Princípio da adaptação do trabalho ao trabalhador

AutorCléber Nilson Amorim Junior
Ocupação do AutorAuditor Fiscal do Trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Maranhão. Especialista em Segurança e Saúde no Trabalho pela Universidade Estácio de Sá
Páginas196-222

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"Melhor é a mão cheia com descanso do que ambas as mãos cheias com trabalho e aflição de espírito". Eclesiastes, 4.6

O princípio da adaptação do trabalho ao trabalhador é apresentado neste capítulo partindo-se de um breve histórico das condições de trabalho do operário na Revolução Industrial até se chegar, num período posterior, ao nascimento da ergonomia. O item subsequente expõe sua conceituação, importância e aplicações e suas interfaces e, ao final, como se dá a efetividade prática do mencionado princípio.

8.1. Da adaptação do trabalhador ao trabalho à adaptação do trabalho ao trabalhador

Na manufatura e nos ofícios, o trabalhador serve-se do instrumento. Na fábrica, ele serve a máquina. No primeiro caso, ele é quem move o meio de trabalho. No segundo, ele só tem que acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores são membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, são apenas os componentes vivos de um mecanismo morto que existe independente deles.

A deplorável rotina de um labor interminável, em que o mesmo processo mecânico se renova sem parar, é parecido com o trabalho de Sísifo, um personagem da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra da base de uma montanha até o seu topo, só para vê-la rolar para baixo novamente. Como a pedra que rola, fazendo eternamente o mesmo movimento, o peso do trabalho volta sempre a cair sobre o operário esgotado.

Assim sendo, ao mesmo tempo em que o trabalhador mecânico cansa ao máximo o sistema nervoso, suprime, também, o jogo variado dos músculos e impede toda atividade livre física e intelectual.337 Até a maior facilidade do trabalho se torna instrumento de tortura já que a máquina não dispensa o operário do trabalho, mas faz com que o trabalho se torne monótono.

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Toda produção capitalista, como geradora não só do valor, mas também da mais-valia, tem esta característica: em vez de dominar as condições de trabalho, o trabalhador é dominado por elas, mas essa inversão de papéis só se torna real e efetiva, do ponto de vista técnico, com o emprego de máquinas.

O meio de trabalho tornado autômato se ergue, durante o processo de trabalho, diante do operário sob a forma de capital, de trabalho morto, que domina e explora a força de trabalho viva. A separação entre forças intelectuais do processo de trabalho e trabalho manual e a transformação delas em meios pelos quais o capital sujeita o trabalho tornam-se efetivas na grande indústria baseada no maquinismo.

A subordinação técnica do operário à marcha uniforme do meio de trabalho e a composição particular do corpo de trabalho, formado por indivíduos de idade e sexo diferentes, criam uma disciplina bem militar, que se torna o regime absoluto das fábricas e desenvolve, amplamente, o trabalho dos supervisores e a distinção dos operários em trabalhadores e supervisores, em soldados e suboficiais da indústria.

A principal dificuldade, na fábrica automática, consistia na necessidade de estabelecer uma disciplina indispensável, por meio da qual os operários perdessem os hábitos irregulares e chegassem à regularidade imutável do perfeito autômato. A elaboração e aplicação de tal código de disciplina, adequado às necessidades e à velocidade do sistema automático, era uma empreitada digna de Hércules.

A escravidão a que a burguesia reduziu o proletariado se manifesta com a máxima clareza no sistema das fábricas. Nele acaba toda a liberdade, tanto de direito, quanto de fato. É preciso que o operário esteja na fábrica às 6 horas da manhã e, se chegar alguns minutos atrasados, o desconto será efetuado em seu salário. Se o atraso for de dez minutos, recusam-lhe a entrada até a hora do almoço e ele perde um quarto do salário. É obrigado a comer, a beber, a dormir de acordo com as ordens do burguês. O sino despótico vai forçá-lo a deixar a cama, o almoço, o jantar. E na fábrica? Nela o fabricante é o legislador absoluto. Dita regulamentos a seu bel-prazer, aumenta ou modifica, à vontade, seu código. Ainda que ele aí inclua os maiores absurdos, os tribunais dirão ao operário: - você aceitou esse contrato livremente, e, portanto, deve se submeter a ele. 338

Nestes termos, os operários são condenados a viver dos nove anos até a morte, sob a palmatória, tanto física quanto intelectual, do burguês.

O código de punições do fiscal substituiu o chicote do antigo feitor de escravos. Todas as punições se revertem em multas ou descontos no salário, e a sagacidade legislativa dos licurgos da fábrica torna a violação de suas leis bem mais rentável do que sua observação.

