Princípio da instrução do trabalhador

AutorCléber Nilson Amorim Junior
Ocupação do AutorAuditor Fiscal do Trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Maranhão. Especialista em Segurança e Saúde no Trabalho pela Universidade Estácio de Sá
Páginas120-146

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"O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento." Oseias, 4.6

O princípio da instrução do trabalhador tem como finalidade impelir o empregador a responsabilizar-se por informar os seus trabalhadores, de maneira compreensível, dos perigos relacionados com o seu trabalho e de disponibilizar-lhes programas apropriados de formação e instruções claras em matéria de saúde e segurança, assim como em relação às tarefas que lhes são atribuídas.

No presente capítulo são apresentados a divisão social do trabalho a partir do modo de produção capitalista, em que um de seus subprodutos é a alienação do trabalhador do processo produtivo, as consequências trazidas por esta nova forma de organização econômico-social e o trabalho como princípio educativo, do qual decorre o princípio da instrução do trabalhador e a necessidade de sua efetivação prática.

5.1. Trabalho na sociedade capitalista e alienação

Inicia-se a abordagem deste tópico com o significado dado ao vocábulo "instrução", pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: "[...] ato ou efeito de instruir(-se); transmissão de conhecimento ou formação de determinada habilidade; ensino, treinamento; educação formal, fornecida por estabelecimentos de ensino; corpo de conhecimentos adquiridos; cultura, educação, erudição; explicação (sobre o uso de algo ou para a realização de algo); ordem, prescrição (tb.us. no pl.)".194

Neste esteio, exsurge o sentido do termo informar, delinear, conceber ideia, dar forma ou moldar na mente, instruir, treinar, capacitar, habilitar, qualificar.

Em sentido contrário, é a alienação, que significa: "[...] ato ou efeito de alienar(-se); alheação, alheamento, alienamento; Rubrica: termo jurídico. Transferência para outra pessoa de um bem ou direito; estado resultante do abandono ou privação de um direito natural; Rubrica: filosofia. No hegelianismo, processo em que a consciência se torna estranha a si mesma, afastada de sua real natureza; Rubrica: filosofia. No marxismo, processo em que o ser humano se afasta de sua real natureza, torna-se estranho a si mesmo, pois os objetos que produz passam

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a adquirir existência independente do seu poder e antagônica aos seus interesses; Derivação: por extensão de sentido. Uso: informal. Indiferença aos problemas políticos e sociais." 195 Registre-se que a alienação não se adstringe ao mundo teórico, mas se manifesta na vida real do homem, na maneira pela qual, a partir da divisão do trabalho, o produto do seu trabalho deixa de lhe pertencer.

Fixados estes conceitos, passa-se à uma breve síntese histórica do mundo do trabalho.

Nos sistemas domésticos de manufatura era comum o trabalhador conhecer todas as etapas da produção, inclusive a de projeto do produto. A partir da implantação do sistema fabril, no entanto, isso não será mais possível, devido à crescente complexidade resultante da divisão do trabalho. Chama-se dicotomia concepção/execução do trabalho justamente o processo pelo qual um grupo de pessoas concebe, cria, inventa o que vai ser produzido, inclusive a maneira como vai ser produzido, e outro grupo é obrigado à simples execução do trabalho, sempre parcelado, pois a cada um cabe uma parte do processo.

Essa divisão foi intensificada no início do século XX, quando Henry Ford introduziu o sistema de linha de montagem na indústria automobilística. O homem é reduzido a gestos mecânicos, tornado esquizofrênico pelo parcelamento das tarefas, como retrata Chaplin em Tempos Modernos.

Enquanto prevalecem as funções divididas do homem que pensa e do homem que executa, permanece a alienação na produção, pois permanecerá a ideia de que só alguns sabem e devem saber e, portanto, decidem, e a maioria nada sabe, é incompetente e obedece. 196

Na manufatura, o trabalhador coletivo e, por conseguinte, o capital, só pode enriquecer-se em força produtiva social se o trabalhador se empobrece em forças produtivas individuais. A ignorância é a mãe da indústria como da superstição. A reflexão e a imaginação são sujeitas ao erro, mas o hábito de mexer o pé ou a mão não depende nem de uma, nem de outra. Assim, pode-se dizer que, em relação às manufaturas, a perfeição consiste em não precisar da inteligência de modo que a oficina possa ser considerada como uma máquina, cujas partes seriam homens.197

Segundo Adam Smith, a mente da maioria dos homens desenvolve-se, necessariamente, de e por suas ocupações costumeiras. Um homem que passa toda a vida a executar algumas operações simples não tem oportunidade de usar a inteligência. Torna-se em geral tão estúpido e tão ignorante quanto possa tornar-se

