Sobre a Prescrição Decendial ou Quinquenal das Taxas Condominiais

AutorLarissa Matioski Brasil - José Leandro Farias Benitez
CargoAdvogada autônoma. Graduada pelo Centro Universitário Curitiba - Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Imobiliário Registral e Notarial (Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba)
Páginas8-17

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1. Introdução

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 criou-se também um fervoroso debate a respeito do prazo prescricional aplicável às ta-xas condominiais, que até então era de vinte anos. A polêmica deu-se pelo fato de que novamente o legis-lador não fora preciso o suficiente para esclarecer qual dos artigos que compunham a nova legislação pátria seria aplicável nos casos de condomínios edilícios, quanto às taxas provenientes do rateio das despesas entre os condôminos.

A nova legislação traz como regra geral, em seu artigo 205, o prazo de dez anos aplicável na ine-xistência de outro com a fixação de prazo menor, como ocorre com o artigo 206, § 5º, inciso I, da mesma lei, que fixa o prazo prescricional

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de cinco anos para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas, constantes em instrumento público ou particular.

Com a discussão formada, juristas e operadores do direito passaram a uma verdadeira batalha doutrinária e jurisprudencial na tentativa de que fosse esclarecido e fixado um único entendimento a respeito do prazo prescricional que deve ser observado em todo o território nacional. No meio de tanta controvérsia sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial 1.139.030, de relatoria da minis-tra Nancy Andrighi, decidiu pela aplicação da prescrição quinquenal trazida pelo artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do Código Civil de 2002, por entender que a cobrança do débito condominial é referente a dívida líquida lastreada em instrumento particular ou particular.

No entendimento da relatora, a pretensão de cobrança do débito condominial é baseada em documentos, uma vez que o crédito tão somente passa a ser líquido quando o condomínio define o valor das cotas condominiais à luz da convenção e das assembleias de deliberação. Contudo, conforme será demonstrada nas linhas que seguem abaixo, a decisão da ministra mostra-se equivocada ao desconsiderar requisitos legais mínimos para a aplicação daquele prazo, bem como as características intrínsecas e extrínsecas das próprias taxas condominiais, tal qual o caráter propter rem da obrigação e a disposição do artigo 1.336, inciso I, do Código Civil. É o que se passa a expor.

2. Da natureza jurídica das obrigações propter rem

Com a vida em sociedade, e a contínua interação entre os sujeitos que a compõem, nascem também as relações jurídicas, e, como consequência, tem-se o direito como forma de disciplinar tais relações formadas. As pessoas, por necessidades vitais e sociais, acabam interagindo entre si, formando vínculos, estabelecendo acordo de vontades, limitam as suas liberdades, obrigando-se com determinadas prestações de serviços, pagamentos etc. Com a vida em condomínio, o surgimento destas relações não poderia ser diferente; pessoas que convivem em um mesmo espaço, obrigando-se uma com as outras, reciprocamente.

Para que possamos entender melhor sobre a inaplicabilidade da prescrição quinquenal às taxas condominiais é necessário que se faça um breve resgate sobre a essência, origem e caracterização de tal instituto, qual seja, os encargos condominiais, para que posterior-mente se possa, através da subsun-ção do fato à norma, verificar qual seria o enquadramento mais razoá-vel de sua cobrança às hipóteses de prescrição trazidas pela legislação.

Desta forma, este estudo se inicia com a delimitação da natureza jurídica referente aos débitos condominiais, a partir de sua origem e formação, para que, somente depois de fixadas essas premissas, possa ser propriamente discutida a aplicabilidade dos prazos prescri-cionais às obrigações desta natu-reza.

Como dito, a vida em condomínio pressupõe a formação de relações jurídicas entre as pessoas que convivem, que por meio da sua interação recíproca e limitação das liberdades submetem-se a diversas obrigações, sejam aquelas decorrentes de lei, como a contribuição com o rateio das des-pesas comuns, classificadas como obrigações propter rem, sejam aquelas decorrentes de convenção condominial, como proibição de circulação em determinadas áreas etc., neste exemplo, obrigação de não fazer.

Com o intuito de contra-atacar o entendimento proferido pela ministra Nancy Andrighi junto ao julgamento do recurso especial 1.139.030, impõe-se o esclarecimento inicial sobre a conceituação e a natureza jurídica das obrigações propter rem, obrigações híbridas que envolvem tanto aspectos de direito real quanto aspecto de direito pessoal. As demais obrigações, decorrentes da vida em condomínio, não trazem outras grandes polêmicas, motivo pelo qual nos ateremos tão somente na análise das obrigações híbridas, qual seja, as obrigações propter rem.

