Os princípios do direito do trabalho

AutorMaria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro
Ocupação do AutorProfessora
Páginas87-98

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4.1. Os princípios do direito do trabalho

O sistema jurídico se marca por sua reflexidade que é acentuada no Direito do Trabalho, pois nele se processam com maior intensidade, as mudanças e variações constantes na sociedade. Daí, as mudanças e variações na relação de trabalho, a maioria das quais ocorre de forma tão rápida que não é apreendida ou registrada nas normas trabalhistas, mas que, de outra parte, ingressam no senso comum, tornando-se uma realidade banal. Basta ouvir em vários lugares, de bancos a supermercados, a naturalidade com que o trabalhador, questionado sobre sua função, responde que é um terceirizado.

Na relação dialógica entre a sociedade e o direito, a reflexão do Direito do Trabalho sobre o seu sentido e finalidade se agiganta, porquanto o trabalho dá ao ser humano um modo de estar no mundo e, mesmo perante a escassez dos empregos, a vida ativa permanece como centro da vida humana. hoje, todavia, diz Richard Sennet se fala na exigência de um comportamento flexível, em um tempo que ameaça as pessoas, suas narrativas e suas histórias de vida, tornando a instabilidade um modo normal.1Pensar essa realidade convoca os fundamentos do Direito do Trabalho, com o exame dos seus princípios, assim como a análise de sua permanência e modos de aplicação, atualmente. O delineamento desses princípios ocorreu nos albores desse Direito e inúmeros deles tiveram como ponto de partida a atuação da Or-

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ganização Internacional do Trabalho e o Tratado de Versalhes quando se iniciou a fase jurídica das relações trabalhistas.

Trata-se do período de elaboração dos princípios clássicos do Direito do Trabalho, os quais preenchiam o objetivo de estabelecer e afirmar o caráter e a auto-nomia desse ramo do Direito. A partir da sua sistematização e análise feitas por Plá Rodriguez,2 os princípios tiveram reconhecida sua relevância como pautas diretivas do Direito do Trabalho direcionadas à interpretação das normas, além de informativas da legislação, o que lhes confere uma função normativa.

Explica Plá Rodriguez3 que os princípios e as normas se relacionam em uma interação ou implicação recíproca, mas correspondem a uma concepção do Direito laboral. Os princípios e as normas devem pertencer à mesma concepção.

Ao influxo das mudanças ocorridas, notadamente a partir dos anos 1970, quando passam a ser delineadas novas formas de trabalho e os contratos atípicos,4 surgem questionamentos sobre os princípios próprios do Direito do Trabalho e sua adequação ou subsistência a esses vínculos. Dentro dessa perspectiva, Romita5 afasta os princípios clássicos sob o fundamento de que não constituiam princípios específicos do Direito do Trabalho e, aludindo à necessidade de tomar posição sociológica, política e filosófica em face dessas transformações experimentadas pelo Direito do Trabalho como reflexo da adaptação da superestrutura jurídica às novas realidades, aponta e reconhece como próprios ao Direito do Trabalho, outros princípios, a saber: princípio da liberdade do trabalho; princípio de não mercadorização do trabalho; e o princípio da dignidade do trabalhador como pessoa humana.

Em sentido diferente, seguem Sérgio Torres Teixeira e Fabio Tulio Barroso,6 pois, embora afirmem a dificuldade na utilização dos princípios do Direito do Trabalho em razão das novas formas contratuais e métodos de utilização das regras contratuais, não os excluem e argumentam pelo surgimento e a adoção do princípio do não retrocesso social, como um novo princípio de Direito do Trabalho que estabelece uma resistência à dinâmica flexível do trabalho.

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Ambos os entendimentos mostram que os princípios clássicos do Direito do Trabalho não dão conta da realidade, e propõem um novo entendimento, de subs-tituição ou de acréscimo de princípios que não aqueles enunciados no Direito do Trabalho clássico. Rememora-se com Eneida Araújo7 que o Tratado de Versalhes, do qual emanam os princípios clássicos do Direito do Trabalho, partiu da constatação de que as injustiças do mundo das relações trabalhistas comprometiam a paz e a harmonia mundial e da necessidade de dar a essas relações um equilíbrio e conteúdo ético. Naquele momento, estava em curso a Revolução Industrial, com a modernidade e o pensamento racional, e a instauração de uma nova forma de trabalho em que, apesar da superação da servidão e da escravidão, não se dava a plena autonomia do trabalhador, aspectos que indicavam a insuficiência das normas civis para regular a prestação de trabalho subordinada. É que, embora se tratasse de relação de direito privado, a relação de trabalho apresentava peculiaridade estranha ao conteúdo de igualdade, com a submissão do trabalhador. Isso deu ao Direito do Trabalho uma feição nitidamente protetiva, ao regular a relação trabalhista, o que para Ruprecht tem o sentido de proteção do trabalho, e não de proteção específica do trabalhador, e que leva Ramalho a, atualmente, tratá-lo como direito compromissório.8Na constatação da nova forma de contrato e de trabalho, e da realidade da execução do trabalho nas fábricas, se erigiram esses princípios, que são: princípio da proteção; princípio da irrenunciabilidade; princípio da continuidade; princípio da primazia da realidade; princípio da razoabilidade; e princípio da boa-fé, segundo a maioria da doutrina, e que corresponde à sistematização feita por Plá Rodriguez.

