A previsão legal da responsabilidade dos sócios nas sociedades empresárias personificadas

AutorFernando Schwarz Gaggini
Ocupação do AutorAdvogado e professor universitário. Pós-graduado/especialista em Direito Mobiliário (Mercado de Capitais) e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas66-97

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Ver nota 10

Quem se expõe ao risco da atividade é a pessoa do empresário. Em se tratando de sociedade, sendo ela uma pessoa jurídica, portanto pessoa distinta e que não corresponde a qualquer dos sócios11, será ela, na condição de empresária, a exercente da empresa e, consequentemente, será ela (com seu respectivo patrimônio) quem se expõe ao risco da atividade. Logo, é correto afirmar que o empresário assume os riscos da atividade, de forma direta e ilimitada, mas considerando-se que empresário, no caso, é o ente jurídico, a sociedade. Seus sócios, ao contrário, não podem ser considerados empresários sob o prisma da lei, visto que não exercem atividades

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em seu nome. Note-se que, por vezes, se observa uma tentativa de justificar a atribuição de responsabilidade ilimitada aos sócios, de forma genérica e indistinta, sob a premissa de que eles "assumiram o risco da atividade". Frente a uma análise coerente da legislação, essa afirmação não pode ser tomada como correta, pois quem assume os riscos da atividade é a pessoa do empresário, individual ou pessoa jurídica, e somente a ele se pode aplicar a responsabilização direta e total. Já os sócios de um empresário coletivo (sociedade empresária), por não serem empresários, estão submetidos a regras distintas de responsabilidade patrimonial, de maneira que a eventual atribuição de responsabilidade deve observar as regras previstas na legislação, variantes de acordo com o tipo societário em foco e situações peculiares do caso em concreto.

Querer atribuir aos sócios, de forma genérica, a assunção do risco da atividade é ignorar a amplitude do conceito de empresário previsto em nossa legislação, bem como as regras e limites de risco oferecidos aos sócios como forma de incentivo à iniciativa empreendedora.

Em síntese, o empresário, em qualquer de suas espécies (individual, sociedade empresária ou EIRELI), terá responsabilidade direta, total e ilimitada por suas obrigações. É o que se observa da regra geral de responsabilidade patrimonial constante do Código de Processo Civil (Lei n. 5.869/73), em seu livro II (Do Processo de Execução), Título I (Da Execução em Geral), Capítulo IV (Da Responsabilidade Patrimonial), artigo 591:

Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Os sócios da sociedade, por sua vez, estarão submetidos a sistema distinto de responsabilidade, de acordo com a previsão do artigo 596 do Código de Processo Civil:

Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pa-

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gamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.

§ 1º Cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito.

§ 2º Aplica-se aos casos deste artigo o disposto no parágrafo único do artigo anterior.

Primeiramente, essa distinção de situações entre sócios e sociedade se revela em razão de que, enquanto a responsabilidade da sociedade, por suas dívidas, é sempre direta (de modo que, ao se comprometer perante terceiros, a sociedade responderá diretamente e imediatamente, como principal devedora), a responsabilidade patrimonial dos sócios será subsidiária, ou seja, servirá em reforço ao patrimônio social, caso este não seja suficiente ao pagamento das obrigações, de forma que a responsabilidade patrimonial dos sócios é secundária, admissível, a princípio, quando necessário o reforço à responsabilidade principal que cabe à sociedade. Essa previsão já está há muito assentada em nossa legislação, conforme se verificava nos termos do artigo 350 do Código Comercial, que dispunha que "os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais"12.

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Segundo aspecto distintivo é que, enquanto a responsabilidade direta da sociedade será sempre ilimitada (envolvendo a totali-dade do patrimônio pertencente à pessoa jurídica, independentemente do tipo societário adotado), a responsabilidade subsidiária dos sócios variará de acordo com o tipo societário e a categoria de sócio.

Desse modo, não há como se equiparar, a princípio, a responsabilidade patrimonial atribuída à sociedade (principal) com a responsabilidade que recai sobre os sócios (subsidiária).

