Princípios Constitucionais

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas235-252

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141. Introdução

A vida em grupo obriga os homens a se organizarem em forma societária. Vivendo junto com outros indivíduos, o ser humano não pode desconhecer o próximo; hodiernamente, não esquece sequer o distante.

Sendo absurdo todos liderarem ou cada um liderar a si próprio, o cidadão transfere a liderança para alguns, cuja atividade se restringe a isso. Não vivem para outro objetivo, mas sendo pessoas, submetem-se à ordem instituída.

Esse estado de coisas em favor do grupamento representa privação de movimentos do indivíduo. A agilização máxima do cidadão signiica desordem; o poder ininito da liderança é caos. A dimensão ideal do movimento é medida da liberdade do ser humano.

Ao optar-se pela liberdade — e sua correspondente responsabilidade — acode-se às diferenças pessoais. Adota-se uniformidade, ou seja, igualdade dos iguais e desigualdade dos desiguais. Meio de determinar os limites da liberdade, em face da individualidade diferenciada das pessoas, é a norma jurídica. Daí a legalidade.

Na Carta Magna, jazem os postulados superiores da liberdade, igualdade, legalidade e dignidade; ali são entronizadas as diretrizes máximas do Direito, eternizando-se como verdades supremas. O respeito à Constituição é farol iluminador do caminho do jurista quando em dúvida; perdida essa inexplicável crença, essa fé inabalável, o Direito transforma-se em simples instrumento da força.

Arion Sayão Romita, prefaciando livro de Paulo Braga Galvão (Os Direitos Sociais na Constituição, p. 5-6), alerta para o exagero do acolhimento dos direitos sociais no recesso dos preceitos constitucionais: “Segundo Francisco de Ferrari, o papel transcendente desempenhado pelo direito do trabalho em tudo o que se relaciona com a manutenção da paz social é de tal relevância que se tornou conveniente converter alguns de seus princípios essenciais em preceitos ou declarações de nível constitucional, a im de lhes atribuir maior irmeza e estabilidade, além de lhes conferir posição jurídica mais elevada. Cabe lembrar, todavia, com Mariano Tissembaun, que não basta enunciar nos textos constitucionais a proclamação dos novos princípios sociais com características de natureza programática: é indispensável que a

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projeção desses princípios na legislação ordinária assegure sua eicácia. As Constituições não devem conter meras promessas, mas sim garantias de efetiva execução dos princípios que consagra”.

Os princípios previdenciários contidos na Carta Magna são aqui divididos em superiores, linhas mestras gerais, garantias constitucionais de direitos individuais e, em especíicos, preceitos representativos da tipicidade jurídica e aplicação prática.

142. Princípio da liberdade

Liberdade é bem supremo.

Politicamente considerada, é tão valiosa quanto a própria vida. O homem nunca se cansará de lutar pela liberdade e, desgraçadamente, jamais deixará de diminuí-la.

Do ponto de vista jurídico, liberdade signiica opção de vida, escolha de ocupação, exercício de vontade consciente. Em princípio, a ela se opõe toda obrigação, restrição ou proibição; mas a liberdade não é absoluta nem ininita.

Para Franz Neumann, a liberdade é essencialmente ausência de restrições (Estado Democrático e Estado Autoritário, p. 180). No dizer de Luís Sanches Agesta (Princípios de Teoria Política, p. 512), citado por Pedro Vidal Neto: “liberdade é também autonomia de eleição, que não é contraditória com a independência e com a capacidade eicaz, mas é até mesmo seu complemento. Signiica o poder de fazer ou não fazer alguma coisa, escolhendo ou preferindo entre vários meios possíveis ou vários objetos de ação” (Estado de Direito, p. 147).

Aparentemente, este postulado superior é ofendido pelo princípio básico da obrigatoriedade. Todavia, isso acontece circunstancialmente, na verdade, o princípio básico visa, exatamente, conigurar a liberdade; é o outro lado da moeda, corresponde à responsabilidade. Sendo a liberdade ínsita ao ser animal, não lhe acresceu a natureza essa ideia de responsabilidade. Fê-lo a cultura.

Um homem só poderia ser absolutamente livre se despojado de obriga-ções e direitos; assim, esse mesmo homem pereceria quando não pudesse angariar os meios de subsistência.

O seguro social priva-o de certa liberdade, a econômica, diminuindo-lhe os ingressos, mas oferece-lhe multiplicada possibilidade de não perecer, de não depender, de ser relativamente livre, quando já não o for por suas próprias forças. A contribuição é preço pago pela liberdade, por ocasião da velhice ou da incapacidade para o trabalho. A sensação de liberdade — se se quiser, de felicidade — só pode ser entendida por quem já viu um ancião,

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razoavelmente vestido, em uma praça pública, cuidando de pombos e, vez ou outra, decidindo-se por comprar um maço de cigarros sem ter de dar satisfações a ninguém.

