Prescrição e os direitos trabalhistas com objeto difuso. Novas bases para compreensão do problema

AutorFrancisco Rossal de Araújo - Rodrigo Coimbra
Páginas148-201

Page 148

O tema da prescrição envolvendo direitos trabalhistas de objeto difuso requer uma atenção especial, tendo em vista a abrangência social deste tipo de ação.

O presente capítulo será subdividido em quatro partes. A primeira, tratará do conceito tradicional de direito subjetivo e direito potestativo. A segunda, de direito difuso e interesse legítimo, sob o ponto de vista da doutrina italiana, em comparação com a doutrina brasileira sobre o tema. A terceira, tratará dos direitos difusos sob perspectiva objetiva, conectando com o tema da pretensão de direito material. Por último, a quarta parte abordará a prescritibilidade de tais direitos.

26.1. Os conceitos tradicionais de relação jurídica e de direito subjetivo

A exposição, neste tópico, será subdividida em duas partes. Na primeira, será realizada a abordagem do conceito de relação jurídica. Na segunda, será estudado o direito subjetivo sob o ponto de vista tradicional, ou seja, sob a perspectiva dos direitos individuais. Ambos conceitos são fundamentais para que se compreenda a prescrição, principalmente por se relacionarem com o conceito de lesão.

26.1.1. Relação jurídica

Em sentido amplo, relação jurídica pode ser toda a relação da vida social relevante para o Direito, ou seja, aquela que produz efeitos jurídicos. Em sentido estrito, é a relação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa de um dever jurídico ou de uma sujeição346. Desse modo, a relação de emprego inclui-se entre as relações jurídicas.

Page 149

Para Karl Larenz, o primeiro conceito fundamental do Direito Privado é a pessoa enquanto sujeito de direito e destinatário de obrigações e o segundo é a relação jurídica, considerada como nexo que une entre si os sujeitos de direito347. Citando Andreas Von Tuhr, o referido autor diz que as relações de Direito Privado contêm sempre, ao menos, um direito subjetivo. A concepção de que a relação jurídica é elemento nuclear do Direito Privado é originária da Alemanha, em especial dos Pandectistas, deslocando o eixo do Direito do sujeito, como acontecia no antigo direito romano, para fazê-lo girar em torno do conceito de relação jurídica348. Esse posicionamento está refletido na existência da divisão do Código Civil alemão em parte geral e parte especial, que também foi adotada no Código Civil Brasileiro349.

Na perspectiva de Orlando Gomes, a relação jurídica pode ser analisada sob dois aspectos: no primeiro, é o vínculo entre dois ou mais sujeitos de direito que obriga um deles, ou os dois, a ter certo comportamento, sendo possível, também, ser o poder direto sobre uma determinada coisa; no segundo, é o quadro no qual se reúnem todos os efeitos atribuídos por lei a esse vínculo, ou a esse poder350.

A relação jurídica, normalmente, é encarada sob um ponto de vista subjetivo, inspirada na doutrina alemã dos pandectistas, ou sob o ponto de vista objetivo, privilegiando o papel desempenhado pela norma jurídica. Para os subjetivistas, sempre haveria um sujeito ativo e um sujeito passivo em qualquer relação jurídica. Mesmo nos direitos reais, haveria um sujeito ativo e um sujeito passivo indeterminado, destinatário dos direitos exercidos pelo titular sobre a coisa351. Para os objetivistas, o que tem relevância é a relação do sujeito com o ordenamento jurídico e a forma como ele regula a sua conduta. Quando há uma relação jurídica, é a lei que determina quais os efeitos que a conduta dos sujeitos vai provocar na sua esfera jurídica, ou na de outrem, ou quais os efeitos jurídicos que serão produzidos pelo sujeito em relação a uma coisa.

Algumas relações jurídicas formam-se entre pessoas individualmente determinadas, e outras não. Na grande maioria dos casos, as relações são formadas entre dois sujeitos como, por exemplo, no vínculo obrigacional, deixando de fora a participação de terceiros. Entretanto, em algumas situações, como os direitos de personalidade ou o direito de propriedade, há uma relação do indivíduo com todos em geral, que possuam o dever de respeitar esse direito, não

Page 150

lhe causando lesões352. Tanto o nexo jurídico existente entre as partes individualizadas em uma relação obrigacional quanto o dever jurídico de não lesionar os direitos de personalidade ou de propriedade, decorrem do ordenamento jurídico, e esta é a característica da relação jurídica, objetivamente considerada. É certo, porém, que, no caso das obrigações, a presença de dois polos na relação jurídica é imediatamente constatável, enquanto, no segundo caso (direitos reais e direitos personalíssimos), isso será verificado mediatamente.

