Principais novidades do Novo CPC

AutorFernando Rubin
Ocupação do AutorAdvogado sócio do Escritório de Direito Social, especializado em saúde do trabalhador. Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica
Páginas49-68

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Para fins didáticos e de estruturação da nossa obra, chegamos, nos capítulos anteriores, a antecipar novidades trazidas pelo Novo CPC, mormente algumas que tratam diretamente de dar corpo ao macroprincípio da segurança jurídica.

Nada obstante, de maneira mais ampla agora passamos a discorrer acerca dos grandes temas destacados na Lei n. 13.105/2015, os quais se isoladamente não chegam, quem sabe, a fazer nenhuma revolução na forma de ser pensado o processo civil, articuladamente trazem sim substancial novel arcabouço a ser compreendido e adequadamente manejado pelos operadores do direito.

Os avanços justificadores do novel diploma infraconstitucional apontam para um processo civil que venha a: estabelecer verdadeira sintonia fina com a CF/1988; crie condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade da causa; simplifique as exigências procedimentais com a preocupação central em resolver problemas ("a substâncias acima da forma"); imprima maior grau de organicidade ao sistema ("coesão"); e dê todo o rendimento possível a cada processo ("máximo aproveitamento"), inclusive autorizando a autocomposição envolvendo partes e matérias fora da causa de pedir e pedido144.

De uma maneira geral, confirmada pelo art. 1º da Lei n. 13.105/2015, o Novo CPC aponta para a derrocada do conceito de sua autossuficiência para ampla resolução dos conflitos145 (como sugeria a parte inicial do Código Buzaid/1973)146, sendo objetivo do Codex a retomada de rente relação do direito adjetivo com o direito material e principalmente com "os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil"147.

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O artigo inaugural, juntamente com os próximos onze dispositivos formam a Parte Geral do Novo CPC, sendo responsáveis por estabelecerem uma macro-orientação a respeito dos principais eixos do código, que guardam conexão direta com a CF/1988 e auxiliam na exegese dos demais comandos da codificação (interpretação sistemática)148.

Também valioso o registro de que o Novo CPC tem preocupação central com o julgamento do mérito da contenda149, seja pela decisão com exame do contencioso pelo juiz (heterocomposição), seja pela via do acordo (autocomposição). Em ambos os casos, a decisão é coberta pelo manto da coisa julgada material (sentenças definitivas), diversamente das hipóteses de extinção sem julgamento de mérito (sentenças terminativas), cuja importância para o sistema processual passa a ser agora significativamente reduzida, a ponto de não ser repetida pelo Codex a consagrada expressão de Liebman a respeito das "condições da ação"150.

Sob essas ajustadas perspectivas, não restam muitas dúvidas de que, ultrapassada a fase científica do processualismo, o ambiente cultural contemporâneo encaminha para ser enxergado o processo sob um ângulo externo, privilegiando a preocupação com a tutela constitucional de direitos151 - o que determina claramente que apegos demasiados à forma (os formalismos perniciosos152) sejam colocados em segundo plano, em favorecimento da matéria e do pronunciamento de mérito. Ao que parecia, sob influência do cientificismo do período anterior, era o operador do direito, ao ingressar com a demanda judicial, que deveria se adaptar ao Codex; sendo que, no atual cenário, opera-se fenômeno inverso: cogitando-se de o diploma adjetivo se amoldar, desde a fase postulatória, aos contornos específicos da lide.

Dentre os grandes conceitos do Novo CPC, portanto, sobreleva-se a busca por um processo civil de resultados, econômico, qualificado e efetivo; com aceitação de maior flexibilidade e dinamismo procedimental; visão participativa e colaborativa do processo, respeitados a boa-fé objetiva; a simplificação do sistema recursal e o prestígio aos precedentes; o aumento do risco da sucumbência; e o amplo espírito de conciliação.

Ademais, fundamental mais uma contextualização inicial: as inovações importantes trazidas pela Lei n. 13.105/2015 circunscrevem-se à órbita das demandas individuais, já que as demandas coletivas seguem tratamento à parte; da mesma forma, seguem tratamento à parte as demandas que correm no rito sumariíssimo dos Juizados Especiais. Isto não quer dizer, por outro lado, que não seja possível a aplicação subsidiária do Novo CPC a esses modelos, em casos de compatibilidades, o que será objeto de exame minudente na parte final da obra153.

Por sua vez, com relação aos grandes procedimentos destacados por Buzaid (cognição, execução e cautelar), temos que foram oferecidas modificações pontuais na execução e diminuição do tamanho das

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cautelares, sendo oferecidas efetivamente mudanças centrais no procedimento de conhecimento (o rito comum ordinário de Buzaid154), que passa a ser denominado agora de "procedimento comum".

