O princípio da boa-fé

AutorAmérico Plá Rodriguez
Páginas415-433

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221. Plano

Este princípio não costuma ser incluído nas enumerações dos princípios de Direito do Trabalho. Mais freqüente é encontrar referência a outro princípio com o qual tem certa vinculação. Referimo-nos ao princípio do rendimento, que é mencionado por vários autores599. Cremos que não convém expor tal princípio como independente, posto que se submete e ubica com outro de alcance mais amplo, como é o da boa-fé.

Propomos demonstrar brevemente por que descartamos o princípio do rendimento para a seguir expor as razões pelas quais nos inclinamos pelo princípio da boa-fé, desenvolvendo depois o alcance e significado deste princípio.

1°) O princípio do rendimento
222. Noção

o princípio do rendimento tem sido mencionado por vários autores, mas nem todos eles coincidem em atribuir-lhe exatamente o mesmo significado.

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Por isso, vamos descrever as notas e alcance atribuídos em conjunto a este princípio pelos diversos autores e que constituem como que um denominador mínimo comum, com o qual concordam todos os partidários deste princípio. Parece-nos mais útil esse sistema do que o resumo da exposição individual de cada autor.

Quanto à noção, entendemos que este princípio consiste fundamentalmente na afirmação de que ambas as partes devem realizar o máximo esforço para aumentar, incrementar e impulsionar a produção nacionaL na parte que dependa da empresa.
Como se vê, ê um princípio que se apresenta como complementar - oUI melhor dizendol compensatório - dos demais princípios que, de uma maneira ou de outral tendem a contemplar ou a efetivar a proteção do trabalhador600 Todo o Direito do Trabalho procura substancialmente compensarl com uma desigualdadejurídica favoráveL a desigualdade econômica existente em prejuízo do trabalhado601. E esse princípio adquire, de certo modo, o sentido de uma condição, de uma razão de ser, de umajustificação da existência de outros princípios.

Porêm esse princípio tem, tambêm, a particularidade de que não fica isolado ou circunscrito ao ãmbito do Direito do Trabalho. Ao contrário, transcende-o para vincular o trabalho com o aumento da produção nacional. Incorpora-se assim a posição e o esforço de cada trabalhador e de cada empresário a um empreendimento nacional de alcance muito maior, como ê o relativo ao aumento da produção global do país. Daí assinalar-se que justamente atravês desse princípio se entrelaça o trabalhista com o econômico.

Precisando um pouco mais seu alcance foi dito que esse principio, como abrange tanto os trabalhadores como os empregadores - já que ambos ficam obrigados a fazer o máximo esforço nessa direção -, implica finalmente um sentido aglutinante e unificador; não tende a contrapor, e nem mesmo a distanciar as partes do contrato de trabalho, senão justamente o contrário: tende a levá-Ias a conjugar seus esforços em idêntica orientação que, no fim, beneficia não apenas a comunidade em seu conjunto, mas também a cada integrante da empre-

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sa em particular, ao tempo em que consolida a fonte de trabalho e de ocupação.

Nessa ordem de aprimoramento do conceito, nota-se que, a rigor, não se refere ele à produção, mas à produtividade. Em outras palavras, procura-se frisar o dever de aumentar não tanto o resultado global- que é determinado por múltiplos fatores que escapam ao controle das partes - como a eficácia dos esforços realizados em função dos meios utilizados. É um tema pertinente à proporcionalidade entre o esforço e o resultado, mais do que uma simples quantificação dos resultados, do que resulta seu alcance ser mais qualitativo do que quantitativo.

223. Conseqüências

Partindo porém dessas premissas, as conseqüências práticas desse princípio se aplicam fundamentalmente ao trabalhador, ainda que, por bilateralidade da relação, tenha, inevitavelmente, uma repercussão no empregador.

Em primeiro lugar, determina uma obrigação do trabalhador de aplicar suas energias normais no cumprimento das tarefas ordenadas, ou seja, determina um nível mínimo de rendimento abaixo do qual se estaria violando o contrato. Por elástico e imprecíso que seja esse nível, o certo ê que marca um critério que pode servir de ponto de referência para determinar se se configurou ou não uma violação contratual.

Em segundo lugar, invoca-se esse princípio para negar vali-dade a certas formas de luta operária, ou de ação sindical, que importam em diminuição do rendimento normal. O exemplo mais típico é o trabalho com falta de aplicação, no qual o trabalhador diminui intencionalmente a intensidade de seu labor como meio de pressão, seja frente ao empregador, seja frente ao sindicato patronal, seja frente ao próprio Estado. Há também outros meios de luta, que têm em comum o fato de constituírem formas de trabalho irregular ou anômalo, que produzem igual resultado diminuidor. Todas elas estariam abrangidas por esta proibição inserta no principio.

