Previdência Social na CLT

AutorOcélio de Jesús C. Morais
Páginas25-46

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As leis devem corresponder aos fins sociais a que elas se dirigem e às exigências do bem comum15, visto que, como define Ferraz Jr. “as normas são imperativos ou comandos de uma vontade institucionalizada, isto é, aptas a comandar”.16

Esse é o princípio fundamental que, como teoria geral das normas, orienta o sistema normativo brasileiro17 à edição e à aplicação das leis.

Como objetivo geral — abstrato, portanto — a norma visa garantir juridicamente a paz ou estabilidade nas relações sociais. Em caráter mais específico, quando se trata de legislação social, a norma garante ao Estado condições de promover e fomentar o bem-estar geral e a justiça social, objetivos no art. 193 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de Outubro de 1988, através Seguridade Social destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194).

Quando uma das finalidades da Previdência Social é atender, por dever e missão constitucionais, “a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada”18, ela tem como perspectiva os riscos laborais que devem ser prevenidos, neutralizados e eliminados, ao mesmo tempo em que coloca o Estado como o garantista dos objetivos maior de sua ordem social, que são o “primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Esse garantismo deve ocorrer, desse modo, pelas medidas legislativas (institucionalização de normas sociais) e pela concretude plena dos serviços, prestações e benefícios previdenciários.

Então, a proteção previdenciária é uma questão fundamental do Estado, por isso o Estado está vinculado automaticamente a ela, mas também porque, por toda completude das normas, dos valores e dos princípios a Previdência tem por fundamento a proteção à dignidade humana.

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Colocada a Previdência nestes termos — como meio de implementação dos objetivos protetivos do Estado social diante dos riscos laborais e como direito social fundamental do segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social 19 — como se coloca a Previdência na reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)?

Por outras palavras: como fica a proteção previdenciária na CLT reformada pela Lei n. 13.467, de 2017?

São várias as repercussões previdenciárias da reforma: contribuições sociais na terceirização e na quarteirização; contribuições sobre as verbas remuneratórias dos acordos e das sentenças; contribuições sociais do período laboral; afetações à tipificação do acidente do trabalho; questões acidentárias relacionadas ao tempo à disposição do empregador, à execução de serviços espontâneos e ao acidente de percurso ou deslocamento da residência ao trabalho e vice-versa.

2.1. Questões acidentárias relacionadas ao tempo à disposição do empregador

Aqui vamos examinar as questões acidentárias relacionadas ao tempo à disposição do empregador, à execução de serviços espontâneos e ao acidente de percurso ou deslocamento da residência ao trabalho e vice-versa.

Aprovada pelo Decreto n. 5.452, de 1º de maio de 1943, a CLT tratava do tempo à disposição do empregador, como tempo de serviço efetivo, no art. 4º20, art. 30921, Parágrafo único do art. 49222 e no § 1º do art. 235-C23.

O art. 4º considerava como tempo efetivo de serviço aquele que o empregado ficava “à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens”.

A ideia protetiva era que o “tempo à disposição”, ainda que apenas aguardando ordens, implicava em sujeição do empregado ao poder hierárquico e diretivo da empresa. Por isso, o tempo consumido “aguardando ordens” era tempo dispendido em benefício do empregador, portanto, em benefício dos fins econômicos deste.

Essa era uma regra geral que se aplicava a todos os empregados, enquadrados nessa condição, porque o tempo útil à disposição do empregador representava também tempo suprimido do descanso do empregado.

Assim, por exemplo, os jornalistas tinham esse regramento (art. 309) e também os motoristas (§ 1º, art. 235-C).

A natureza do trabalho dos jornalistas — trabalho intelectual cuja função se estende desde a busca de informações até a redação de notícias e artigos e a organização, orientação e direção desse trabalho — executado interna e externamente, é condicionado aos eventos e fatos, que geralmente (e diariamente) demandam tempo que excedem à jornada de 5 horas diárias tanto de dia como à noite.

E à jornada do motorista (via de regra, 8 horas diárias) contava-se trabalho efetivo o tempo em que o motorista empregado estivesse à disposição do empregador, mas excluídos os intervalos para refeição, repouso e descanso, e o tempo de espera.

Harmônico ao sentido teleológico da CLT, quanto ao tempo à disposição como tempo efetivo de serviço — o que também podia representar cômputo de horas extras — de seu lado, a Lei n. 8.213, de 199124, adotou o

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mesmo critério para a definição do trabalho efetivo em face dos eventos que podem ser equiparados ao acidente do trabalho — compreendido este, conforme o art. 19 da mesma Lei, como o evento

“que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho (…) provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.”

O sentido protetivo — para alcançar a cobertura previdenciária em caso de acidente do trabalho, doença profissional (exercício do trabalho peculiar a determinada atividade) ou doença do trabalho (adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é executado) — é ampliado pelo § 1º, art. 21 da Lei n. 8.213 de 1991, quando dispõe que

“consideram-se exercício do trabalho os períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este.”

Na prática, essa regra previdenciária garantia a proteção ao trabalhador segurado ao equiparar a acidente do trabalho (art. 20) o acidente ligado ao trabalho ocorrido no “tempo destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este”.

Portanto, sendo considerado “exercício no trabalho” esses períodos à disposição do empregador, se ocorresse o acidente, poderia ser enquadrado como acidente do trabalho nos termos dos arts. 19 e 20 da Lei n. 8.213, de 1991.

A incolumidade da saúde do trabalhador era o sentido máximo da proteção previdenciária quando adotava o critério do tempo à disposição do empregador como “exercício no trabalho” os períodos “destinados à refeição ou descanso, à satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este”.

Mas a Lei n. 13.467, de 2017, ao modificar o conceito do tempo à disposição do empregador, alterando a redação anterior do art. 4º da CLT, também alcança diretamente o § 1º, art. 21 da Lei n. 8.213, de 1991.

O novo § 2º, art. 4º da CLT (com redação pela Lei n. 13.467, de 2017) “não considera tempo à disposição do empregador”, e, portanto, “não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal”, quando:

1) o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas;

2) o empregado adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares”.

Quando o § 2º, art. 4º se refere à “escolha própria” do empregado que abriga-se nas dependências da empresa, por motivo de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, quer dizer o seguinte: define que o voluntarismo do empregado não estabelece nexo de causalidade com eventual acidente que possa sofrer no ambiente da empresa, por essas circunstâncias, visto que não estava a serviço do empregador.

O critério agora é, pelo novo conteúdo normativo taxativo do § 2º art. 4º da CLT: na primeira do empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal nas dependências da empresa, não será considerado tempo à disposição do empregador.

Em consequência, não estabelecerá vínculo de causalidade em relação à empresa, na hipótese de eventual acidente no momento ou durante o tempo em que o empregado esteja abrigado nas dependências da empresa por motivo de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas.

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Quando forem realmente, na prática, essas as novas circunstâncias, excluir-se-á o princípio da responsabilidade objetiva ou subjetiva do empregador pela teoria risco do empreendimento.

Por outras palavras: o empregador não poderá ser responsabilizado por ato que não deu causa, não concorreu nem autorizou, ainda que o evento tenha corrido nas dependências da empresa.

2.2. Questões acidentárias relacionadas à execução de serviços espontâneos

O segundo ponto central, que modifica o conceito de tempo à disposição como de efetivo serviço é o ato voluntário do empregado que, nas dependências da empresa, exercer atividades particulares, como práticas religiosas; descanso; lazer; estudo; alimentação; atividades de relacionamento social; higiene pessoal; troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.

Na prática, a exclusão do tempo à disposição como período efetivo de...

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