O papel do ordenamento jurídico será novamente questionado quando da análise da noção de direito subjetivo.

A relação jurídica é sempre uma situação organizada e disciplinada pelo ordenamento jurídico, tendo em vista a sua função social e econômica, com caráter concreto entre sujeitos determinados ou determináveis. Por esse motivo, o mero contato social entre as pessoas não constitui uma situação jurídica353. Seu substrato, portanto, é a relevância para o Direito. Somente se constituirá uma relação jurídica a partir de um fato jurídico354.

A estrutura da relação jurídica está composta de três elementos: sujeitos, objeto e conteúdo355. Há autores que afirmam ser a garantia também um dos elementos da relação jurídica. Por garantia, entendem-se as providências coercitivas necessárias à satisfação correspondente ao sujeito ativo da relação356.

Os sujeitos das relações jurídicas são as pessoas entre as quais a relação se estabelece. Em toda a relação jurídica existem extremos cuja conexão ocorre através dela. Os sujeitos da relação jurídica são o titular do direito subjetivo e o onerado com o correspondente dever ou sujeição357. Em algumas relações jurídicas, pode haver uma pluralidade de sujeitos, como, por exemplo, na constituição de uma sociedade comercial. A existência do sujeito de direito pressupõe a capacidade e o estudo dela será realizado oportunamente.

Objeto é a matéria social afetada pela relação (bens e interesses)358. Sobre ele, incide o direito subjetivo do sujeito. Veja-se que podem ser objetos de relações jurídicas não somente as coisas, mas também as ações e omissões humanas. Nesse contexto, incluem-se tanto os bens materiais como os bens puramente imateriais ou intelectuais. Para uma determinada coisa ser objeto de relação jurídica, ela precisa ter economicidade, permutabilidade e limitabilidade, no sentido de que deve ser suscetível de avaliação pecuniária, podendo submeter-se ao domínio da pessoa, sendo o seu uso e quantidade limitados ou limitáveis359.

Page 151

O conteúdo da relação jurídica é a posição jurídica do sujeito, podendo ser uma situação de poder, ou uma situação de dever. A lei atribui ao fato jurídico propulsor da relação jurídica o poder de criar, modificar e extinguir direitos. Dessa forma, há uma vinculação do aspecto abstrato (lei) ao aspecto concreto (relação). Karl Larenz lembra que as relações jurídicas não existem no espaço, e sim no tempo. Explica tal afirmação dizendo que para existir qualquer relação jurídica, ela deve ter a potencialidade de ser conhecida em todo o tempo, tanto pelo sujeito, como por terceiros360.

Na análise de direito subjetivo e de direito potestativo, que será feita a seguir, será abordado com mais profundidade o conteúdo da relação jurídica.

26.1.2. Direito subjetivo e direito potestativo

Para que se entenda, inicialmente, a diferença entre direitos subjetivos e direitos potestativos, é necessário relacionar direito subjetivo e direito objetivo, uma das mais conhecidas formulações dentro da Teoria Geral do Direito Civil e mesmo dentro da Teoria Geral do Direito.

A concepção tradicional é a de que o direito subjetivo preexiste ao direito objetivo. No positivismo normativista de Hans Kelsen sustenta-se o contrário. Normalmente, distingue-se o direito subjetivo como sendo faculdade de agir (facultas agendi), e o direito objetivo como norma de ação (norma agendi). O certo é que são faces da mesma moeda, existindo um em função do outro, pois é inconcebível a existência de uma ordem jurídica sem direitos subjetivos, e de direitos subjetivos sem uma ordem jurídica361. A matéria é vastíssima e objeto das mais variadas teorias. A pretensão, nesse ponto, é apenas desenvolver as ideias básicas, no sentido de tornar possível uma correlação destas com o problema da prescrição nos direitos difusos. Na verdade, como será visto no decorrer da exposição, o contrato de emprego insere-se dentro dos direitos subjetivos, mas, em alguns casos, pressupõe o exercício de direitos potestativos.

A existência, ou não, do conceito de direito subjetivo é debatida na doutrina. Alguns autores, como Leon Duguit e Hans Kelsen, por razões distintas, negam a sua existência. Outros o situam no plano da vontade, como Bernard Windscheid, ou no plano teleológico, como Rudolf Von Jhering.

A primeira discussão envolvendo o tema está no plano da existência. Como já afirmado, alguns autores negam a existência do direito subjetivo. Para Leon Duguit, somente existe o direito objetivo, pois o indivíduo não tem poder de comando sobre a vontade de outra pessoa. É o ordenamento jurídico que orienta o comportamento das pessoas, e, por essa razão, sua aplicação é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT