O Direito Previdenciário como instrumento de inclusão social

AutorÉrica Fernandes Teixeira
Ocupação do AutorDoutora e mestre em Direito do Trabalho pela PUC Minas
Páginas82-117

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5.1. Direito previdenciário e direito da seguridade social: conceituação e distinção; correlação

O direito à seguridade social consiste num direito fundamental do indivíduo.

Trata-se de uma expressão adotada pela constituinte de 1988, com o objetivo de criar um sistema protetivo, até então inexistente no nosso País, tendo como pressuposto a primazia do trabalho humano. (CARDONE, 1990).

O art. 194 da Constituição Federal de 1988 reza que:

"A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social." (BRASIL, 1988).

Martinez define:

Seguridade Social é técnica de proteção social, custeada solidariamente por toda a sociedade segundo o potencial de cada um, propiciando universalmente a todos o bem-estar das ações de saúde e dos serviços assistenciários em nível mutável, conforme a realidade socioeconômica e os fins das prestações previdenciárias. (MARTINEZ, 2001, p. 390).

Para Ibrahim, a seguridade social pode ser definida como:

A rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações para o sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida digna. (IBRAHIM, 2012, p. 5).

A melhor compreensão da seguridade social pode ser alcançada através da identificação da importância e alcance dos valores de bem-estar e justiça sociais, que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. A seguridade social é, pois, o meio para atingir a justiça, que é o fim da ordem social. (BALERA, 2012, p. 5).

Bem-estar é expressão utilizada no art. XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, nos seguintes termos:

Art. XXV. 1. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,

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cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

  1. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e a assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social. (NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2012).

O conceito de bem-estar, também previsto no art. 3º da Constituição Federal de 1988, determina a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais, somente alcançado através da cooperação mútua entre todos os indivíduos. (IBRAHIM, 2012, p. 6).

A justiça social consiste na diretriz de atuação do Estado e de toda sociedade, mormente através das entidades não governamentais, no sentido de efetivar os direitos sociais. Em nosso País, a justiça social é o fim da ordem social e expressa igualdade na distribuição dos benefícios sociais para quantos deles necessitem. (BALERA, 2004).

Em conformidade com os ensinamentos de Balera, o Direito Previdenciário, para ele sob a designação genérica de seguridade social, "estuda o inventário de mecanismos de proteção social com que conta o aparato normativo a fim de, intervindo modeladoramente no mundo fenomênico, superar certas questões sociais." (BALERA, 2004, p. 28).

Quando efetivado o direito à previdência, à assistência e à saúde a todos que necessitem de proteção, na medida exata de suas necessidades, proporcionando eliminação das desigualdades sociais, o bem-estar e a justiça social estarão realizados em nosso País.

Previdência social e seguridade social guardam fortes traços de união histórica e conceitual, não só pela semelhança de seus métodos de ação, mas também, pelos riscos que cobrem e pelas finalidades que buscam. Contudo, necessário distinguir os dois conceitos, eis que seguridade social é usada para representar uma etapa posterior à previdência social. (RUSSOMANO, 1983, p. 54-55).

Com o objetivo de demonstrar a maior abrangência da seguridade social, Russomano (1983) traça suas principais distinções em relação à previdência social. Assim, aponta o autor que, quanto aos sujeitos protegidos, a previdência social tem como referência o trabalhador e o empresário; enquanto a seguridade social visa proteger indistintamente todos os cidadãos que careçam de proteção e amparo ante suas condições físicas ou econômicas. Quanto aos requisitos para concessão dos benefícios, a previdência social pressupõe pagamento de contribuições pelos associados do sistema, eis que conserva fortes traços da teoria dos seguros em geral. Por outro lado, os benefícios e serviços na seguridade social são concedidos independentemente do pagamento de contribuições pelo segurado, desde que demonstrada a necessidade mínima do cidadão favorecido. O autor destaca que a intervenção e responsabilidade

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do Estado devem ser cada vez mais ostensivas nos regimes de seguridade social, tanto na criação de órgãos gestores quanto na concessão e distribuição de benefícios e serviços, assim como no custeio e financiamento do programa.