3.2.2. O regime de responsabilidade patrimonial dos sócios nas sociedades empresárias personificadas

O artigo 983 do Código Civil admite cinco espécies de tipos societários utilizáveis para o exercício da atividade empresarial, ao estipular que a sociedade empresária deve constituir-se conforme os tipos previstos entre os artigos 1.039 a 1.092.

Embora todas essas sociedades tenham, em comum, o fato de se responsabilizarem diretamente e ilimitadamente quando no exercício da atividade, a responsabilidade subsidiária, a que se submetem os sócios, varia de forma substancial conforme os tipos.

3.2.2. 1 Sociedade em nome coletivo

Acerca da "sociedade em nome coletivo", inicialmente há que se considerar que os sócios, que integram uma única classe (com os mesmos direitos e obrigações), têm responsabilidade subsidiária em relação à sociedade13. Quanto ao grau de responsabilidade sub-

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sidiária dos sócios, por sua vez, determina o artigo 1.039 do Código Civil:

Art. 1.039. Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais.

Parágrafo único. Sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros, podem os sócios, no ato constitutivo, ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a responsabilidade de cada um.

Da leitura do texto legal constata-se que, sendo insuficiente o patrimônio social, recairá a responsabilidade pela totalidade da dívida pendente sobre o patrimônio de todos os sócios, necessariamente pessoas físicas, que responderão solidariamente pelas obrigações. Logo, nesse tipo societário, o Código Civil não estabelece qualquer limitação de risco a qualquer dos sócios, de forma que os sócios assumem total responsabilidade por eventual dívida não suportada pela sociedade, respondendo, para tanto, com a integralidade de seus patrimônios individuais.

Note-se que nesse caso a ilimitação da responsabilidade dos sócios é característica destacada do tipo societário, razão pela qual ela se aplica de imediato, e independe de constatação de fraudes, abusos, aplicação de sanções etc. O parágrafo único admite até que os sócios estabeleçam, entre eles, percentuais de responsabilidade, fato que não afeta a relação com terceiros, que poderão cobrar os sócios solidariamente pela integralidade da dívida.

Os sócios (e seus respectivos patrimônios) são, assim, verdadeiros garantidores das dívidas sociais e, por consequência, se submetem a situações tais como a prevista no artigo 81 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/05):

Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem.

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Logo, em caso de declaração de falência da sociedade em nome coletivo, por equiparação seus sócios também estarão submetidos aos efeitos da falência, havendo imediata vinculação de seus patrimônios.

Outra evidência do grau elevado de vinculação dos sócios à sociedade, dada a ilimitação de sua responsabilidade patrimonial, reside no fato de o Código Civil, em seu artigo 1.157, somente admitir a essas sociedades o uso de firma social para composição do nome empresarial, de modo que a nomenclatura evidencie os sócios componentes do quadro social, garantidores secundários que são das obrigações da sociedade.

Nesse caso da sociedade em nome coletivo, embora a responsabilidade dos sócios seja subsidiária em relação à sociedade, é possível afirmar que, de forma indireta, eles assumem a integralidade do risco das atividades empresariais, de modo que, para os credores, além do próprio patrimônio social, os patrimônios individuais também representam uma garantia de pagamento.143.2.2.2 Sociedades em comandita

A expressão "em comandita" representa um gênero que identifica, no contexto do Código Civil, sociedades personificadas em que o quadro social é composto de duas categorias de sócios com direitos e responsabilidades distintos. Esse gênero comporta duas

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espécies: as sociedades em comandita simples e as sociedades em comandita por ações.

3.2.2.2.1 Sociedade em comandita simples

A "sociedade em comandita simples" tem seu quadro social formado por duas categorias de sócios, os sócios comanditados e os comanditários. Os primeiros, necessariamente pessoas físicas, são os únicos admitidos a exercer a administração da sociedade. Os segundos, que tanto podem ser pessoas físicas ou jurídicas, figuram como meros sócios investidores, contribuindo para a formação do patrimônio social, podendo participar das deliberações sociais e fiscalizar as atividades, mas sem poder participar da administração social. Em razão dessa nítida diferença de funções e direitos entre as categorias, existe também diferença quanto à responsabilidade subsidiária. É o que se depreende do artigo 1.045 do Código Civil:

Art. 1.045. Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os...

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