Princípio da proibição da proteção deficiente e utilização da Lei n. 12.529/2011 como parâmetros para pedidos do ministério público do trabalho

AutorAfonso de Paula Pinheiro Rocha/Ludiana Carla Braga Façanha Rocha
CargoDoutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza ? UNIFOR/Mestra em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará
Páginas255-271

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Introdução

Este estudo objetiva propor uma possível utilização dos parâmetros punitivos da Lei n. 12.529/2011, que estabelecem reprimendas às infrações à ordem econômica, como critérios de balizamento para a fixação do dano moral coletivo trabalhista.

Buscar-se-á demonstrar que as situações para as quais se pretende a reparação via dano moral coletivo guardam uma similitude ontológica com as infrações à ordem econômica, o que permite uma construção interpretativa que aponta para adoção dos critérios de penalidades às infrações à ordem econômica para a fixação do dano moral coletivo.

Assim, objetiva-se adicionar mais um elemento aos critérios já utilizados pela jurisprudência — parâmetros como a natureza e extensão do dano; o grau de culpa do agente; o porte da empresa; o agravo imposto às vítimas; o caráter pedagógico do dano — com a vantagem de ser um critério legal expresso para fins de aferição da razoabilidade do ano aplicável.

Demonstrar-se-á que adoção de tal critério como fundamento permite ainda o aproveitamento de penalidades não pecuniárias expressas na Lei n. 12.529/2011 que pode ser útil à maior efetividade dos provimentos jurisdicionais.

Essa construção interpretativa inicia por uma análise dos princípios constitucionais da atividade econômica, passa por um estudo dos efeitos econômicos da utilização de trabalho em condições degradantes ou análogo à condição de escravo e conclui por uma similaridade das racionalidades que informam a tutela do trabalho e a tutela da ordem econômica.

1. O valor social do trabalho, ordem econômica e princípio da proibição da proteção deficiente — possibilidade de aplicação dos preceitos da Lei n 12.529/2011 como parâmetros a violações trabalhistas

De acordo com o art. 1°, inciso IV, da Constituição Federal, são fundamentos do estado brasileiro "os valores sociais do trabalho e da livre-

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-iniciativa". Além disso, segundo o art. 170 da Lei Maior, a ordem econômica encontra-se "fundada na valorização do trabalho humano e na livre--iniciativa", e tem por fim "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social".

Da mesma forma, a "função social da propriedade" é também uma referência indireta ao valor trabalho, pois exige a compatibilização da propriedade privada com os interesses coletivos da sociedade e dos trabalhadores. Nesse particular, o art. 183 da CF/1988 é claro ao enunciar que a propriedade privada atenderá à sua função social apenas quando forem observadas "as disposições que regulam as relações de trabalho"(inciso III).

Embora pouco citado, o art. 219 da CF/1988 declara expressamente que "[o] mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população...". Assim, o próprio mercado entendido como o espaço onde ocorrem as trocas e o exercício das atividades econômicas guarda uma relação umbilical com o desenvolvimento socioeconômico, o que perpassa pelo patamar civilizatório mínimo de condições decentes de trabalho.

Logo, o trabalho realizado em condições dignas é elemento da ordem econômica e mesmo da base do sistema econômico fundado no reconhecimento da propriedade privada atrelada a uma função social.

Esta premissa de pensamento, de uma garantia de dignidade aos direitos fundamentais trabalhistas, resta refletida na bela lição de Oscar Uriarte:

Faço um resumo sobre esta primeira parte: do significado e efeitos da constitucionalidade dos direitos trabalhistas: 1°) importância e valorização dos direitos trabalhistas reconhecidos na Constituição; 2°) se estão na Constituição como direitos fundamentais, pertencem à mais alta hierarquia da ordem jurídica nacional; 3°) são de aplicação imediata, direitos autoaplicáveis; 4°) estão supraordenados ao legislador ordinário. São intangíveis, não alcançáveis pelo legislador ordinário, pela autonomia coletiva, pela autonomia individual. Como disse um autor espanhol, são resistentes ao legislador ordinário. Por isso mesmo, podem funcionar como limite à desregulação e à flexibilização.