Quanto à finalidade, os sistemas de previdência social destinam-se precipuamente à reparação objetiva do risco ocorrido através do sinistro, sem prejuízo das medidas protetivas existentes. Na seguridade social, os programas de prevenção de doenças ou acidentes, assim como assistência médica preventiva, são priori-tários a fim de prolongar a longevidade da população e de evitar enfermidades. (RUSSOMANO, 1983, p. 56).

Castro e Lazzari afirmam que:

A marcha evolutiva do sistema de proteção, desde a assistência prestada por caridade até o estágio em que se mostra como um direito subjetivo, garantido pelo Estado e pela sociedade a seus membros, é o reflexo de três formas distintas de solução do problema: a da beneficência entre pessoas; a da assistência pública; e a da Previdência Social, que culminou no sistema de seguridade social. (CASTRO; LAZZARI, 2012, p. 39).

O Direito Previdenciário é o ramo jurídico destinado ao estudo dos princípios, institutos e normas de previdência social. Objetiva a criação de um sistema protetivo, através do qual, mediante contribuição, as pessoas que exercem alguma atividade laborativa e seus dependentes adquirem tutela quanto a eventuais adversidades (morte, invalidez, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário) ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços. (CASTRO; LAZZARI, 2012, p. 83).

Martinez conceitua a previdência social:

Como a técnica de proteção social estatal ou particular, especialmente se conjugadas, ensejadora de pecúlios ou rendas mensais, que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana - quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte - mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes. (MARTINEZ, 1992, p. 83).

Conforme Nascimento:

Ao sistema que visa manter os meios de subsistência do homem que trabalha durante as inatividades forçadas e dar-lhe uma certa segurança, em face dos riscos inerentes ao trabalho, dá-se o nome de Previdência Social (Brasil), ou Securité Sociale (França) ou Previdenza Sociale (Itália) (NASCIMENTO, 1979, p. 708).

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Como ramo do Direito Público, o Direito Previdenciário estuda, analisa e interpreta os princípios e normas constitucionais, legais e regulamentares referentes ao custeio da previdência social. Por determinação Constitucional, apenas quanto ao custeio, guarda identidade com as demais vertentes da seguridade social, isto é, a assistência social e a saúde, pois as financia. Também, o Direito Previdenciário estuda, analisa e interpreta princípios e normas que tratam das prestações previdenciárias devidas aos seus beneficiários. Ademais, em razão das alterações introduzidas pelas Emendas Constitucionais n. 3/1993, 20/1998 e 41/2003, as aposentadorias e pensões dos ocupantes de cargos públicos efetivos e vitalícios e seus dependentes e os entes públicos mantenedores dos regimes previdenciários disciplinados no art. 40 da Constituição Federal de 1988 passaram a ter mais vinculação com os benefícios do regime geral, assumindo, pois, natureza eminentemente previdenciária. (CASTRO; LAZZARI, 2012).

Os riscos sociais abrangidos pela previdência social devem ser interpretados como todo evento coberto pelo referido sistema, com o objetivo de fornecer ao segurado algum rendimento substituidor de sua remuneração, como indenização por sequelas ou em razão de encargos familiares.

A previdência social consiste, portanto, em um instrumento de inclusão social do segurado, com base no princípio da solidariedade, garantindo-lhe benefícios ou serviços quando acometido por uma contingência social. O sistema previdenciário público brasileiro é formado por contribuições no modelo de repartição simples, na qual os ativos efetuam pagamentos que se destinarão ao custeio dos benefícios dos inativos. Por isso, o sistema previdenciário caracteriza-se como solidário.

5.2. Evolução do direito previdenciário

A formação da sociedade industrial teve forte influência para a evolução da proteção social. A exploração excessiva do trabalho humano, inclusive de crianças, ocasionando opressão e constantes acidentes de trabalho, além da eclosão de problemas sociais como o...

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