A preservação da empresa como pressuposto para desconstituição da penhora em execução fiscal contra o falido

AutorGustavo Henrique de Almeida
Páginas135-148

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1. Introdução

A falência consiste em processo con-cursal empresarial, por meio do qual diversos credores buscam a satisfação dos seus créditos, habilitando-os perante o juízo da falência. Diante da possível pluralidade de credores,1 necessário se faz reunir todos em um mesmo juízo, que fará a apuração dos haveres e pagará a cada credor segundo a ordem de classificação do seu crédito, nos limites do ativo arrecadado.2

A Lei n. 11.101/2005 define como juízo competente para conhecer do pedido e decretar a falência do devedor empresário o do local onde este possuir seu principal estabelecimento ou, ainda, da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.

O juízo da falência é tido como juízo universal, pois todos os credores são atraí-dos para ele, conforme nos ensina Ricardo Negrão: "Auniversalidade diz respeito aos credores: todos concorrem ao mesmo juízo, aplicando-se a eles uma só regra, com o que se evita a ruptura da igualdade de condições entre os diversos credores - negociais ou não - que são atraídos pela falência".3

Sendo assim, como regra geral, o art. 76, da Lei n. 11.101/2005 determina que o juízo da falência seja indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido.4 Embora o juízo falimentar seja uma vis at-tractiva, a legislação estabelece algumas exceções, dentre as quais podemos citar as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas pela Lei n. 11.101/2005.

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As ações não reguladas pela lei de falência que correspondem à exceção ao juízo universal são aquelas em que forem partes a União, entidades autárquicas ou empresas públicas, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, as ações relativas a imóveis, cuja competência seja determinada pela situação do bem, de forma absoluta, ou, ainda, as ações que demandarem quantias ilíquidas, iniciadas antes da decretação da falência, nas quais o devedor ora falido tenha sido citado anteriormente à sentença de quebra.5

No que toca às ações em que for parte a União, entidades autárquicas ou empresas públicas, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, o critério de competência é definido pela Constituição da República, em seu art. 109, inciso I.

As ações relativas a imóveis, cuja competência seja determinada pela situação do bem, de forma absoluta, encontram amparo no art. 95, do Código de Processo Civil.

As ações que demandarem quantias ilíquidas, iniciadas antes da decretação da falência, nas quais o devedor ora falido tenha sido citado anteriormente à sentença de quebra, como exceção à regra do juízo universal, está disposta no art. 6o, § 1o, da Lein. 11.101/2005.

Notoriamente, as ações trabalhistas são processadas e julgadas nas Varas da Justiça do Trabalho, sendo o crédito apurado no juízo trabalhista habilitado no juízo universal da falência.

Quanto aos créditos fiscais, as execuções que visam a cobrá-los prosseguem nos juízos competentes, que não o juízo fa-limentar. Essa exceção ao juízo universal da falência reflete a preocupação "(...) de libertar a Fazenda Pública da sujeição a todo e qualquer juízo universal ou cole-tivo".6

Por isso, a Fazenda não precisa habilitar seu crédito no juízo universal da falência, para que se submeta ao rol de preferências de pagamento previsto na legislação falimentar. Uma vez que a Fazenda Pública goza de imunidade concursal quanto ao juízo da falência, algumas distorções foram surgindo ao longo do tempo, de modo que a jurisprudência pátria terminou por estabelecer uma distinção quanto às execuções fiscais ajuizadas antes e depois da decretação da falência. O entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça refere-se à penhora realizada nos autos da execução fiscal em bens do devedor empresário.7

Segundo esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça, proposta a execução fiscal depois da sentença que decretou a falência, essa correrá contra a massa falida, e eventual penhora far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra, citando--se o administrador judicial. Por outro lado, ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar. Os bens penhorados nas Varas de Execuções Fiscais são nelas alienados e o produto da arrematação é entregue ao juízo falimentar.