2. 1 Conceito de obrigação propter rem

Os direitos patrimoniais, que são normas que regulam direitos e deveres de pessoas físicas e jurídicas, suscetíveis de estimação pecuniária, são divididos em direitos reais e direitos pessoais. A distinção entre direitos pessoais e direitos reais pode ser apontada se considerarmos alguns aspectos como o sujeito de direitos, a ação e a limitação imposta. No direito pessoal há a chamada dualidade de sujeitos, ativo (credor) e passivo (devedor), e na sua violação o sujeito detentor do direito violado tão somente pode dirigir-se contra aquele que figurava opostamente na relação jurídica que havia entre as partes, ou terceira pessoa, se assim a lei estipular, enquanto nos direitos reais há apenas um único sujeito (titular) e uma coisa, sendo um direito oponível erga omnes, ou seja, contra todos os indivíduos da sociedade.

No que se refere às limitações impostas, observa-se que o direito pessoal não sofre limitações por parte da lei, e é fruto da au-

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tonomia das partes envolvidas, enquanto os direitos reais são expressamente fixados em lei, e não se submetem à livre auto-nomia das partes, devendo estas cumprir com o que estritamente a lei determina. Esses últimos são taxativamente previstos em lei e, por isso, podem ser considerados direitos típicos, enquanto na esfera do direito obrigacional as obrigações podem ser criadas a qualquer momento.

O direito real é aquele direito que recai diretamente sobre a coisa, atribuindo uma prerrogativa a alguém, em virtude da sua titularidade sobre a própria coisa. Em outras palavras, como muito bem colocado pelo jurista Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 2), "é o poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos". De outro lado, o direito pessoal, também conhecido como direito obrigacional, é aquele que se atribui uma faculdade a alguém, de exigir uma determinada prestação de outrem, em virtude da manifestação de vontade das partes, ou seja, em virtude da relação jurídica existente entre sujeito ativo (credor) e sujeito (passivo).

Feita essa diferenciação entre direitos reais e direitos pessoais, observa-se que as mencionadas obrigações propter rem não se enquadram exatamente no que a doutrina e a lei nos apresentam como objeto do direito obrigacional. Muito pelo contrário, as obrigações propter rem são obrigações que não podem ser nem consideradas obrigações exclusivamente provenientes de um direito real, tampouco obrigações exclusivamente provenientes de direitos pessoais. A peculiaridade de tal instituto consiste, exatamente, nesta natureza mista de obrigações.

AS MENCIONADAS OBRIGAÇÕES PROPTER REM NÃO SE ENQUADRAM EXATAMENTE NO QUE A DOUTRINA E A LEI NOS APRESENTAM COMO OBJETO DO DIREITO OBRIGACIONAL

Segundo as lições de Maria Helena Diniz, as obrigações propter rem configuram "um direito misto, de fisionomia autônoma, constituindo um tertium genus, por revelar a existência de direitos que não são puramente reais nem essencialmente obrigacionais" (Diniz, 2003, p. 13). Infere-se, portanto, a autonomia de tal instituto, uma vez que este situa-se entre o direito real e o direito pessoal. E, portanto, considerando sua característica sui generis, pode-mos afirmar que sua natureza é de caráter híbrido.

Partindo da tradução livre do termo em latim, uma obrigação propter rem nada mais é do que uma obrigação "em razão" da "coisa". Neste sentido, podemos afirmar que "a obrigação propter rem passa a existir quando o titular de um direito real é obriga-do, devido à sua condição, a sa-tisfazer certa prestação" (Diniz, 2003, p. 11). E, portanto, no caso de transmissão de tal direito real a outrem, a obrigação de caráter propter rem também é transmitida, seja qual for o título translativo. Ou seja, a transmissão da obrigação propter rem dá-se automaticamente, no momento em que se transfere o direito real a outro titular, não sendo permitido a este novo titular da coisa a recusa a assumir a obrigação propter rem, uma vez que é a titularidade que faz com que tal obrigação exista, e não a autonomia da vontade das partes, como ocorre com as outras obrigações, oriundas puramente de direito pessoal.

E, nesta seara, encontramos o dever de pagamento das taxas condominiais, objeto de estudo deste trabalho.

2. 2 A dívida condominial como obrigação propter rem

É de conhecimento geral, entre os operadores do direito, que as taxas condominiais nada mais são do que um exemplo claro de obrigação propter rem, sendo pa-cífica na doutrina e na jurisprudência tal afirmação. Mas o que faz das taxas de condomínio um verdadeiro exemplo desta natureza de obrigação? E por que essas obrigações não podem ser consideradas oriundas/lastreadas em documentos, como propõe a ministra Nancy Andrighi? Sobre essas questões, primeiro precisamos entender o que são as chamadas taxas condominiais, e o que a legislação dispõe sobre elas.

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