O princípio da dignidade da pessoa humana

AutorANNA LUCIA MALERBI DE CASTRO
Páginas83-115
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5. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA
5.1 Uma reflexão sobre os direitos humanos ao longo do
seu percurso histórico: visão de Matthias Kaufmann
A temática dos direitos humanos é pressuposto essencial
para, depois, adentrarmos no estudo do princípio da dignida-
de da pessoa humana.
Entendemos com Matthias Kaufmann,135 filósofo-político
da atualidade, referência obrigatória no percurso das discus-
sões filosóficas do direito, política, direitos humanos e bioéti-
ca, que como ponto de partida para análise do que se consti-
tui, afinal, direitos humanos, devemos buscar o pensamento
clássico social e político e ir até as tormentosas questões con-
temporâneas da modernidade, para nos colocarmos, peremp-
toriamente, em defesa dos direitos humanos e, concluirmos
sobre sua superioridade absoluta sobre quaisquer outros di-
reitos ou critérios de justiça.
Kaufmann inicia seu discurso assinalando que: “Os ho-
mens erguem palácios e monumentos aos direitos humanos,
135. KAUFMANN, Matthias. Em defesa dos direitos humanos: considerações históri-
cas e de princípio. Tradução de Rainer Patriota. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2013.
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ANNA LUCIA MALERBI DE CASTRO
dedicam ruas aos direitos humanos [...] passam por cima dos
direitos humanos.”136
Não nos resta dúvida que o homem e seu reconhecimento
universal na exigência de respeito à igualdade, independente-
mente de raça, classe social, etnia, religião, constituiu marco
histórico da maior relevância e que nos tempos hodiernos ain-
da é um desafio para a filosofia e para o direito.
Foi no período axial (que inclui os séculos VIII até II a.C.)
que, ineditamente, o ser humano passou a ser considerado como
dotado de liberdade e razão, lançando-se, pois, os fundamentos
intelectuais para a compreensão da pessoa humana e respecti-
vos direitos a ela inerentes, universalmente reconhecidos.
A justificativa científica da dignidade humana veio a lume
com o processo de evolução dos seres vivos exposto por Charles
Darwin. Prosseguiu o curso das descobertas, sendo certo que o ser
humano ocupa o topo da cadeia evolutiva das espécies vivas, sen-
do a dinâmica desse processo organizada em função do homem.
Na atual fase histórica, há proeminência do aspecto cul-
tural sobre o natural da espécie humana. A partir da lingua-
gem, marco decisivo que remonta há cerca de 40.000 anos,
deu-se impulso gigantesco ao que Fábio Konder Comparato137
chama de “hominização” da Terra, pelo qual o homem passou
a ser independente e cônscio do mundo ao seu redor e de si
mesmo. Essa concepção está expressa em discurso humanista
proferido por Giovanni Pico de Mirandola.
Os direitos humanos − nos sistemas normativos e de pro-
fissão de fé, inseridos parcialmente em ambos − são, ao mes-
mo tempo, proclamados e violados.
Verdadeiro clamor a favor da hipocrisia, nas mais va-
riadas vezes, as normas jurídicas (unidades integrantes do
136. KAUFMANN, Matthias. Em defesa dos direitos humanos: considerações históri-
cas e de princípio, cit., p. 11.
137. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 6.
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O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
E A NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA
direito positivo) são utilizadas para regular condutas huma-
nas, orientando os comportamentos para o campo da licitude,
permitindo a convivência em sociedade. Dentre as funções
sociais das profissões de fé, há uma proposta de plano comum
de entendimento e consenso. A hipocrisia reside no fato de
que, embora haja quem leve esses propósitos a sério, boa par-
te apenas diz que os cumprem, criando uma falsa imagem de
moralidade, ética e eficácia do sistema jurídico.
Assim, à evidência, a fé religiosa e a chamada “luta pelos
direitos humanos” em muitas ocasiões são abusivamente uti-
lizadas para fins de domínio político.
A problemática acerca da ameaça aos direitos humanos,
intensificada desde as décadas iniciais do século XXI, está
justamente no fato de que muitos ignoram esses direitos ou,
pior, não lhes dão a devida importância.
São exemplos a China e países árabes, onde os direitos de li-
berdade de opinião e imprensa não existem, fundamentando sua
crítica aos direitos humanos porque são contingentes e têm por
fundamento a proteção burguesa de privilégios e propriedade.
Os direitos humanos, na sua acepção hodierna, remon-
tam mais ao direito da Igreja do século XII e à “querela da
pobreza” do século XIV, do que ao capitalismo.
Foi absolutamente nuclear seu desenvolvimento poste-
rior, qual seja, a conexão com a primeira forma de economia
global, juridicidade e moralidade: jusnaturalismo do século
XVI (justificativa da colonização da América do Sul e do es-
cravismo). Daí a importância de debate dos direitos natural e
racional (séculos XVII e XVIII).
A reflexão sistemática nos faz distinguir os tipos de direitos
humanos, obedecendo à sucessão cronológica, e ver quais os meca-
nismos de fundamentação desses direitos. Na Europa e na América
não mais se entendem esses direitos com base no princípio cristão,
de validade universal. É preciso perquirir outro caminho referen-
cial à natureza humana e sua conexão com a dignidade humana
(debates no campo da medicina: ética, pesquisa de embriões etc.).

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