Monereo Perez9 adverte para os efeitos da complexidade da situação norma-tiva atual, levando a uma diversidade que produz uma ruptura com o princípio da igualdade, pois o cidadão trabalhador deixa de ser uma categoria tendencialmente unitária para se desdobrar em grupos específicos e em diferentes graus de proteção trabalhista, com regulação de mínimos de ordem pública e individualização das relações laborais promovidas pela precarização, levando até mesmo a uma subclasse de pessoas.

Neste tópico, o exame fica, todavia, restrito aos princípios da proteção, da irrenunciabilidade de direitos, da continuidade e da primazia da realidade, por

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estarem mais diretamente ligados à terceirização, uma das novas formas que revestem as relações de trabalho, e que constitui o cerne da discussão. O princípio do maior rendimento, a que Monereo Pérez se refere, e que é visto como uma tutela do interesse da empresa de que o empregado desenvolva seus serviços de modo a dar o melhor resultado, não é objeto de exame específico, pois se adota o entendimento de Maurício Godinho Delgado10 de que não se trata de princípio específico do direito do trabalho. Pela índole constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana no qual se encarta o princípio da dignidade do trabalhador como pessoa humana, e do princípio do não retrocesso social, esses dois princípios serão examinados dentro de tópico específico.

4.2. Princípio da proteção

O princípio da proteção é o mais eminente dos princípios do Direito do Trabalho, porque envolve a própria finalidade desse ramo do Direito. Ele assume o conteúdo de proteção do trabalhador, na medida em que se trata de um direito voltado para promover a igualdade jurídica diante da desigualdade econômica que marca as relações trabalhistas e coloca em polos opostos empregado e empregador, mediante a superioridade econômica do empregador, que se acentuou em nosso tempo com a globalização e a decorrente existência dos grandes conglomerados, assumindo o Poder Econômico em redor do Deus-Mercado.

Eneida Araújo11 afirma sua convicção da inviabilidade da ideia de que a proteção ao trabalhador esteja acabando porque as partes são estruturalmente desiguais e a permanência dos conflitos, das diferenças e da desigualdade exige a interferência do Estado, sob pena de seu recuo configurar uma atuação contrária ao sentido universal do homem. há, todavia, em sentido contrário, o entendimento de que ocorre uma contradição permanente entre o princípio da proteção do trabalhador e o princípio da liberdade da empresa que, no âmbito da economia social de mercado, ao tutelar o interesse do empregador, condiciona e limita o princípio da proteção. Não é surpreendente que, na atual crise econômica, ou terceira fase do capitalismo, que envolve a mudança estrutural das sociedades complexas, a prevalência do critério do rendimento e da continuidade de empresa limitem as manifestações jurídico-positivas do princípio do favor laboral.12Na intensidade da aplicação desse princípio, enquanto Ruprecht13 se inclina por sua limitação e entende que sua eficácia depende da existência de norma

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legal explícita, Maurício Godinho Delgado14 lhe confere amplitude e o tem como influente em todo o Direito Individual do Trabalho, embora, no trato dos temas trabalhistas, ele frequentemente ceda vez a outros princípios que se mostrem mais específicos.

Sobre a dimensão do princípio da proteção, a maioria do entendimento doutrinário é no sentido de que ele contém três regras: in dubio pro operário; norma mais favorável; condição mais benéfica, diretriz adotada por Plá Rodriguez, que as trata como formas de aplicação. Godinho Delgado15 exclui desse âmbito a regra in dubio pro operário que considera problemática, porque já está atendida pelo princípio da norma mais favorável e considera as demais, assim como Pinho Pedreira,16 como princípios distintos.

A modificação do mundo do...

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