Princípio do não improviso

AutorCléber Nilson Amorim Junior
Ocupação do AutorAuditor Fiscal do Trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Maranhão. Especialista em Segurança e Saúde no Trabalho pela Universidade Estácio de Sá
Páginas147-173

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"Os planos bem elaborados levam à fartura, mas a pressa excessiva, à miséria" Provérbios, 21.5

No presente capítulo é apresentada a transição, de forma sintética, da cultura baseada no improviso para a cultura do planejamento, a importância da administração para as organizações, a gestão de segurança e saúde do trabalho como manifestação do princípio do não improviso e a Política Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho como sua consagração institucional no Estado Brasileiro.

6.1. Da improvisação à precisão

Antes de se adentrar o referido postulado no âmbito jurídico, faz-se necessário realizar breve consideração sociológica sobre a nação brasileira neste aspecto.

O sociólogo Sérgio Buarque de Holanda assevera em Raízes do Brasil que "[...] a colonização do Brasil foi promovida pelo espírito do português aventureiro, que exibe a mobilidade e a adaptabilidade, que nega a estabilidade e o planejamento [...]". 247

Os portugueses orientaram prioritariamente a ocupação do Brasil colônia com a instalação de vilas na costa, pois isto facilitava o transporte de mercadorias para o porto e seu envio a Portugal. Prevalecia a intenção aventureira e não de planejamento.

A atitude do colonizador português tinha mais do espírito aventureiro da exploração de riquezas em função também do fato de a coroa portuguesa ter optado pelo sistema das capitanias e ter doado terras aos donatários e pelo surgimento das cidades não se ter dado por uma orientação racional.

Na mesma linha leciona o antropólogo Darcy Ribeiro: 248

A contraparte dialética da intencionalidade do projeto colonial é o caráter anárquico, selvagem e socialmente irresponsável da expansão dos núcleos brasileiros. Atuando sobre uma realidade diferente, que obrigava a buscar soluções próprias ajustadas à sua natureza e agindo longe das vontades oficiais, a ação do colono exerceu-se quase sempre

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improvisadamente e ao sabor das circunstâncias. Sendo imprevisível, ela crescia desgarrada até que, por reiteração, constituísse uma pauta de ação suscetível de ser copiada e regulada. [...] Em muitos campos a regra jamais vingou.

Ainda hoje, e com este ranço histórico, quando se fala com orgulho do jeitinho brasileiro, está-se referindo à improvisação, à crença de que no final, dá tudo certo, ainda corrente, como se isto fosse qualidade de nossa gente e de nossa sociedade. É como se pairasse no inconsciente coletivo do brasileiro uma mentalidade de substituir o conhecimento consciente e elaborado por uma atitude irrefletida, e isso fosse uma vantagem.

Considerando o que foi exposto, retoma-se o cerne do postulado ora em análise, devendo-se registrar, de início, que o lema Planejar para Prevenir adotado atualmente, no plano internacional, para a efetivação do direito do trabalhador à segurança e saúde no trabalho, emerge na contramão do senso comum acima abordado.

Por outro lado, o ensaio Do Mundo da Aproximação ao Universo da Precisão, publicado em 1948, pelo filósofo russo Alexandre Koyré, certamente, lança luzes sobre o assunto estudado. 249

Para o filósofo, os gregos e os romanos, apesar da complexidade refinada de sua cultura, negligenciaram o progresso tecnológico a ponto de detestá-lo. Nos mitos greco-romanos, qualquer herói que tenta introduzir uma inovação é punido, como é o caso dos castigos sofridos por Ícaro, Prometeu, Sísifo e Ulisses.

E continua Koyré, "por mais que nos pareça surpreendente, pode-se edificar templos, palácios e até catedrais, escavar canais e construir pontes, desenvolver a cerâmica e a metalurgia sem possuir nenhum saber científico, ou possuindo somente seus rudimentos".

Por si só, a prática cotidiana do pedreiro ou do carpinteiro, ainda que perfeita, permanece baseada na simples experiência técnica e, desta forma, não se torna tecnologia. Para que isso aconteça, para que se dê o salto de qualidade, é preciso que existam pessoas desligadas da prática, que disponham de um tempo livre do esforço físico e tenham gosto em teorizar, seja através de especulações mentais, seja através de experimentos por intermédio dos quais a natureza é observada.250

Um bom exemplo é Taylor, que nasceu rico, trabalhava por hobby e estudava a organização do trabalho porque era sua paixão. Ele foi o maior importador do racionalismo para o interior dos Estados Unidos e das fábricas.

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Os gregos acreditavam que a precisão era uma característica exclusiva do mundo celeste e, portanto, perfeitamente mensurável através da paciência e da exatidão dos astrônomos. Já o mundo sublunar, isto é, o mundo humano, era dominado pela imprecisão, o acaso e a imprevisibilidade. E, assim, não valia a pena tentar medi-lo, contá-lo, avaliá-lo de forma alguma com a mesma exatidão mate-mática reservada ao mundo sideral.