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Pode-se observar, assim, que, nas condições materiais em que o trabalho se realiza na fábrica, todos os órgãos dos sentidos são perturbados ao mesmo tempo pela elevação artificial da temperatura, pelo ar saturado com detritos de matéria-prima, pelo barulho ensurdecedor, além do risco de morte decorrente das máquinas, demasiadamente, juntas umas das outras que, com a regularidade das estações, publicam os boletins de perdas nas batalhas industriais.

Rodas, cilindros, fusos e teares são acionados com grande força. É preciso que os dedos puxem o fio com grande rapidez e segurança, pois a mínima hesitação, a mínima displicência representa um risco para o trabalhador. Um grande número de acidentes é provocado pela pressa em realizar as tarefas. Os patrões têm interesse que as máquinas funcionem sem interrupções. E isso também é importante para os operários que trabalham por peso e por peça. Apesar de ser proibido, na maioria das fábricas, limpar as máquinas enquanto estão em movimento, esse é o costume. 339

Outro fato que merece registro é que, apesar de haver na época limpeza diária nas máquinas, é no sábado de tarde que se costuma fazer a limpeza a fundo nas máquinas, que não estão paradas para isso. Esse trabalho não é pago, por isso os operários procuram fazê-lo o mais depressa possível. E o número de acidentes é bem maior no sábado do que nos outros dias da semana.

A economia dos meios sociais de produção, amadurecida como numa estufa quente no sistema da fábrica, torna-se nas mãos do capital um roubo sistemático praticado contra as condições vitais do operário durante o trabalho: roubo de espaço, roubo de ar, roubo de luz e roubo de meios de proteção coletiva e pessoal contra as condições perigosas ou insalubres de trabalho. 340

Posteriormente, em 1900, Frederick Winslow Taylor desenvolve um trabalho de racionalização de tempos e métodos e uma filosofia gerencial que dá origem a uma corrente administrativa chamada taylorismo, cujo instrumento prático de racionalização e melhoria de produtividade foi a cronoanálise e os princípios da administração científica.

Por meio de alguns princípios bem definidos, tornava-se possível melhorar a produtividade das pessoas, eliminando-se tempo e movimentos desnecessários e especializando-se as pessoas nas funções para as quais tinham a melhor qualificação.

Em 1911, época da segunda revolução industrial, em Detroit, Henry Ford instituiu três princípios que mudaram radicalmente a forma de trabalhar das fábricas em todo o mundo, utilizando à risca os princípios básicos do taylorismo, nos seguintes termos: a linha de montagem: agora, o trabalhador ficava fixo numa de-

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terminada posição e o componente a ser montado é que vinha até ele, resultando numa economia espetacular de movimentos; o ritmo de trabalho era determinado pela máquina e não pelo homem, evitando-se o desperdício de tempo; e a produção em série, com a economia de escala: essa forma de organizar o trabalho resultou num aumento impressionante da produtividade, e numa redução espetacular do preço dos bens de consumo, obrigando as empresas a adotarem a fórmula de Taylor-Gilbreth-Ford como estratégia de sobrevivência e de competitividade.

Na década de 20, 30 e 40, nos Estados Unidos, ocorreu um desenvolvimento espetacular do processo industrial e da produtividade a partir dos princípios de tempos e métodos, cronoanálise e outros valores inerentes ao taylorismo. A seleção médica era muito rigorosa, privilegiando os fisicamente mais capazes e mais hábeis para determinadas atividades, com prejuízos nítidos para mulheres e para pessoas em idade superior a 40 anos, quando as habilidades físicas e manuais diminuem. O princípio desse tempo era expresso na máxima: é necessário adaptar o homem ao trabalho.

Por este prisma, a prioridade era construir a máquina e o posto de trabalho. A tarefa seguinte era procurar a pessoa que a ela se adaptasse. É dessa época a organização do trabalho que priorizava a rapidez, a produção máxima, muitas vezes não razoável.

Essa mentalidade é reproduzida, com genialidade, em 1936, no filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, que focaliza a vida urbana nos Estados Unidos nos anos 30, imediatamente após a crise de 1929, ao retratar um trabalhador que tem um colapso nervoso por trabalhar em ritmo frenético, estressante, repetitivo e desumano na linha de produção de uma fábrica, indo parar em um hospício.

Neste contexto, nos descompassos entre o trabalhador, as máquinas e o ambiente de trabalho, perdia sempre o trabalhador, que era facilmente substituído como mera engrenagem de um sistema.

Duas realidades deste período persistem até os dias atuais: a superespecialização e a correria na linha de montagem, cuja velocidade oscila aos sabores da produção à revelia das técnicas desprendidas para a realização das atividades.

A premissa taylorista de considerar o trabalhador como uma máquina movida a dinheiro, que quanto mais trabalha mais ganha, capaz de produzir mais e ganhar mais que os colegas, desencadeia uma clara postura de individualismo, disputa e egoísmo.

É de se observar que essa postura de administrar, bem...

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