Via de consequência, aplicando-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando o administrador judicial for arrecadar o ativo para aliená-lo, não será passível de arrecadação os bens penhorados antes da sentença que decreta falência nas Varas de Execuções Fiscais.

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O entendimento declinado pode representar um instigante conflito com o princípio da preservação da atividade empresária, que permeia todo o ordenamento jurídico, em especial a Lei n. 11.101/2005.

Segundo este diploma, a alienação dos bens arrecadados pelo administrador judicial será realizada prioritariamente mediante a venda dos estabelecimentos em bloco. Não sendo possível, proceder-se-á à venda das filiais ou unidades produtivas isoladamente. Não sendo viável, passa-se à alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor ou, na última hipótese, à alienação dos bens individualmente considerados.8

Contudo, não será possível alienar os estabelecimentos em bloco se houver penhora de bem ou bens do falido nas Varas de Execuções Fiscais, haja vista o fato de que ocorrerá alienação isolada naquele juízo, sendo o restante dos bens arrecadados alienados perante o juízo falimentar.

Diante desse quadro surge uma problemática que consiste em saber se resta violado o princípio da preservação da atividade empresária caso não ocorra à arrecadação e alienação de bens do falido no juízo universal falimentar que já estejam penhorados em execuções fiscais antes do decreto de quebra.

2. A preservação da empresa e a desconstituição da penhora em execução fiscal contra o empresário insolvente

A necessidade de se conservar a empresa alimenta discussões acerca de diversas ocasiões nas quais o princípio da preservação da atividade empresária se vê ameaçado, seja em razão da aplicação de outro princípio no caso concreto, ou mesmo em virtude da indiscriminada aplicação de dispositivos legais em detrimento da norma principiológica aludida.

Chama-nos atenção a colisão entre o princípio da preservação da empresa e os dispositivos da Lei de Execuções Fiscais, quando há bem de empresário penhorado em Execução Fiscal antes da sentença que decreta a quebra deste, pois o entendimento majoritário é o de que ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar. Surge, então, um problema que consiste em saber se nesses casos resta violado o princípio da preservação da atividade empresária por não ser possível alienar o conjunto patrimonial do falido em bloco para um arrematante que queira continuar a empresa.

Antes de se adentrar no mérito do problema, torna-se oportuno elucidar como ocorre o processo de execução fiscal e a penhora nele realizada, de modo que se possa tratar com clareza do entendimento esposado que se firmou no STJ e, então, abordar a questão da preservação da empresa e a desconstituição da penhora em execução fiscal contra o falido.

Sendo assim, cabe elucidar que a Dívida Ativa que qualquer devedor possua junto ao Estado tanto relativamente aos créditos tributários, quanto os créditos não tributários,9 quando não paga, pode ser cobrada por meio de um processo judicial denominado execução fiscal. A inadimplên-cia relativa à Dívida Ativa enseja um procedimento que se inicia diretamente na fase executória, sendo o executado citado para, no prazo de cinco dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução.

A Certidão de Dívida Ativa que é executada contém os elementos do Termo de Inscrição da Dívida Ativa, no qual consta o

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nome do devedor, dos corresponsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato; a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo; a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.

Ao se extrair uma Certidão da Dívida Ativa, a Fazenda Pública possui um título que pode ser executado judicialmente.10 Tal título é levado ao Poder Judiciário para que seja instaurada a demanda executiva.

"Esse curioso título, destacado pela anormal circunstância de ser criado unila-teralmente, embora em atividade administrativa vinculada, pelo credor, possui rito expropriatório específico (...)."11

No bojo desse processo não se pode discutir mérito, mas existe a possibilidade de fazê-lo opondo embargos à referida execução,12 que suspende o processo exe-cutório até decisão final dos embargos, quando poderá a execução seguir seu curso, na hipótese de improcedência de tais embargos.

A Lei n. 6.830, de 22 de...

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