Pressupostos

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas139-174

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1. Comentário

Condições da ação e pressupostos processuais não se confundem; enquanto aquelas se referem ao exercício do direito público subjetivo de impetrar a tutela jurisdicional do Estado — com o objetivo de fazer valer um interesse vinculado a um bem ou a uma utilidade da vida —, estes se ligam à relação jurídica processual, que apresenta, em princípio, três ângulos: autor/Estado + Estado/réu + réu/autor,

A teoria da relação processual foi elaborada por Bullow, que a distinguia da relação material sob três aspectos: a) pelos sujeitos; b) pelo objeto; c) pelos pressupostos. A importância do pensamento de Büllow para a evolução científica do direito processual pode ser avaliada pelo depoimento de James Goldschmidt: ‘La teoria de la relación jurídica procesal y de sus presupuestos forma la base de todos los sistemas del proceso, siendo indudable que a partir de Bülloow, y no antes, comienza a formarse una Ciencia propia del Derecho procesal”.105

De modo geral, os estudiosos classificam os pressupostos processuais em: a) subjetivos e b) objetivos. Os subjetivos dizem respeito: 1) ao juiz (investidura no cargo, competência e imparcialidade) e 2) às partes (capacidade de ser parte, de estar em juízo e postulatória); os objetivos, aos elementos: 1) intrínsecos (regularidade do procedimento, citação regular) e 2) extrínsecos (ausência de impedimentos, como coisa julgada, litispendência, juízo arbitral, etc.).

Adotando-se outro critério, podemos distribuir os pressupostos processuais em duas classes, a saber: a) pressupostos de existência do processo: 1) jurisdição; 2) partes; 3) ação (citação); b) pressupostos de validade do processo: 1) inexistência de incompetência absoluta; 2) não ser inepta a petição inicial; 3) inexistência de perempção; 4) inexistência de litispendência; 5) inexistência de coisa julgada; 6) inexistência de conexão; 7) inexistência de incapacidade de parte, defeito de representação ou falta de autorização; 8) inexistência de convenção de arbitragem; 9) inexistência de causas suspensivas ou extintivas do processo .

2. Mandado de segurança

No que respeita, particularmante, ao processo de mandado de segurança, os seus pressupostos básicos compreendem: a) o direito líquido e certo; b) a ilegalidade ou abuso de poder; c) o ato de autoridade pública.

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2.1. Direito líquido e certo

Direito e interesse. Em que pese à circunstância de o art 5.º, inciso LXX, da Constituição Federal vigente, declarar que o mandado de segurança coletivo possa ser impetrado pelas entidades mencionadas nas letras “a” e “b”, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, devemos advertir que o constituinte perpetrou aí falta manifesta e inescusável contra a técnica e os princípios, pois se sabe que a finalidade histórica do mandamus sempre foi a proteção de direitos, nunca de simples interesses. Mesmo assim, a proteção não alcança todo e qualquer direito, mas, apenas, aqueles destacados pelos atributos de liquidez e certeza.

Ensina José Cretella Jr. que quando o administrado ou o funcionário possui (mero) interesse perante a Administração, ele o pleiteia e pode acontecer de a Administração concordar com a pretensão manifestada, pois o interesse desta coincide com o daquele. Se, porém, o funcionário ou o cidadão tem interesse contrastante com o do Estado, este pode rejeitar a pretensão, hipótese em que o interessado poderá ingressar com recurso hierárquico, caso não se conforme com o indeferimento. “Bem diferente se torna o problema, entretanto, se o administrado ou o funcionário tem direito, porque o direito é sempre protegido pela norma jurídica. O interessado pode pleitear o direito judicialmente ou perante a Administração e esta não tem outra (sic) alternativa senão conceder a pretensão exigida, na via administrativa ou na via judiciária”.106

Poder-se-ia alegar, em objeção, com apoio na doutrina italiana, que os interesses legítimos podem ser tutelados mediante mandado de segurança. Nada mais equivocado. Sabemos que aquela doutrina forânea reconhece a existência de três classes de interesses:

  1. os simples, que correspondem às pretensões dos administrados não amparadas pelas normas legais, razão por que não podem obrigar a Administração a satisfazer tal pretensão;

  2. os qualificados, que dizem respeito a alguns administrados, em particular, e não a todos. Esse interesse é protegido pela norma jurídica e pode ser oposto à Administração; c) os legítimos, que embora se situem muito próximo dos direitos subjetivos públicos, destes se distinguem. O interesse legítimo não tem o status de direito, pois a obrigação jurídica da Administração de satisfazê-lo o foi com o intuito de atender ao interesse geral. O administrado é ocasionalmente protegido, pois a obrigação administrativa especial não foi instituída com vistas a ele.