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uma criatura humana. Ademais, a uniformidade de sua vida estacionária corrompe-lhe também a coragem, destrói-lhe até a energia do corpo e torna-o incapaz de usar sua força, com vigor e perseverança, a não ser na ocupação fragmentada à qual foi destinado.198

Sendo assim, Adam Smith recomenda a instrução popular obrigatória para impedir o definhamento completo da massa operária, mas em doses homeopáticas. Em sentido contrário, G. Garnier assevera que, se ela fosse introduzida, todo o sistema social da época seria abolido, pois entende que a instrução popular é contrária à divisão do trabalho. E segue o seu raciocínio, como todas as outras divisões do trabalho, a que existe entre trabalho mecânico e trabalho intelectual vai-se acentuando de modo mais nítido à medida que a sociedade caminha para um estágio mais opulento. Esta divisão do trabalho, como as que lhe precederam, é efeito dos progressos passados e causa dos progressos futuros. Desta forma, deveria então o governo procurar contrariar essa divisão do trabalho e atrasar-lhe a marcha natural? Deveria empregar uma parte da receita pública para tentar confundir e misturar duas classes de trabalho que tendem a se separar por si mesmas?

Um definhamento intelectual e físico é inseparável da divisão do trabalho na sociedade em geral. Mas, como o período manufatureiro leva bem mais longe esta cisão social entre espécies de trabalho e atinge, só por meio da divisão que lhe é própria, a raiz da vida do indivíduo, é esse período que, primeiramente, fornece a ideia e a matéria da patologia industrial, que encontra em Ramazzini sua expressão maior com a obra De morbus artificum diatriba, publicada em 1700.199

Num momento posterior, na fábrica, constata-se que todo trabalho aí desenvolvido com máquinas exige, do trabalhador, uma aprendizagem precoce, para que ele saiba adaptar seu próprio movimento ao movimento uniforme e contínuo do autômato. Enquanto o conjunto da maquinaria constituir por si só um sistema de máquinas diferentes, combinadas e funcionando ao mesmo tempo, a cooperação à qual ele serve de base exige que os diferentes grupos de trabalhadores sejam distribuídos pelas diversas máquinas.

Todavia, já não há mais necessidade, como na manufatura, de dar forma definitiva a essa distribuição, condenando sempre os mesmos trabalhadores às mesmas funções. Como o movimento de conjunto de fábrica parte não do operário, mas da máquina, o pessoal pode mudar constantemente sem que haja interrupção do processo de trabalho.

Desta forma, a rapidez com que as crianças aprendem a trabalhar com as máquinas suprime a necessidade de formar especialmente classes de operários

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para esse trabalho. Quanto aos serviços executados pelos trabalhadores manuais, podem ser feitos, parcialmente, por máquinas.

Um exemplo desta última situação são os diferentes aparelhos mecânicos que foram introduzidos, desde a Lei de 1844, nos lanifícios para substituir o trabalho das crianças. Se os filhos dos senhores fabricantes também fossem obrigados a frequentar a escola de ajudantes de fábrica, esse domínio quase inexplorado da mecânica tomaria notável impulso.

Os teares automáticos são máquinas perigosas. A maioria dos acidentes atingem as crianças porque elas, com as máquinas em movimento, passam por baixo para limpar o chão. Na época, os inspetores moveram processos judiciais contra certos fiscais e condenaram-nos por infrações desse tipo, mas sem conseguir mudança efetiva. Se os construtores inventassem uma vassoura automática que evitasse essa tarefa perigosa para as crianças, estariam contribuindo de modo significativo para as medidas de proteção da sua saúde e segurança.200

Deve-se considerar, ainda, que a tecnologia capitalista e a divisão capitalista do trabalho não se desenvolveram por causa da sua eficácia produtiva em si, mas em razão da sua eficácia no contexto do trabalho alienado e forçado, em virtude de um trabalho dominado por um objetivo que lhe era desconhecido. As técnicas capitalistas não visavam maximizar a produção e a produtividade em geral de trabalhadores quaisquer, mas eram concebidas a fim de maximizar a produtividade para o capital de trabalhadores que não tinham razão alguma para se empenharem em suas atividades, já que os objetivos de sua produção lhes eram ditados por vontade inimiga.

Sendo assim, para obrigá-los a dobrarem-se a essa vontade, era preciso que eles perdessem não somente a propriedade dos meios de produção, mas também, e, na medida do possível, o controle sobre o funcionamento desses meios. O poder do trabalhador, representado pela sua habilidade, pelo seu conhecimento profissional, pelo seu know-how, assegurando o funcionamento das máquinas, sem o auxílio de um enquadramento hierárquico, escalonado através de técnicos, engenheiros, profissionais da manutenção e preparadores, é perdido no meio da dinâmica dessas interpostas pessoas. Tais pessoas, na fábrica, têm a função de subtrair o controle operário às condições e às modalidades do funcionamento das máquinas, tornando a função de controle uma função separada...

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