Em terceiro lugar, esse princípio inspira e legitima diversos sistemas de retribuição. De início, todas as formas de salário por peças ou por tarefas, ou de remuneração por empreitada; mas tam-

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bém todas aquelas que procuram incentivar o trabalhador para que aumente o produto do seu esforço. Refiro-me, por exemplo, à imensa gama de sistemas de prêmios que, de uma maneira ou de outra, estejam destinados a premiar e estimular a produtividade, a quali-dade, a velocidade da produção, a economia dos materiais, etc.

Procuramos resumir objetivamente o sentido, o alcance e as conseqüências que se atribuem ao princípio de rendimento, por parte dos autores que o reconhecem como tal.

224. Impugnação

Vejamos agora as razões pelas quais entendemos não ser possível admitir esse princípio, ainda que muitas das idéias que acabamos de resumir sejam corretas e delas possamos compartilhar.

A primeira é que, tal como se apresenta, possui um alcance limitado, ou seja, em referência exclusivamente àquelas atividades vinculadas à produção nacional. Sabemos que o Direito do Trabalho se aplica em todos os casos em que haja uma relação de trabalho subordinado; por isso, para que um princípio mereça realmente tal qualificativo, deve ser aplicável a toda espêcie de relações e não somente às que pertençam a deter-minado setor.

A segunda é que geralmente esse princípio se vincula a uma motivação de caráter patriótico, para não dizer político, isto é, os autores que expuseram esse princípio costumam pertencer a países onde existem normas gerais, de hierarquia constitucional ou similar, nas quais se afirma a obrigação genérica de todo habitante de contribuir para o esforço coletivo. Este ingrediente político re-vela que, mais que um princípio próprio do Direito do Trabalho, parece ser a projeção, no campo trabalhista, de um princípio geral muito mais genérico, mas que por ser de natureza política está im pregnado de circunstancialidade602

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A terceira é que, mais do que um princípio autônomo, aparece como a contrapartida, como contrapeso, como a compensação de outros principias que, eles sim, justificaram o Direito do Trabalho. Afinal cada um dos autênticos princípios do Direito do Trabalho teria que servir para justificar a existência deste ramo autônomo do direito, ou seja, qualquer deles deveria bastar, por si só, para explicar a razão de ser da nossa disciplina. Não cremos que alguém possa pensar que esse princípio do rendimento tenha tal hierarquia, suficiente parajustificar nosso ramo do direito. Invariavelmente ele ê apresentado depois de terem sido expostos outros e sempre atribuindose-lhe, de uma maneira ou de outra, um significado compensatôrio e secundário.

A quarta razão é que, dentro do conjunto dos principias normalmente propostos, que guardam uma estreita conexáo, apesar de sua diversidade e variedade de expressôes, este parece revestir o caráter de um corpo estranho. Com maior ou menor clareza todos os outros princípios buscam proteger o trabalhador. Por isso, há quem os reduza todos a um único principio protetor. Em troca, esse principio tem outra origem: não objetiva proteger o trabalhador, mas a comunidade, even-tualmente prejudicada pela conduta do trabalhador.

A quinta razão é que, embora teoricamente se anuncie abrangendo tanto a necessidade do esforço do trabalhador, como do empregador, na prática, quando se vão concretizar as conseqüências, tudo se reduz a uma sêrie de obrigaçôes a cargo do trabalhador603. Tanto por essa projeção unilateral como por essa repercussão meramente obrigacional, parece que a parcela de verdade ou de acerto que se encerra na menção desse princípio poderia ser recolhida dentro de um enunciado mais geral e adequado, que é o que tencionamos fazer.

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2°) O princípio da boa-fé
225. Importância

Na realidade, se se acredita que há obrigação de ter rendimento no trabalho, é porque se parte da suposição de que o trabalhador deve cumprir seu contrato de boa-fé e entre as exigências da mesma se encontra a de colocar o empenho normal no cumprimento da tarefa determinada604.

Mas ao mesmo tempo essa obrigação de boa-fé alcança, ainda assim, o empregador, que também deve cumprir lealmente suas obrigações.

Ambas as partes são abrangidas pela norma contida no inciso 2 do art. 1.291 do Código Civil, segundo a qual todos os contratos "devem executar-se de boa-fé e, por conseguinte, obrigam não apenas ao que neles se expressa, mas a todas as conseqüências que, segundo sua natureza, sejam conformes à eqüidade, ao uso ou à lei".

Como diz Nelson Nicoliello605, a boa-fé aparece presidindo à contratação e, portanto...

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