O Princípio da Função Social do Contrato Enunciado no Artigo 421 do Código Civil Brasileiro

AutorSaul José Busnello
CargoAdvogado (Blumenau/SC)
Páginas32-39

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1. Introdução

O direito está em constante evolução e, para que a manifestação de seus aspectos formais acompanhe estas mudanças, exigem-se constantes pesquisas que sintetizem, em alguns momentos, a situação dos pressupostos de revisão judicial dos contratos, diante das novas exigências sociais.

Este artigo fixa um desses momentos, com o objetivo de pesquisar, analisar e descrever o entendimento doutrinário predominante acerca da possibilidade da revisão judicial dos contratos, ante a aplicação do princípio da função social do contrato no direito civil brasileiro.

O desenvolvimento do tema encontra justificativa por tratar-se de assunto atual, uma vez que o artigo 421 é uma das inovações do Código Civil brasileiro de 2002, tendo suscitado amplos debates, e carecendo de estudos. Vale salientar que a doutrina referente ao

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tema é relativamente escassa, apesar de sua importância no âmbito do direito civil, bem como para o meio acadêmico, para os operadores jurídicos, e para a sociedade. Desta forma, espera-se que a leitura do artigo leve outras pessoas a nutrir real interesse sobre o tema.

2. Aspectos conceituais

A partir da evolução das civilizações, quando se iniciou a experimentar certo progresso espiritual e material, o contrato passou a servir, enquanto instrumento de circulação de riquezas, como justa medida de interesses contrapostos, traduzindo-se na espécie mais importante e socialmente difundida de negócio jurídico, sendo, sem sombra de dúvidas, a força motriz das engrenagens socioeconômicas do mundo (Gagliano; Pamplona Filho, 2005).

Ao tratar-se de tão empolgante tema, função social do contrato, incompleto seria abordá-lo sem ter-se inicialmente uma compreensão conceitual de contrato, bem como da expressão função social, o que se fará a seguir.

2.1. Contrato

Origina-se a palavra contrato do vocábulo latino contractus, que significa, no entender de Venosa (2003, p. 364), "unir, contrair". Por sua vez, para Gagliano e Pamplona Filho (2005, p. 11-12, grifo nosso), "contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, auto-dis-ciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades."

Diante disso, entende-se que não se pode falar em contrato sem que se tenha expressa manifestação de vontade, ou seja, sem o "querer humano", pois desta forma não haveria negócio jurídico e, não havendo negócio jurídico, não há contrato. Entende-se, também, que essa manifestação de vontade deve fazer-se acompanhar pela necessária responsabilidade na atuação dos contratantes, subordinando-se estes às limitações derivadas do respeito a normas superiores de convivência, dentre elas as estabelecidas pelo princípio da função social do contrato.

Cumpre observar que o citado princípio da função social do contrato, tema deste artigo, encontra-se expresso no Código Civil brasileiro, em seu artigo 421, cujo enunciado preceitua: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato" (Brasil, 2002, grifo nosso).

Assim, lícito e legítimo será o contrato que respeitar não apenas as regras técnicas de validade, mas, sobretudo, as normas principioló-gicas que conduzem à necessária observância de um conteúdo ético e social indisponível. (Gagliano; Pamplona Filho, 2005)

Destaca-se ainda a conceitua-ção de Diniz (2005, p. 31). Segundo a autora, "contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial."

Sendo assim, pode-se dizer que contrato é um acordo de vontades que objetiva estabelecer uma relação jurídica de natureza patrimonial e eficácia obrigacional. Ocorrendo convergência de pretensões sobre um mesmo objeto, vem a constituir-se num acordo de vontades; por outro lado, uma vez que envolve partes distintas, cujas manifestações repercutem no direito, constitui-se numa relação jurídica.

2.2. Função social

No dizer de Blanchet (2004, p. 63): "Função Social - expressão muito difundida, conceituação pouco compreendida."

Percebe-se, atualmente, que o adjetivo 'social' está presente nos discursos e legislações. A socialização de institutos e instituições tem se tornado uma regra, e fala-se constantemente em 'função social', seja ela da propriedade, do contrato ou da empresa. Fato é que a expressão "função social" tornou-se por sua conotação, vasta e imprecisa, percebendo-se nitidamente que esta expressão está sendo corrompida, distorcendo-se o seu significado primeiro: construir uma sociedade justa, o qual não está defasado (Blanchet, 2004).

Num primeiro momento, é importante esclarecer o que é função. Segundo a Enciclopédia Saraiva do Direito (1977, p. 480), "o termo função é originado do latim func-tio; alemão funktion, Amt; inglês function; francês fonction; italiano funzione; espanhol función”. Para Houaiss (2001, p. 1402) função quer dizer "obrigação a cumprir, papel a desempenhar, pelo indivíduo ou por uma instituição".

Já, social, segundo a Enciclopédia e Dicionário Ilustrado Koogan/ Houaiss (2000, p. 1503), "é tudo aquilo que diz respeito à sociedade, relativo a uma sociedade". Para Houaiss (2001, p. 2595), social qualifica o que é "concernente à sociedade; relativo à comunidade, ao conjunto dos cidadãos de um país".

Função social é assim conceituada pela Enciclopédia Saraiva do Direito (1977, p. 482): "a noção de função social implica a noção de um conjunto de atividades e papéis exercidos por indivíduos ou grupos sociais, no sentido de atender a necessidades específicas."

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Diniz (1998, p. 613), por sua vez, assim se manifesta acerca do tema: "função social: atividade e papéis exercidos por indivíduos ou grupos sociais, com o escopo de obter o atendimento de necessidades específicas". Ou seja, entende-se como o conjunto de ações que atendem às necessidades da sociedade.

O Estado, primordialmente, possui o cumprimento da função social como um compromisso para com a sociedade, que o criou e o mantém. Pasold (1998, p. 69), escrevendo sobre a função social do Estado contemporâneo, parte da premissa de que "a palavra função possui o seu significado comprometido com dois elementos: a 'ação' e o 'dever de agir'. Afirma que o dever está presente devido à natureza do agente (O Estado)".

Pode-se pensar, a partir deste "dever agir", que todos os atos que compõem a função social devem ser cumpridos apenas pelo Estado, devido ao pacto social firmado por este com a sociedade. Por isto, existem críticas no sentido de que a existência de uma função social da propriedade, do contrato, ou da empresa, e o dever, contido nestes conceitos, seria prejudicial à sociedade, pois retiraria do Estado a responsabilidade de cumprir com os seus deveres sociais.

Este entendimento pode ser tido como equivocado, pois o Estado continua responsável pelo pacto social efetuado com a sociedade; apenas é auxiliado pela função social da propriedade, do contrato ou da empresa, os quais trazem maiores benefícios à sociedade.

Ademais, não pode ser ignorada a real situação da sociedade em que se vive, onde o Estado não possui condições de cumprir totalmente com suas obrigações, por motivos que a este artigo não se fazem pertinentes, necessitando do auxílio de todos os mecanismos possíveis à realização de uma...

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