Prescrição e decadência no direito do trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas256-292

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I Introdução

Prescrição e decadência são figuras jurídicas que têm em comum a circunstância de consubstanciar meios de produção de efeitos nas relações jurídicas materiais em decorrência do decurso do tempo. A decadência corresponde a uma única modalidade, ao passo que a prescrição pode ser extintiva ou aquisitiva.

Prescrição aquisitiva é o meio de aquisição de propriedade mobiliária ou imobiliária em decorrência de seu prolongado uso pacífico.

O conceito, como se percebe, não se constrói sob a ótica do antigo titular do direito, mas enfocando a perspectiva do adquirente (meio de aquisição da propriedade...). Caso a figura enfocasse a ótica do titular anterior do direito de propriedade, essa prescrição (também chamada usucapião) poderia conceituar-se como a perda do direito de propriedade em função de seu não uso por certo lapso de tempo, permitindo que o possuidor e adquirente pacificamente o incorporasse.

A prescrição extintiva constrói-se sob a ótica do titular do direito atingido. Conceitua-se, na linha teórica expressa no art. 189 do Código Civil de 2002, como a extinção da pretensão correspondente a certo direito violado em decorrência de o titular não a ter exercitado no prazo legalmente estabelecido. Também se conceitua como a perda da ação (no sentido material) de um direito em virtude do esgotamento do prazo para seu exercício. Ou: a perda da exigibilidade judicial de um direito em consequência de não ter sido exigido pelo credor ao devedor durante certo lapso de tempo.

Caso, entretanto, se preferisse examinar a figura sob a ótica do devedor (e não do credor) — do beneficiário da prescrição, que é a ótica tradicional da prescrição aquisitiva, portanto —, a prescrição extintiva poderia ser conceituada como o meio pelo qual o devedor se exime de cumprir uma obrigação em decorrência do decurso do tempo.

A decadência (também chamada caducidade) conceitua-se como a perda da possibilidade de obter uma vantagem jurídica e garanti-la judicialmente, em face do não exercício oportuno da correspondente faculdade de obtenção.

A caducidade aproxima-se, como visto, da figura da prescrição extintiva. Tecnicamente, porém, nesta o sujeito prejudicado pela prescrição é efetivo titular do direito objetivado, permitindo, pela prescrição, que seu direito se torne impotente para impor sujeição judicial ao devedor. Já na decadência,

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o sujeito tem a faculdade de se tornar titular de um direito, deixando de consumar sua aquisição em decorrência do não exercício da faculdade no prazo fixado.

No Direito do Trabalho, a prescrição aquisitiva (usucapião) é de pequena aplicação, embora seja equivocado considerá-la incompatível com este ramo jurídico especializado. O usucapião pode ter efeitos na alteração subjetiva do contrato empregatício (sucessão trabalhista), lançando um novo empregador no polo passivo da relação de emprego. É verdade que o próprio possuidor já pode contratar empregados para que laborem na propriedade envolvida, antes mesmo de adquiri-la por usucapião; isso não impede, contudo, que uma transferência de propriedade por prescrição aquisitiva resulte na sucessão trabalhista quanto a eventuais contratos empregatícios do antigo proprietário do imóvel usucapido.

A decadência (caducidade) é de maior importância no Direito do Trabalho do que, obviamente, o usucapião. Embora não sejam inúmeros os prazos decadenciais criados pela legislação heterônoma estatal, a figura pode assumir grande recorrência na normatividade autônoma (convenções, acordos ou contratos coletivos do trabalho). Mais do que isso, têm sido relativamente comuns os prazos decadenciais propiciados ainda por regulamentos de empresa. Todos esses diplomas ou instrumentos podem criar prazos fatais para exercícios de faculdades de aquisição de vantagens novas no âmbito concreto da relação de emprego — prazos, assim, de natureza decadencial.

A prescrição extintiva é, porém, entre as três figuras mencionadas, a de maior importância e recorrência no contexto das relações justrabalhistas. Em torno da prescrição extintiva já se produziu vasto número de preceitos normativos heterônomos. Cite-se, ilustrativamente, o velho artigo 11 da CLT, vigente desde a década de 1940, tratando do prazo prescricional geral trabalhista, com extensão bienal: ele foi revogado (não recebido), por incompatibilidade, pelo art. 7º, XXIX, “a”, da Constituição de 1988 (que fixou novo prazo prescritivo para o empregado urbano), sofrendo, finalmente, nova redação pela Lei n.
9.658, de 5.6.1998. Cite-se, ainda, o antigo critério prescricional diferenciado do rurícola, que se inaugurou com o velho Estatuto do Trabalhador Rural (Lei
n. 4.214, vigorante em 2.6.1963), foi mantido pela Lei n. 5.889, de 1973, sendo preservado, originalmente, pelo art. 7º, XXIX, “b”, da Constituição de 1988; este critério diferenciado somente veio a desaparecer com a Emenda Constitucional 28, de 25.5.2000, que igualizou os prazos prescricionais de trabalhadores rurais e urbanos (a Emenda foi publicada no Diário Oficial em 26.5, com retificação em
29.5.2000). Lembre-se, por fim, da prescrição especial trintenária dos depósitos principais do FGTS (art. 23, § 5º, Lei n. 8.036/90).1