Somente com Galileu o movimento, o tempo e o espaço serão submetidos a observações sistemáticas, medidos com instrumentos precisos, avaliados através de experimentos pontuais que são a própria encarnação da teoria. Só a partir do século XV a reflexão precederá a ação e a técnica se tornará tecnologia. Os gregos tinham usado a astronomia matemática para medir o céu, e Newton usará a física matemática para medir a Terra. 251

Com Descartes, a teoria penetrará a prática e a guiará. É através do instrumento de medida que a ideia de exatidão se apossa deste mundo e que o mundo da precisão passa a substituir o mundo aproximativo.

Depois de Galileu, Newton e Descartes, a exatidão marchou triunfalmente por trezentos anos e colonizou, aos poucos, os vários campos da ciência e da técnica. A sociedade industrial, encarnação histórica desta marcha, caracteriza-se pelo frenesi da precisão, pela planificação da produção e do consumo, que obedecem a procedimentos específicos nos mínimos detalhes. Por intermédio do cronômetro de Taylor, a precisão conquista a fábrica e a organização espontânea se transforma em administração científica, que, pelas suas peculiaridades e importância para a temática tratada, será abordada de forma detida no próximo item deste capítulo.

Deve-se, ainda, antes de se iniciar a abordagem propriamente dita do postulado apresentado, justificar a sua denominação adotada pelo autor do livro. Ora, por que se adotar a terminologia princípio do não improviso ao invés de princípio do planejamento, por exemplo?

A resposta para a questão tem inspiração no Direito Hebraico. A lei mosaica tem mais que conteúdo religioso. Ela transcende um estilo de linguagem em forma de recomendação para impor limites à ação de fazer ou não fazer como instrumento coercitivo e intimidativo. Daí a norma trazida a lume pelo Legislador do Sinai: "Não matarás. Não adulterarás. Não furtarás."252 Trata-se de um princípio ético convertido em lei, como comando obrigatório, condicionada à responsabilidade da sociedade, à obediência do Estado, à censura e à própria consciência humana, ou, para usar a expressão de Immanuel Kant, ao imperativo categórico.253

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É dessa inspiração que emana a força da denominação aplicada ao princípio apresentado. Pretende-se que a eloquência do estilo de linguagem adotado no Decálogo traduza a essência do conteúdo do princípio. É como se o princípio do não improviso encerrasse um mandamento no âmbito da tutela da segurança e saúde do trabalhador, qual seja: não improvisarás.

Sabe-se que a eficácia negativa exige mais elaboração quando se trata de princípio jurídico, por força dos seus efeitos indeterminados. Nesta modalidade de eficácia jurídica o princípio funciona como barreira de contenção, impedindo que sejam praticados atos ou editadas normas que se oponham ao seu propósito.

O princípio do não improviso é baseado na constatação de que, no campo da atividade preventiva, em termos de segurança e saúde nos locais de trabalho, é considerada improvisada toda atividade que não é fruto de orientação racional, de conhecimento consciente e elaborado, de projeto, que não é planejada, programada, concebida para o fim a que se destina.

6.2. A importância da administração para as organizações

No despontar do século XX, dois engenheiros desenvolveram os primeiros trabalhos a respeito da Administração. Um era americano, Frederick Winslow Taylor, e iniciou a chamada Escola da Administração Científica, preocupada em aumentar a eficiência da indústria por meio da racionalização do trabalho do operário. O outro era europeu, Henri Fayol, e desenvolveu a chamada Teoria Clássica, preocupada em aumentar a eficiência da empresa por meio de sua organização e da aplicação de princípios gerais da administração em bases científicas.

Para Taylor, a organização e a Administração devem ser estudadas e tratadas cientificamente, e não empiricamente. A improvisação deve ceder lugar ao plane-jamento e o empirismo à ciência: a Ciência da Administração. Como pioneiro, o mérito de Taylor reside em sua contribuição para encarar sistematicamente o estudo da organização. O fato de ter sido o primeiro a fazer uma análise completa do trabalho, incluindo tempos e movimentos, a estabelecer padrões de execução, treinar os operários, especializar o pessoal, inclusive o de direção, instalar uma sala de planejamento, em resumo, assumir uma atitude metódica ao analisar e organizar a unidade fundamental de trabalho, adotando esse critério até o topo da organização, tudo isso eleva Taylor a uma altura incomum no campo da organização. 254

Os elementos de aplicação da Administração Científica nos padrões de produção são: padronização de máquinas e ferramentas, métodos e rotinas para

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execução de tarefas e prêmios de produção para incentivar a produtividade. 255

Embora Taylor se preocupasse mais com a filosofia, com a essência da ideia que exige uma revolução mental tanto...

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