Princípios da execução trabalhista

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Páginas26-63

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3.1. Conceito e importância

Ensina Celso Antonio Bandeira de Mello10 que princípio "é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico".

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Segundo a doutrina clássica, os princípios têm quatro funções, quais sejam: (a) inspiradora do legislador; (b) interpretativa; (c) suprimento de lacunas; (d) sistematização do ordenamento, dando suporte a todas as normas jurídicas, possibilitando o equilíbrio do sistema.

Os princípios costumam inspirar o legislador na criação de normas (função inspiradora). Muitos princípios, hoje, estão positivados na lei.

Na função interpretativa, os princípios ganham especial destaque, pois eles norteiam a atividade do intérprete na busca da real finalidade da lei, inclusive, se ela está de acordo com os princípios constitucionais. Segundo a doutrina, violar um princípio é muito mais grave do que violar uma norma, pois é desconsiderar todo o sistema de normas.

Os princípios também são destinados ao preenchimento de lacunas na legislação processual. Há lacuna quando a lei não disciplina determinada matéria. Desse modo, os princípios, ao lado da analogia, do costume, serão um instrumento destinado a suprir as omissões do ordenamento jurídico processual.

De outro lado, os princípios têm a função de sistematização do ordenamento processual trabalhista, dando-lhe suporte, sentido, harmonia e coerência.

Os princípios dão equilíbrio ao sistema jurídico, propiciando que este continue harmônico toda vez que há alteração de suas normas, bem como em razão das mudanças da sociedade.

Em países de tradição romano-germânica como o Brasil, há tradição positivista, com prevalência de normas oriundas da lei, com constituição rígida, havendo pouco espaço para os princípios. Estes atuam, na tradição da legislação, de forma supletiva, para preenchimento das lacunas da legislação. Nesse sentido, destacam-se os arts. 4º da LINDB, 8º da CLT e 140 do CPC.

Não obstante, diante do Estado social, que inaugura um novo sistema jurídico, com a valorização do ser humano e a necessidade de implementação de direitos fundamentais para a garantia da dignidade humana, a rigidez do positivismo jurídico, paulatinamente, vai perdendo terreno para os princípios, que passam a ter caráter normativo, assim como as regras positivadas, e também passam a ter primazia sobre elas, muitas vezes sendo o fundamento das regras e outras vezes propiciando que elas sejam atualizadas e aplicadas à luz das necessidades sociais.

A partir do constitucionalismo social, que se inicia após a 2ª Guerra Mundial, os direitos humanos passam a figurar de forma mais contundente e visível nas Constituições de inúmeros países, entre os quais o Brasil. Esses direitos humanos, quando constantes do texto constitucional, adquirem o status de direitos fundamentais, exigindo uma nova postura do sistema jurídico, com primazia dos princípios.

Como bem advertiu José Joaquim Gomes Canotilho, "o direito do Estado de direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do Estado constitucional e de direito leva a sério os princípios, é o direito

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dos princípios [...] o tomar a sério os princípios implica uma mudança profunda na metódica de concretização do direito e, por conseguinte, na actividade jurisdicional dos juízes"11.

Diante disso, há, na doutrina, tanto nacional como estrangeira, uma redefinição dos princípios, bem como suas funções no sistema jurídico. Modernamente, a doutrina tem atribuído caráter normativo dos princípios (força normativa dos princípios), vale dizer: os princípios são normas, atuando não só como fundamento das regras ou para suprimento da ausência legislativa, mas para ter eficácia no ordenamento jurídico como as regras positivadas.

Nesse sentido, a visão de Norberto Bobbio:

Os princípios gerais, a meu ver, são apenas normas fundamentais ou normas generalíssimas do sistema. O nome "princípios" induz a erro, de tal forma que é antiga questão entre os juristas saber se os princípios gerais são normas. Para mim não resta dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E essa é também a tese sustentada pelo estudioso que se ocupou mais amplamente do problema Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: em primeiro lugar, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, mediante um procedimento de generalização excessiva, não há motivo para que eles também não sejam normas: se abstraio de espécies animais, obtenho sempre animais e não fiores e estrelas. Em segundo lugar, a função pela qual são extraídos e usados é igual àquela realizada por todas as normas, ou seja, a função de regular um caso. Com que objetivo são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas então servem ao mesmo objetivo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?12

Para Robert Alexy:

O ponto decisivo de distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige: nem mais nem menos. Regras

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contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio.13

Para Alexy, quando há confiitos de regras, uma será declarada válida e outra inválida: "sempre satisfeitas ou não são satisfeitas".14 Portanto, "se uma regra vale, então, deve-se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos".15 Já as colisões entre princípios no caso concreto devem ser solucionadas em razão do peso, devendo o princípio que tiver maior peso ser aplicado, sem desconsiderar a validade do princípio que não será aplicável.

Na opinião de Ronald Dworkin:

A diferença entre princípios e regras16 é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicadas à maneira do tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão [...] Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm - a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vier resolver o confiito tem de levar em conta a força relativa de cada um.17

Na visão de Dworkin, o confiito entre regras se desenvolve no campo da validade, sendo que uma perderá a validade em prol da outra; já os confiitos entre princípios se resolvem por juízo de ponderação, em que um desses princípios colidentes, para aquele caso concreto, terá um peso relevante e preponderante sobre o outro à solução do confiito.

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Este trabalho não tem por finalidade discutir e criticar as teorias sobre os princípios, suas funções e distinções entre princípios e regras, uma vez isso, seria mais apropriado uma tese sobre teoria geral do direito.

Por isso, adotamos a teoria que enxerga os princípios como diretrizes fundamentais, sistema com caráter normativo, podendo estar presentes nas regras ou não, de forma abstrata ou concreta no ordenamento jurídico, com a função de ser o fundamento do sistema jurídico e também mola propulsora de sua aplicação, interpretação, sistematização e atualização do sistema. De nossa parte, o caráter normativo dos princípios, conforme os estudos de Bobbio, Alexy, Dworkin, é inegável.

Essa visão se justifica, uma vez que pretendemos abordar a importância dos princípios para a ciência processual do trabalho e mostrar como eles são interpretados e aplicados a fim de dar efetividade ao acesso à justiça do trabalhador e aplicar e interpretar, com justiça, o ordenamento jurídico processual trabalhista.

Não obstante, não pensamos serem os princípios absolutos, pois, sempre que houver confiitos entre dois princípios na hipótese concreta, deve o intérprete guiar-se pela regra de...

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