O princípio da irreversilidade dos direitos fundamentais sociais

AutorWagner de Oliveira Pierotti
Ocupação do AutorMestre em Direito Constitucional pela ITE
Páginas131-144

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Nossa Constituição Federal, assim como a Constituição portuguesa, deve ser vista como “ordem quadro” e “ordem fundamental”. A distinção entre os dois conceitos acima não é absoluta, mas relativa, no dizer da autora portuguesa Cristina Queiroz1, citando o autor alemão Robert Alexy2:

  1. Primeiro: a constituição não contém em absoluto mandatos ou proibições substanciais que restrinjam as competências do legislador. Desde que o legislador respeite as prescrições constitucionais de competência, procedimento e forma, este encontra-se habilitado a tudo. Estamos aqui em presença do chamado “modelo puramente procedimental” de constituição. Neste, por definição, a constituição não se apresenta como “ordem material”.
    b) Segundo: a contrapartida do “modelo procedimental” é a do “modelo puramente material” de constituição. Nesse modelo, a constituição contém um mandato ou proibição para cada imaginável do legislador. Trata-se, como Alexy o esclarece, de um conceito de constituição como “ovo jurídico originário”. É que, devido à “pressão constitucional de optimização”, se eliminaria a “liberdade de configuração política do legislador”. Uma cir-

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cunstância incompatível com os princípios do Estado de Direito e da divisão de poderes. Quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo, que daria eliminada a “margem de ação legislativa”.

Com efeito, os dois modelos acima identificados como modelo puramente procedimental e o modelo puramente material, há ainda um terceiro modelo, denominado por Robert Alexy, citado por Cristina Queiroz, da distinção entre a “margem de ação estrutural” e a “margem de ação epistêmica”. A margem de ação estrutural consiste naquilo que, em razão dos limites, a constituição ordena ou proíbe definitivamente. A margem de ação estrutural, por seu turno, diz respeito às normas que a constituição não ordena e nem proíbe.

O que se vê, afinal, é que a discricionariedade acaba definindo “a margem de ação do legislador”, as decisões que ele pode adotar.

Neste quadro, Cristina Queiroz, assim resume a questão:

– o que resulta “ordenado” pela constituição mostra-se constitucionalmente necessário;
– o que resulta “proibido” pela constituição mostra-se “impossível”; e
– o que a constituição confia à “discricionariedade” do legislador mostra-se tão só constitucionalmente “possível”, isto é, não resulta nem necessário nem impossível.

A questão que se coloca agora é saber se os direitos fundamentais sociais podem ser construídos como posições subjetivas jus fundamentais de natureza prestacional como ocorria com os direitos individuais. Com efeito, o destinatário de alguns dos direitos fundamentais sociais não é unicamente o Estado, mas a generalidade dos cidadãos.

Insta mencionar que o direito à prestação em sentido material, corresponde às posições jurídicas jus fundamentais que se traduzem numa prestação em sentido positivo, sem consideração do ordenamento jurídico infraconstitucional. É uma ação de

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Estado, quer esta se consubstancie numa lei, num ato administrativo ou numa simples ação fática.

Com efeito, os direitos à educação, à segurança social ou à proteção da saúde não se apresentam como concessões do legislador. Constituem deveres positivos, deveres de proteção e dever de ação, que decorrem de imperativos constitucionais.

Neste sentido, alguns países optaram por inscrever os direitos fundamentais sociais numa declaração de direitos sem efeito jurídico vinculante. Por outro lado, alguns optaram por instituílos como princípios diretivos de política econômica e social, isto é, basicamente, como políticas públicas de implementação desses direitos e liberdades jus fundamentais.

Em prosseguimento, existe a diferenciação entre normas de ação e normas de controle.

Então, a partir desta divergência é que se abstrai a diferenciação entre as normas de ação, que são normas que dizem o que se encontram proibido e o que se encontra ordenado ao legislador e normas de controle, que são normas nas quais os Tribunais controlam o legislador.

Referida distinção entre as normas de ação e normas de controle apresenta a circunstância de uma mesma norma constitucional apresentar-se similitude com as normas de ação para o legislador e normas de controle para os Tribunais encarregados de exercer o controle das referidas normas, verificando-se, assim, duas funções distintas das normas.

Daí surgem os problemas ligados à delimitação de direitos e as margens de ação de que goza o legislador.

No que diz à margem de ação estrutural, Robert Alexy aduz que no quadro da liberdade de ação do legislador se compreende a determinação dos fins para intervenção no direito fundamental.

E quanto à margem de ação do legislador, afirma ele3: que esta ocorre quando as normas de direito fundamental não só proíbem certas intervenções legislativas como também orde-

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nam a execução de algumas condutas positivas, designadamente quando se trata de “deveres de proteção”. Essa margem para a escolha de meios deriva da estrutura dos “deveres positivos”.

Ainda acerca da irreversibilidade dos direitos fundamentais sociais, cabe primeiro distinguir os direitos constitucionais dos direitos legais.

É que, do ponto de vista constitucional, estão presentes o princípio da universalidade e igualdade formal. Ou seja, deve definir-se o conteúdo do direito e o universo a que este deve ser garantido, para além do nível, em certo sentido quantitativo, no qual o direito deve resultar protegido.

Cabe acrescentar, outrossim, que os direitos fundamentais sociais possam ser compreendidos como as chamadas normas programáticas, ou normas diretivas ou mesmo simples apelos do legislador. Porém, a realização desses direitos não depende da institucionalização de uma ordem jurídica nem tão pouco de uma mera decisão política, mas sim de uma conquista de ordem social em que impere uma justa distribuição dos bens, a qual só poderá ser alcançada de modo progressivo.

Conforme sustentado por Jorge Miranda4: ainda que se compreenda na disponibilidade do legislador modificar um regime jurídico, não estará já na sua disponibilidade subtrair supervenientemente a uma norma constitucional a exeqüibilidade que esta tenha, entretanto, adquirido.

Pertinente, ainda, transcrever o decidido pelo Tribunal Constitucional português no Acórdão nº 509/2002:

[...] neste sentido, sem perda do poder de conformação autônomo reconhecido ao legislador em Estado de Direito democrático, a partir e à medida que, de acordo com as suas disponibili-

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dades financeiras, o Estado vai realizando esses direitos sociais e dando cumprimento às imposições constitucionais e deveres de prestação que deles decorrem, deixa de dispor livremente do grau e medida...

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