Liquidez e certeza do direito. Nenhum estudo sistemático da matéria relativa ao mandado de segurança obterá os resultados científicos desejados se não for precedido de uma investigação acerca do exato sentido da expressão-pressuposto direito líquido e certo, solenemente inscrita nas normas legais disciplinadoras desse notável remédio processual produzido em nosso meio (Const. Fed., art. 5.º, inciso LXIX; Lei n. 12.016/2009, art. 1.º, caput).

Em rigor, essa expressão, muito antes de ser incorporada aos textos normativos, já havia sido apropriada pela doutrina e pela jurisprudência. Pedro Lessa, v. g., dela fizera

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largo uso em seus votos proferidos no Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento de recursos interpostos em habeas corpus.107 Conforme relatamos no Capítulo II, retro, o Ministro Muniz Barreto, por ocasião do Congresso Jurídico promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, em 1922, para celebrar o Centenário da Independência, propôs a criação de um instituto semelhante ao amparo mexicano, que teria a finalidade de tutelar direito certo e liquido não amparado por habeas corpus. Na fase da reforma constitucional, de 1926, o Deputado Gudesteu Pires, por Minas Gerais, apresentou um projeto (n. 148) pertinente ao “mandado de proteção e de restauração”, no qual nos diz de um direito pessoal liquido e certo (art. 1.º). Odilon Braga, no projeto que apresentou à Câmara em 1927, emprega também essa expressão.

Mais tarde, João Mangabeira, integrante da Comissão do Anteprojeto de Constituição — denominada Comissão Itamarati — cogita de um direito incontestável, locução que a Constituição Federal de 1934 ampliou para direito certo e incontestável (art. 113, n. 33). A Lei n. 191, de 15 de janeiro de 1936, fiel à nomenclatura adotada pelo texto constitucional então vigente, fez menção a direito certo e incontestável (art. 1.º, caput), expressão igualmente mantida pelo Código de Processo Civil de 1939 (art. 319, caput).

A Constituição de 1946, que devolveu o país ao regime democrático, declarava que o mandado de segurança servia à proteção de direito líquido e certo (art. 141, § 24). Essa expressão foi reproduzida pela Lei n. 1.533/51 (art. 1.º); pela Constituição de 1967 (com a Emenda n. 1/69), no art. 153, § 21. Antes da Emenda de 1969, a Constituição de 1967 aludia a direito individual líquido e certo (art. 150, § 21).

A atual Carta Política do país, mantendo a tradição que tem raízes no Texto de 1946, refere o direito líquido e certo como objeto de tutela mediante mandado de segurança (art. 5.º, LXIX).

Conceito

Conforme expusemos em Capítulo anterior (II), o mandado de segurança foi instituído pela Constituição Federal de 1934 (art. 113, n. 33), com a finalidade de promover a defesa de direito certo e incontestável.

A doutrina e a jurisprudência dos primeiros momentos de vigência daquele texto constitucional, todavia, viram-se em grande dificuldade para precisar o sentido da expressão “direito certo e incontestável”. Sentença proferida pelo MM. Juiz Federal Cunha Meio, em agosto de 1934, é corolário dessa afirmação: “Colhe-se da pesquisa feita nos Anais da Suprema Justiça Federal o conceito correntio do que, na técnica jurídica, se chama direito certo e incontestável: é aquele contra o qual não se podem opor motivos ponderáveis e sim meras e vagas alegações cuja improcedência o magistrado pode reconhecer imediatamente, sem necessidade de detido exame” — Acórdãos ns. 5.051, 5.090 e 8.108, HC, Diário Oficial de 18 de abril de 1920, 19 de novembro de 1919 e 4 de setembro de 1922”, respectivamente.108

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Em voto proferido no Mandado de Segurança n. 333, de 9 de dezembro de 1936, o Ministro Costa Manso pôde afirmar, com mestria: “Entendo que o art. 113, n. 33, da Constituição empregou o vocábulo ‘direito’ como sinônimo de poder ou faculdade, decorrente da ‘lei’ ou ‘norma jurídica’ (direito subjetivo). Não aludiu à própria ‘lei ou norma’ (direito objetivo). O remédio judiciário não foi criado para a defesa da lei em tese. Quem requer o mandado de segurança defende ‘seu direito’, isto é, o direito subjetivo reconhecido ou protegido pela lei. O direito subjetivo, o direito da parte, é constituído por uma relação entre a lei e o fato. A lei, porém, é sempre certa e incontestável. A ninguém é lícito ignorá-la, e com o silêncio, a obscuridade, a indecisão dela não se exime o juiz de sentenciar ou despachar (Código Civil, art. 5.º da Introdução). Só se exige prova do direito estrangeiro ou de outra localidade, e isso mesmo se não for notoriamente conhecido. O fato é que o peticionário deve tomar certo e incontestável, para obter mandado de segurança. O direito será declarado e aplicado pelo juiz, que lançará mão dos processos de interpretação estabelecidos pela ciência para esclarecer...

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