Presidencialismo de coalizão: democracia e governabilidade no Brasil

AutorPaulo Ricardo Schier
CargoDoutor em Direito Constitucional pela UFPR. Estágio Pós-Doutoral na Universidade de Coimbra (IGC)
Páginas253-299
Rev. direitos fundam. democ., v. 20, n. 20, p. 253-299, jul./dez. 2016.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO: DEMOCRACIA E GOVERNABILIDADE NO
BRASIL
1
COALITION PRESIDENTIALISM: DEMOCRACY AND GOVERNABILITY IN BRAZIL
Paulo Ricardo Schier
Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Estágio Pós-Doutoral na Universidade de
Coimbra (IGC). Professr Adjunto do Centro Universitário Autônomo do Brasil
(Unibrasil). Pesquisador do Nupeconst. Membro Honorário da Academia Brasileira de
Dreito Constitucional.
Resumo
O presidencialismo de coalizão é uma importante escolha institucional
que influencia toda a democracia brasileira. Não se trata de um
sistema singular ou específico do Brasil, eis que outros países
funcionam em sistemas similares. A presente pesquisa tenta
demonstrar que o presidencialismo de coalizão brasileiro não foi uma
escolha acidental mas, antes, decorreu de opções impulsionadas por
fatores históricos e é constantemente estimulado pelo arranjo
institucional. Os governos que não adotam o modelo de coalizão
normalmente são derrubados ou encontram dificuldades para
governar exatamente porque as coalizões não são “escolhas” de
governos mas uma imposição institucional.
Palavras-chave: Democracia. Governabilidade. Presidencialismo de
coalizão.
Abstract
Coalition presidentialism is an important institutional choice that
influences whole brazilian democracy. It’s not a singular Brazilian
system. Other countries work under similar system. This research try
to demonstrate that Brazilian coalition presidentialism is not an
accidental choice and was an option impulsionated by historical
pieces and stimulated by institutional arrangements. Not coalition
governments usually are overthrown or get difficulties by rule because
coalition its not an government choice but is an institutional imposition.
Key-words: Democracy. Coalition presidentialism. Governability.
1. O presente trabalho foi desenvolvido no contexto (e substancia um fragmento) de um estudo de pós-
doutoramento junto ao Programa de Pós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos do
Centro de Direitos Humanos Ius Gentiu m Conimbrigae – IGC, da Universidade de Coimbra, sob a
supervisão do Professor Doutor Vital Moreira. É preciso registrar, também, que no período da
pesquisa, foram realizadas viagens internacionais para discutir e divulgar os resultados parciais dos
estudos com incentivo financeiro da CAPES (PROEX).
PAULO RICARDO SCHIER
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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O objeto do presente estudo é o presidencialismo de coalizão. Busca-se
analisar o que é o presidencialismo de coalizão, qual o contexto teórico e histórico de
seu desenvolvimento, os pressupostos de surgimento, os elementos institucionais
envolvidos e sua dinâmica de funcionamento.
A importância do tema reside no fato de que, no plano da produção jurídica,
existem poucos estudos sobre este arranjo institucional brasileiro (tal não sucede em
outros campos de pesquisa, como a ciência política), o que muitas vezes determina a
emergência de leituras inadequadas ou limitadas de fenômenos que sofrem impacto
direto desta específica manifestação de sistema de governo. Deveras, a partir da lógica
de funcionamento do presidencialismo de coalizão pode-se compreender melhor parte
do processo de judicialização das políticas públicas em face de demandas que são
retiradas da agenda política pelo bloco governante. É possível, ainda, compreender de
modo mais adequado o processo de decisão em torno das políticas e serviços públicos
e a estrutura administrativa. Grande parte das críticas que usualmente são levantadas
na literatura jurídica diante da ineficiência do Estado e de fenômenos como o
patrimonialismo, o clientelismo e o personalismo estão também vinculados com
aspectos nucleares do presidencialismo de coalizão. Afirma-se, também, no plano da
política constitucional, que o presidencialismo de coalizão é um dos fatores que
dificulta a plena afirmação do princípio republicano no país. Mas, para além disso,
temas centrais da arena pública, como os da governabilidade e da estabilidade política,
estão absolutamente jungidos com a discussão das coalizões. Enfim, há uma gama
imensa de análise de temas que, no direito, são sensíveis ao objeto da pesquisa.
E compreende-se que assim seja por uma razão bastante simples: o
presidencialismo de coalizão não é apenas um modo de “fazer política” ou de
“governar”. É um arranjo institucional. E destarte, como qualquer arranjo institucional,
cria um sistema que gera estímulos capazes de determinar ou influenciar de modo
bastante significativo a conduta dos cidadãos e governantes. Então não é possível que
o tema permaneça “escondido” no universo das pesquisas jurídicas.
O presidencialismo de coalizão é, ao mesmo tempo, como se disse, um arranjo
institucional e um modo de comportamento do presidencialismo. Trata-se de um
arranjo institucional que combina presidencialismo, multipartidarismo, sistema
proporcional com lista aberta para eleições no parlamento e federalismo.
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É uma combinação encontrada em poucas democracias e que, de partida, é
problemática. Por um lado a combinação de multipartidarismo e sistema proporcional
de eleição gera composições parlamentares fragmentadas. Em democracias
consolidadas que adotam esta combinação os partidos políticos, em geral, não
conseguem obter mais do que 20% das vagas do Poder Legislativo. Por outro lado o
presidencialismo demanda que o chefe do Poder Executivo tenha apoio do parlamento
para implantar a sua agenda e suas políticas mas, em face de um legislativo
fragmentado, as relações tendem a ser conflituosas. A combinação desses elementos
determina desde o início a emergência de uma relação potencialmente tensional entre
os poderes.
Em sistemas parlamentaristas quando os conflitos entre Executivo e Legislativo
são muito fortes ou insolúveis existem válvulas de escape: voto de desconfiança com a
respectiva queda do gabinete ou, em alguns casos, dissolução do próprio parlamento
com convocação de eleições. Tais saídas não existem no presidencialismo, onde o
chefe do Poder Executivo só pode ser retirado do cargo pelo término do mandato ou
eventualmente através de processo de impeachment no caso da prática de crime de
responsabilidade.
Logo, o sistema é potencialmente conflitual e a governabilidade difícil. A
combinação institucional pode gerar, ao menos tendencialmente, instabilidade política.
E bem por esta razão este arranjo institucional proporciona, incentiva e induz a
formação de coalizões. Na lógica das coalizões o presidente da república consegue
obter maioria no parlamento e, assim, estabilidade e governabilidade.
O tema, no Brasil, foi inicialmente apresentado pelo cientista político Sergio
Abranches, em 1988, quando percebera o fenômeno do presidencialismo de
coalizão no contexto da Constituição de 1946 e, anotava, era a tendência a ser tomada
pela Constituição de 1988, naquele momento ainda em fase de elaboração. Ele
acertou.
A questão que daí decorreu foi que o novo modelo não apenas repetiu o
arranjo das coalizões como o aprofundou. De forma diversa da Constituição de 1946, a
Carta de 1988 dotou o presidente da república de poderes imperiais.
O modelo do governo de coalizões, então, relativamente comum em sistemas
parlamentaristas, afirmou-se no Brasil com características específicas. O modelo
emergiu não do acaso, mas como uma solução adequada para determinados
problemas da sociedade brasileira. Porém tem cobrado um custo para seu

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