No respeitante ao Direito Previdenciário, o princípio da liberdade signiica a disposição de alguém de não ser iliado, caso não queira. Na seguridade social, todos, automaticamente, são admitidos, independentemente de sua vontade e atividade. No seguro social, a iliação condiciona-se ao exercício de atividade remunerada. Se o cidadão não quer trabalhar ou pode subsistir sem trabalhar, tem a liberdade de não ser iliado.

Do ponto de vista prático, o princípio consubstancia-se em usufruir ou não da previdência social. Opção de não se aposentar. Se há obrigatoriedade de inscrição e de contribuição, não há de aposentação. A força da norma pública contida na lei previdenciária divide com esse princípio, nitidamente superior, o exercício do direito de aposentar.

No caso especíico dos segurados facultativos, manifesta-se a liberdade de iliação. A possibilidade de adotar outras técnicas de proteção social, isolada ou complementarmente, deve continuar existindo em observância a esse princípio, como ao princípio básico da essencialidade.

O fato de ninguém ser obrigado a aposentar-se e de certa forma depender — não no sentido jurídico — do órgão gestor, é exercício do direito à liberdade, a ser respeitado em todos os casos.

A não proibição de trabalhar, em relação aos aposentados, é outra manifestação a ser lembrada; o Estado pode limitar o trabalho subordinado dos aposentados, taxá-lo ou criar-lhe embaraços, mas não pode impedi-lo e, em especial, o dos trabalhadores independentes. A fruição da prestação não quebra a regra da obrigatoriedade social do trabalho, pois pressupõe o trabalho do aposentado. O direito aí contido é o de não trabalhar e, também, em função da liberdade, o de trabalhar se assim lhe aprouver. O direito ao trabalho deve ser tomado em toda a sua extensão, como meio de sobrevivência, de evolução da sociedade, de elevação da civilização, de ocupação do tempo até como lazer e prazer.

143. Princípio da igualdade

A liberdade é postulado superior do Direito. A legalidade é efetivação do Direito. A igualdade é concessão da sociedade ao Direito.

Se a liberdade é instintiva, a igualdade é criação do espírito humano. Nada na natureza é igual e não são iguais os homens; no entanto, esse é um princípio superior a ser preservado.

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Todos são iguais perante a lei e, sem embargo, não existem dois seres humanos iguais. No dizer de Barker, citado por Temístocles Cavalcanti “todos têm o mesmo direito, mas não o direito às mesmas coisas” (Princípios Gerais de Direito Público, p. 198).

O princípio é histórico. Não fossem distinções e discriminações e ele, como a liberdade, seria pressuposto natural.

Deve-se entendê-lo como direito em potencial à utilização das coisas criadas pelos homens; não deve signiicar todos serem iguais, mas se quiserem, terão direitos iguais à sua disposição.

Nas mesmas condições, os beneiciários têm os mesmos direitos, mas esposa e quatro ilhos não terão pensão por morte de valor superior à pensão de esposa e um ilho. Ambas as esposas fazem jus a 100%; por isso são iguais os direitos e as prestações.

Se o princípio signiicasse todas as pessoas serem iguais e assim devesse ser aplicado, a solidariedade reduzir-se-ia apenas à das gerações. No entanto, em face das exigências técnicas, quem mais carreia recursos para o seguro social é a solidariedade das diferenças. Quem participa mais, menos se utiliza da previdência social e pode contribuir para o atendimento dos com menos participação.

Anacleto de Oliveira Faria desenvolve conceito de igualdade jurídica. Divide a deinição em três partes: conceito nominalista, conceito idealista e conceito realista de igualdade. Para os nominalistas “o que se encontra no universo é a desigualdade; diferenças naturais e sociais, oriundas da diversidade de ordem física (brancos ou pretos, fortes ou fracos, sãos ou doentes, lúcidos ou deicientes mentais etc.) ou de ordem social (ricos e pobres, governantes e governados)”. Como corolário dessa ordem de coisas, assevera o autor, tem-se a aceitação dos privilégios existentes no mundo ou a justiicação de pretensas superioridades biológicas ou sociais (Do Princípio da Igualdade Jurídica).

No outro extremo, para os idealistas, existe a unidade do ser humano. Para eles não importam as desigualdades físicas ou sociais, defendem uma “igualdade pura e simples, de ordem aritmética, a igualdade da pura unidade repetida, do puro intermutável e do puro homogêneo” (Jacques Maritain), reclamando, outrossim, por consequência, “que a espécie humana se transforme em massa tão indiferenciada quanto possível, repelindo de seu seio, como uma ofensa ou sacrilégio, toda desigualdade qualitativa” (Jacques Maritain).

Finalmente, o conceito realista de igualdade. Ainda repetindo Jacques...

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