Prescrição Intercorrente no Processo do Trabalho após a Lei n. 13.467/2017

AutorÉlisson Miessa
Páginas87-98

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1. Introdução

O instituto da prescrição intercorrente já de longa data provoca discussões no processo do trabalho, especialmente entre os tribunais superiores, vez que o E. STF na Súmula n. 327 admite sua incidência, enquanto o entendimento sumulado pelo C. TST é diametralmente no sentido contrário, obstando sua aplicação na seara laboral (Súmula n. 114 do TST).

De qualquer maneira, a doutrina majoritária já anunciava a necessidade de aplicação da prescrição intercorrente à seara trabalhista, com o objetivo de evitar que a execução se prolongasse por tempo indefinido, especialmente quando os atos executivos dependessem exclusivamente do exequente, garantindo assim, maior segurança jurídica.

A Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), responsável pela alteração de diversos aspectos da legislação trabalhista, incluiu o art. 11-A à CLT, prevendo, expressamente, a aplicação da prescrição intercorrente ao processo do trabalho no prazo de 2 anos.

Essa aplicação, contudo, será objeto de diversas controvérsias, principalmente no que tange ao prazo prescricional, à suspensão e extinção da execução, à data de início da fluência do prazo prescricional, possibilidade de declaração ex officio e momento da declaração da prescrição. Essas controvérsias ocorrerão principalmente devido às particularidades do direito processual do trabalho e do grande impacto que o novo dispositivo exercerá, causando grandes alterações na execução trabalhista.

No presente artigo analisaremos os aspectos controversos desse instituto com o objetivo de delimitar a sistemática de aplicação da prescrição intercorrente ao processo do trabalho, enfrentando as principais discussões relacionadas à interpretação do art. 11-A da CLT.

2. Conceito de prescrição intercorrente

Violado o direito, nasce para o titular a pretensão (CC, art. 189), viabilizando que o titular possa exigir o cumprimento o seu direito subjetivo.

No entanto, o ordenamento prevê prazos para que o titular do direito possa exercer seu direito, a fim de não eternizar as relações jurídicas e manter a estabilidade e a segurança jurídica de tais relações.

Caso o titular do direito subjetivo não exercite sua pretensão no prazo estabelecido em lei, surge a prescrição, neutralizando a possibilidade de exigir sua pretensão3.

A prescrição, como regra, ocorre quando não ajuizada a ação de conhecimento no prazo estabelecido no art. 7º, XXIX da CF/1988.

Proposta a ação, interrompe-se a prescrição (CC, art. 202; Súmula n. 268 do TST e OJ n. 392 da SDI-I do TST).

Assim, interrompida a prescrição e sabendo-se que o processo se desenvolve por impulso oficial, como regra, não há falar em nova prescrição no curso do processo, até porque neste caso não há inércia da parte.

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Contudo, pode ocorrer de o ato ser exclusivo da parte. Nesse caso, ganha destaque o parágrafo único do art. 202 do CC o qual declina que “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”.

Vê-se por tal dispositivo que ele tem como finalidade afastar a perpetuação da ação4, admitindo a existência da prescrição após o seu ajuizamento.

Aliás, essa possibilidade de existir prescrição depois do ajuizamento da ação está embasada no princípio da confiança, derivado do princípio da boa-fé (NCPC, art. 5º), impedindo comportamentos contraditórios das partes. Como bem elucidado pelo ilustre professor Raphael Miziara: a inércia deliberada, injustificada e desinteressada do titular do direito (factum proprium), por um deter-minado período de tempo, cria na contraparte uma expectativa de que a posição jurídica de vantagem (venire) não mais será exercida, o que suprime do titular a possibilidade de exigência dessa pretensão5.

Desse modo, passa-se a admitir a prescrição para o início da fase executiva e também durante o curso do processo.

No primeiro caso (início da fase de execução), denomina-se de prescrição da pretensão executiva, tendo o mesmo prazo da ação de conhecimento (Súmula
n. 150 do STF6). O termo inicial é o dia imediato após o trânsito em julgado da sentença líquida ou, na hipótese de sentença ilíquida, do trânsito em julgado da decisão de liquidação7.

No processo do trabalho, não havia espaço para a incidência da prescrição da pretensão executiva, tendo em vista que a execução se iniciava de ofício. Contudo, com o advento da Lei n. 13.467/2017, o art. 878 da CLT foi alterado para permitir a execução de ofício “apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado”, o que significa que para os demais casos passa a ter incidência tal modalidade de prescrição. Esse prazo prescricional será de 2 anos para os contratos ex-tintos na data do ajuizamento da ação, e de 5 anos para os contratos em vigência na data do ajuizamento da ação.