Se esses são, além disso, direitos humanos fundamentais, reconhecidos no mais alto nível, deveriam ser a base para desenvolver um pensamento fundado em direito. Estes direitos são a essência da nossa comunidade social e jurídica e, portanto, nosso raciocínio deve partir de seus direitos e procurar potencializá-los, não limitá-los, porque são

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os que nós mesmos acordamos na Constituição como os fundamentais, os inerentes à pessoa humana, e eles têm, historicamente hoje, uma tendência expansiva, de extensão, que já referimos.1

Esse aspecto dos direitos fundamentais de progressiva efetivação não se direciona apenas ao legislador ordinário, mas também a todos os órgãos estatais, uma vez que se trata de compromissos inerentes ao próprio pacto social, representado pela Constituição Federal.

Logo, se todos os direitos fundamentais se encontram em um patamar de igualdade, todos devem ser destinatários do maior padrão de proteção social possível. Dentro dessa lógica, ganha destaque a evolução na concepção do princípio de hermenêutica constitucional no aspecto de proibição da proteção deficiente. Na lição de Lenio Strek:

Assim, é possível afirmar, com base em doutrina que vem se firmando nos últimos anos, que a estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para a perspectiva de um garantismo negativo (proteção contra os excessos do Estado), e, sim, também para uma espécie de garantismo positivo, momento em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso em que estar-se-á em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de "proibição de proteção deficiente" (Untermassverbot). A proibição de proteção deficiente, explica Bernal Pulido, pode definir-se como um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, com cuja aplicação pode determinar-se se um ato estatal — por antonomásia, uma omissão — viola um direito fundamental de proteção.

Ter-se-ia então uma espécie de dupla face de proteção dos direitos fundamentais: a proteção positiva e a proteção contra omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, como também por deficiência na proteção. Assim, por exemplo, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental (nas suas diversas dimensões), como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos.2

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Dessa lição, é corolário que a ordem jurídica não pode discriminar direitos fundamentais de igual hierarquia. Não se está a dizer que distintos direitos fundamentais não possam ter formas diferenciadas de proteção dadas suas peculiaridades, mas que a intensidade da resposta estatal aos vários tipos de violação deve ter uma intensidade equivalente.

Fixada essa premissa, cumpre destacar que a Lei n. 12.529/2011 é decorrente do comando constitucional inserto no art. 173, § 4°, da CF/1988 e objetiva a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. O art. 36 da referida lei aponta que se configuram como ilícitos à ordem econômica:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I — limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre-concorrência ou a livre-iniciativa; (...).

Percebe-se que as situações de violações graves de direitos fundamentais trabalhistas e situações de violação sistemática a direitos trabalhistas, as quais usualmente são tuteladas pelo Ministério Público do Trabalho por meio de pleitos de Dano Moral Coletivo, são inegavelmente violações à ordem econômica, seja pelo aspecto do valor social do trabalho ser fundamento da ordem econômica, seja porque esses tipos de violações sistemáticas têm potencialidade de prejudicar a livre-concorrência na medida em que reduzem custos produtivos de forma abusiva mediante o descumprimento da legislação laboral, logo ganha vantagem competitiva indevida em face das empresas que respeitam as normas laborais.

Impende ressaltar que a preocupação em tutelar a ordem econômica e a concorrência levou o legislador a adotar termos vagos que demandam uma interpretação ampliativa na tutela de situações potencialmente lesivas.

Referencia-se a precisa lição de Ivo Gico Jr. em análise da interpretação do art. 20 da Lei n. 8.884/1994 (atualmente art. 36 da Lei n. 12.529/2011):

... a expressão "os atos sob qualquer forma manifestados" informa de maneira clara e irrefutável a inexistência de requisito formal intrínseco para a caracterização de uma conduta como anticompetitiva, qualquer ato, independentemente da forma, pode ser considerado uma infração. [...] Além disso, o art. 20 deixa claro que, uma vez identificada uma ação

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do sujeito investigado, sua caracterização como infração independe da forma como o ato se materializou.3

A desobediência a normas legais e administrativas de regência de uma determinada...

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