Pois bem. As novidades podem, grosso modo, serem catalogadas em duas amplas ordens: as relativas a consolidações de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais pátrios; e as relativas a construções adjetivas relacionadas a exemplos vindos de legislações estrangeiras, inclusive do common law155.

Também gostaríamos de referir, propedeuticamente, que muitas outras lançadas novidades acabaram ficando pelo caminho, seja em razão de mudança de redação do Projeto dentro do Congresso Nacional, seja em razão de vetos presidenciais. No primeiro caso lembramos a questão da alteração da causa de pedir e pedido e da eficácia preclusiva da coisa julgada material; e no segundo caso a questão envolvendo a conversão da ação individual em coletiva e o cabimento de sustentação oral em sede de agravo interno. Em todos esses casos, a solução adotada pelo Código Buzaid, por falta de consensos, restou mantida.

Partamos, então, para os centrais pontos merecedores de destaque, iniciando pelos ajustes ao modelo Buzaid no que já registramos como sendo os seus históricos pontos de sustentação.

Relativização do princípio dispositivo; manutenção do marco de alteração da causa de pedir/pedido; destaque para as matérias reconhecíveis de ofício; e redução da técnica preclusiva. Avançando para a exposição de determinados temas que realmente sofreram alteração digna de nota, pelo Projeto aprovado para um novo CPC, destacamos inicialmente aqueles que se colocam no sentido de aumento do poder do Estado-juiz na condução do processo.

Houve relativização ao princípio dispositivo ao ser anunciado, pelo art. 2º da Lei n. 13.105/2015, que podem ser admitidas exceções, previstas em lei, para a máxima de que o processo começa por iniciativa da parte (impulso inicial), ou seja, expressamente se admite que o Estado-juiz possa propor a ação, o que contraria o consagrado princípio da demanda; podendo decorrer desta premissa, de acordo com a interpretação que seja faça do dispositivo, a temerária possibilidade de o juiz conceder de ofício medidas de urgência, o que pensamos ser indesejado em razão notadamente da esperada imparcialidade que se exige do agente polítido do Estado.

Assim, mais adiante no Codex, quando registrado que "o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória" (art. 297), entendemos que a melhor exegese caminha para se dar poder ao magistrado tão somente para determinar o cumprimento de suas determinações provisórias/liminares156, as quais exigem sim requerimento expresso da parte litigante interessada. A partir daí, passamos a aceitar como coerente a opção geral de responsabilizar objetivamente a parte que pleiteou a tutela antecipada (art. 302), não fazendo sentido tal disposição se a tutela pudesse ser deferida oficiosamente pelo Estado-juiz157.

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Além de considerarmos a necessária separação das disposições contidas nos arts. e 297 do Novo CPC, também nos chama a atenção a cláusula aberta criada no primeiro dispositivo ("exceções previstas em lei"), viabilizando que futuramente possam novas leis desenvolver hipóteses de início do processo por iniciativa exclusiva do órgão judicial, o que traria aumento considerável e, quem sabe perigoso, do poder do Estado-juiz no processo - lembrando que o princípio dispositivo sempre esteve diretamente vinculado à preservação da imparcialidade e justeza de comportamento que se espera do Poder Judiciário158.

Outra mudança importante nas linhas do processo civil no Brasil, que foi discutida, cinge-se à previsão de flexibilização no marco de alteração da causa de pedir/pedido. Previa o originário Projeto que o autor poderá, enquanto não proferida a sentença, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu, assegurado o contraditório e facultada a produção de prova suplementar.

Nesse caso, entendíamos que a inovação era digna de aplauso, ao passo que era deveras rigorosa a previsão do art. 264 do CPC/1973, ao impedir qualquer alteração da causa de pedir/pedido depois do saneamento do feito. Como ocorre no direito comparado, embora o juiz não deva determinar ex officio qualquer alteração na causa de pedir/pedido, pode, em meio ao feito, incentivar o diálogo para esse fim diante do permissivo legal flexibilizante - o que, mesmo que indiretamente, acarreta em aumento do poder do Estado-juiz na condução do processo. Nesse caso, ratificamos o nosso entendimento, eventual acréscimo de poder do agente político justificar-se-ia, situação diversa daquela que envolve a relativização do princípio dispositivo159.

No entanto, de acordo com as últimas modificações incrementadas no Projeto no Congresso Nacional, houve significativo retrocesso nesse ponto, como em alguns outros (também já citamos, em capítulo anterior, a disciplina da eficácia preclusiva da coisa julgada material - art. 474 do CPC/1973 e art. 508 do Novo CPC/2015), sendo determinado retorno ao texto do Código Buzaid160.

Mesmo assim, ainda nesse contexto, sobressai no Novo CPC uma novidade interessante, que relativiza de alguma maneira a rigidez quanto à alteração do pedido ao menos; nos termos do art. 322, § 2º...

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