No segundo caso (prescrição no curso do processo), temos a prescrição intercorrente, objeto do presente artigo, que é aquela que ocorre no curso do processo, em decorrência da inércia prolongada da parte de realizar ato processual de sua incumbência8.

Na fase de conhecimento, a inércia da parte provoca a extinção do processo sem resolução do mérito, por abandono (CPC, art. 485, III), não se falando em prescrição intercorrente.

Na fase de execução, como regra, não ocorrerá a prescrição, porque, como já mencionado, iniciado o processo ele se desenvolve por impulso oficial. Contudo, quando o ato é exclusivo da parte, sua inércia poderá provocar a prescrição intercorrente.

Portanto, percebe-se que a prescrição intercorrente ocorre no curso da fase de execução, como expressamente declinou o legislador no § 1º, do art. 11-A da CLT.

É importante destacar ainda que, na fase de liquidação, em regra, não haverá prescrição, vez que pode ser iniciada de ofício. No entanto, na hipótese de liquidação por artigos (procedimento comum), por depender de iniciativa da parte, pensamos que também deverá incidir a prescrição intercorrente9.

3. Posicionamento dos tribunais antes da Lei n 13.467/2017

Antes da Lei n. 13.467/2017, muito se discutia acerca da aplicação da prescrição intercorrente ao processo do trabalho.

O Supremo Tribunal Federal, na época em que julgava matéria infraconstitucional trabalhista, declinou por meio da Súmula n. 327 que:

Súmula n. 327 do STF.

O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente.

No entanto, com o advento da Emenda Constitucional n. 16/1965, que alterou o art. 17 da Constituição

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Federal de 1946, as decisões do TST tornaram-se irrecorríveis, salvo na hipótese de matéria constitucional, o que afastou a aplicação das súmulas do STF no que tange à matéria trabalhista de âmbito infraconstitucional.

Desse modo, o TST sedimentou entendimento no sentido de não admitir a prescrição intercorrente na seara trabalhista, como se verifica pela Súmula n. 114 do TST, in verbis:

Súmula n. 114 do TST. Prescrição intercorrente.

É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição inter-corrente.

O C. TST fundamentou seu entendimento no fato de que, no processo do trabalho, há aplicação do princípio do impulso oficial, cabendo ao juiz do trabalho dar andamento ao processo e, na época, iniciar, de ofício, a fase de execução (art. 878 da CLT, antes da reforma trabalhista). Aliás, o art. 40 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais) prevê que o juiz suspenderá a execução enquanto não localizados bens do devedor e que durante esse prazo não correrá a prescrição. O Tribunal reafirmou a não aplicação da prescrição intercorrente no art. 2º, VIII, da Instrução Normativa n. 39/2016 ao declinar que não se aplicam ao processo do trabalho os arts. 921, §§ 4º e 5º, e 924, V do NCPC.

De nossa parte, já defendíamos10 que era aplicável a prescrição intercorrente no processo do trabalho como medida de paz social, quando o ato dependesse exclusivamente do exequente. Aliás, o próprio art. 884, § 1º, da CLT, já tratava da possibilidade de a prescrição intercorrente ser alegada em matéria de defesa.

A Lei n. 13.467/2017 pôs fim à divergência, ao acrescentar à CLT, o art. 11-A, dispondo que “ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos”.

4. Prazo

Conforme o art. 11-A da CLT, incluído pela Lei
n. 13.467/2017, aplica-se o prazo de dois anos à prescrição intercorrente.

Embora o artigo seja expresso sobre o prazo a ser aplicado, pensamos que se faz necessária a análise detida sobre o tema.

É sabido que o prazo prescricional é regulado, em regra, pela norma infraconstitucional. Tanto é assim que a Constituição Federal quando se refere à prescrição para os atos ilícitos dos agentes públicos (art. 37, § 5º) e para os créditos tributários (art. 146, III, b) remeteu o estabelecimento do prazo à lei infraconstitucional.

No entanto, quanto aos créditos trabalhistas a natureza da prescrição é constitucional. Isso porque o art. 7º da CF/1988 reconheceu diversos direitos sociais aos trabalhadores urbanos e rurais. Conquanto esse dispositivo tenha como foco a concessão de direitos, o constituinte incluiu o inciso XXIX, que versa sobre o direito à ação trabalhista e especialmente acerca da sua prescrição, a qual, na realidade, não é um direito, mas sim uma restrição de direito. Queremos dizer, dentro de um rol de direitos sociais o constituinte, paradoxalmente, inseriu uma restrição a esses direitos. Vê-se, pois, a preocupação do constituinte em conferir status constitucional à prescrição trabalhista, inserindo-a num rol de direitos sociais dos trabalhadores. Nas palavras do...

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