas, habitação e novas atividades de maneira geral.

"4. A necessidade de se ter uma reputação estabelecida cria uma forte barreira

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para a entrada de novas entidades no negócio bancário. Por isso, o sistema financeiro tende a gravitar em torno de um pequeno número de bancos, que funcionam como oligopólio, tolhendo os mecanismos de concorrência.

"5. Por motivo de proteção à empresa nacional nascente, ou de fortalecimento do poder de barganha do País em negociações internacionais, o governo pode querer restringir a atuação de bancos estrangeiros em território nacional.

"6. O governo pode querer tirar proveito da importância de suas próprias ativi-dades econômicas para estabelecer relações de clientela exclusiva - como depositante e como tomador de empréstimos - com entidades específicas do setor financeiro."

Eis, então, algumas razões de fundo que levam, em linha direta, não apenas à necessidade de regulamentação, mas também aos princípios adotados constitucio-nalmente.

A escolha do tema que fizemos remete a que o Sistema Financeiro Nacional só se fez presente na economia nacional quando foi editada a Lei 4.595/1964, que não dista tanto assim de nossos dias. O "Sistema" veio tardiamente. E anteriormente era a pandemia. Os princípios do Sistema Financeiro Nacional adotados pela Constituição Federal de 1988 são os mesmos que se fizeram presentes quando da edição da Lei 4.595, em 1964, razão pela qual podem ser denominados de estruturais ou de permanências em longo período. Por que, entretanto, sustentam este caráter? É a pergunta a ser esclarecida no presente estudo, reunindo-se e analisando-se as evidências observáveis na experiência vivida pelo País ao longo de todos esses anos.

Não há outro elemento a seguir senão o de observar e tirar conclusões sobre experiência vivida, até antes da Lei 4.595, de 31.12.1964, e ao depois. De par com isso, os princípios adotados pela Constituição Federal de 1988 (assim, desde a Lei 4.595, de 31.12.1964) são compartilhados mun-dialmente, quando se adaptam às realidades econômicas locais.

Pasmem tantos quantos virem a estas páginas: antes da aprovação da Lei 4.595, de 31.12.1964, o País assistiu a um longo debate político em torno da adoção do Sistema Financeiro Nacional. Sempre vinham aos palanques os ardorosos defensores, de grande nomeada política, da tese de que tudo corria bem nos ares da política monetária, creditícia e cambial, sob o controle muito modesto que a antiga Superintendência da...

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