Primeira Visão. A reforma godzilla

AutorRodrigo Trindade de Souza
CargoJuiz Do Trabalho
Páginas28-44
28 REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 650 I FEVEREIRO 2018
CAPA
Rodrigo Trindade de SouzaJUIZ DO TRABALHO
Primeira Visão
A REFORMA GODZILLA
Não, não se trata de uma festa do capitalismo e do laissez-faire. O monstro
da nova lei trabalhista veio para dar benefícios ao empregador sem
garantir proteção ao empregado
Godzila chega a Tóquio; a Estrela
da Morte está pronta e operacional;
o Inverno aporta definitivamente
em Westeros. Não importa sua
idade ou referência apocalíptica,
a Reforma Trabalhista tal
como implementada é isso:
uma catástrofe prenunciada ao
mundo do trabalho, seja você
empreendedor ou empregado.
E fugir para as montanhas não vai
ajudar muito.
Somos uma sociedade de
trabalho, em que os in-
divíduos se identificam
em relações de perten-
cimento a partir de seus
ocios. É dicil imagi-
nar campo da interação
humana com maior dinamicidade
que o das relações laborais. A im-
portância que possuem as estrutu-
ras produtivas em nossa ossatura
institucional faz com que sigam em
permanente embate, em um fluxo
contínuo de complexidade.
Por isso, não é exagero afirmar
que novas profissões, novos modos
de trabalhar e de empreender sur-
jam e sejam extintos diariamente.
É não apenas natural, como espe-
rado, que a regulação também siga
esse movimento. Em suma, gostar
do direito do trabalho é abraçar o
ramo da ciência jurídica mais caro
em inovações, dialeticidade e con-
sequentes atualizações normativas.
Alterações de regulação são es-
senciais para acompanhar as tantas
modificações do mundo do traba-
lho. Pelo menos nos últimos duzen-
tos anos, a trajetória de democrati-
zação e concepção de concretude
dos direitos fundamentais tem tido
grande significado para o direito do
trabalho. Ainda que com revezes
pontuais, o caminho vem sendo de
democratização do ambiente de
serviço, combate ao trabalho degra-
dante e, principalmente, de soma de
condições laborais dignas. Em gran-
de resumo, num esforço coletivo de
avanço social, as novas legislações
tendem a buscar o seguinte:
a) adequar tempo de trabalho a
necessidades biológicas e sociais;
b) fazer crescer a massa salarial;
c) melhorar as condições de saú-
de e segurança;
d) proteger e garantir trabalho
a parcelas populacionais margina-
lizadas;
e) estimular a continuidade de
vínculos laborais;
f) incentivar contratações que
encerrem maior rol de benecios
sociais.
Por mais que insistam com pes-
simismos, esses aperfeiçoamentos
significaram melhora geral da con-
dição de vida dos trabalhadores,
crescimento de mercado consumi-
dor e estabilização social.
A Lei 13.467/17 e seu filhote, a
Medida Provisória (MP) 808/17, apa-
receram como condensadores de
diversas outras iniciativas de alte-
rações legislativas, concretizando
uma grande reforma trabalhista
que altera cerca de uma centena de
Trabalho (CLT) e também avança
em outras leis, inclusive de previ-
dência social.
Se certeza na necessidade
de constantes aperfeiçoamentos
na legislação trabalhista, a mesma
fortaleza de convicção não alcança
a identificação dos recentes norma-
tivos como tendo essa finalidade.
Essencialmente, há dificuldade de
integrar a proposição reformista
em quaisquer dos seis elementos
acima listados.
A maior parte dos dispositivos
modificados ou inseridos estabelece
inovações no campo de restrição de
direitos trabalhistas. Há, no entan-
to, artigos que, ou apenas legalizam
entendimentos ordinariamente
aplicados pelos tribunais, ou pro-
movem atualização de expressões e
adequações ao Código de Processo
Civil (CPC). Nesse grupo estão os se-
guintes dispositivos, todos da CLT:
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Gostar do direito do t rabalho é abraçar o ramo da ciência jurídica mais
caro em inovações, diaLETIcidade e consequentes atualizões n ormativas
Rodrigo Trindade de Souza / CAPA
REVISTA BONIJURIS I ANO 30 | EDIÇÃO 650 | FEVEREIRO 2018
art. 477, § 4º, II: permite paga-
mento de rescisão com depósito
bancário;
art. 477, § 6º:  xa prazo de dez
dias para empregador alcançar do-
cumentos ao ex-funcionário, após
encerramento do contrato;
art. 775: contagem de prazos
processuais em dias úteis, seguin-
do-se sistema do CPC;
• art. 791-A:  xação de honorá-
rios de sucumbência – atende anti-
ga e justa pretensão da advocacia.
arts. 793-A a 793-D: utilização
da sistemática do CPC para
defi nição de litigância de
má-fé e repressão de
práticas indevidas
no processo;
• art. 800:
protocolos de
exceção de in-
competência
territorial;
art. 818: re -
gras mais claras
sobre ônus pro-
batório, seguindo
o Código de Pro-
cesso Civil;
• Art. 840: reda-
ção contemporânea
para a petição inicial
trabalhista;
• Art. 847, parágra-
fo único: reconheci-
mento do processo
judicial eletrônico.
Os dispositivos realmente im-
portantes são outros. Por isso, gos-
taria de analisar a “nova CLT” a par-
tir de dez grandes princípios e sua
instrumentalização.
1. Alteração da matriz
principiológica do direito
material e processual do
trabalho
a) Direito comum como fonte
absoluta subsidiária
A antiga redação do parágrafo
único do art. 8º da CLT reco-
nhecia o direito comum
como fonte subsidiária do
direito do trabalho naquilo que em
que não fosse incompatível com os
princípios fundantes deste.
Na redação aprovada para o
§ 1º do art. 8º  cou excluída a con-
dicionante de compatibilidade
ideológica. A amputação é a mais
transcendente da reforma porque
tende a lançar orientações para
toda matéria que não for expressa
e integralmente prevista na legisla-
ção trabalhista.
Referir a “direito comum” é tratar
de direito civil, especialmente o obri-
gacional. Desde pelo menos o
início do século 20, o direito
do trabalho é ramo au-
tônomo dentro
da ciência jurí-
dica, possuidor,
por conseguinte,
de princípios
próprios. A
hermenêutica
universal diz
que, tratando-
-se de caso
di cil a ser in-
terpretado, sem
solução evidente
no regramento es-
pecífi co, a regra a
ser construída no
caso concreto deve
observar a funda-
mentos próprios.
Assim, a norma
do “direito
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