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É também em torno da prescrição extintiva que a jurisprudência já elaborou o mais diversificado número de fórmulas interpretativas sumuladas. Citem-se, por ilustração, as Súmulas 114, 153, 156, 206, 268, 274, 275, 294, 308, 326, 327, 350 e 362 do Tribunal Superior do Trabalho.

II Distinções correntes

A Ciência do Direito procura sistematizar distinções entre as figuras da prescrição e da decadência e entre figuras aparentemente próximas à prescrição, como a preclusão. Essa sistematização contribui obviamente para a melhor compreensão dos próprios institutos da prescrição e da decadência.

1. Decadência versus Prescrição

No que concerne a essa primeira comparação, a Ciência do Direito arrola, em geral, algumas sugestivas distinções.

São elas:

  1. a decadência extingue o próprio direito, ao passo que a prescrição atinge a pretensão vinculada ao direito, tornando-o impotente (extinção da ação, em sentido material);

  2. a decadência corresponde, normalmente, a direitos potestativos — em que há, portanto, uma faculdade aberta ao agente para produzir efeitos jurídicos válidos, segundo sua estrita vontade. Já a prescrição corresponde a direitos reais e pessoais, que envolvem, assim, uma prestação e, em consequência, uma obrigação da contraparte. No Direito do Trabalho esta distinção é importante (embora seja menos reverenciada no Direito Civil), uma vez que os prazos decadenciais no ramo justrabalhista tendem quase sempre, de fato, a corresponder a direitos potestativos;

  3. na decadência são simultâneos o nascimento do direito e da pretensão; a mesma simultaneidade verifica-se quanto à sua própria extinção. No instituto prescricional, ao contrário, a pretensão (ação em sentido material) nasce depois do direito, após sua violação, perecendo sem que ele se extinga;

  4. o prazo decadencial advém tanto da norma jurídica heterônoma ou autônoma (lei, em sentido material), como de instrumentos contratuais. Advém, inclusive, de declarações unilaterais de vontade (como o testamento — ou o regulamento de empresa, no caso trabalhista). Já o prazo prescricional surge essencialmente da lei (em sentido material e formal), e não de outros diplomas;

  5. o prazo decadencial corre continuamente, sem interrupção ou suspensão, enquanto a prescrição pode ser interrompida ou suspensa nos casos legalmente especificados;

  6. a decadência pode ser decretada em face de alegação da parte, do Ministério Público (quando couber-lhe atuar no processo, é claro) e até mesmo

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de ofício pelo juiz, neste caso, se fixada por lei (art. 210, CCB/2002). Note-se, porém, que no regime do antigo Código Civil entendia-se que qualquer prazo decadencial poderia ser decretado de ofício pelo juiz. A prescrição concernente a direitos patrimoniais, por sua vez, tradicionalmente apenas podia ser pronunciada pelo juiz caso tivesse sido arguida pela parte (art. 166, CCB/1916; antigo art. 194, CCB/2002). A Lei n. 11.280/2006, entretanto, trouxe inovação polêmica, ao fixar que o “juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” (novo art. 219, § 5º, CPC)2.

2. Preclusão versus Prescrição

As distinções entre as duas figuras são bastante pronunciadas. De maneira geral, a Ciência do Direito aponta as seguintes diferenças:
a) a preclusão consiste na perda de uma faculdade processual, ao passo que a prescrição consiste na perda da ação, em sentido material, correspondente ao direito material discutido em juízo;
b) a preclusão ocorre não somente em função do decurso do tempo (preclusão temporal), mas também em função da prática anterior do ato processual (preclusão consumativa) ou da prática de ato (ou omissão) incompatível com a faculdade processual que se pretende posteriormente exercer (preclusão lógica). A prescrição, entretanto, resulta exclusivamente do efeito do decurso do tempo;
c) a preclusão é, como se vê, instituto de direito processual, enquanto a prescrição concerne ao campo do direito material;
d) o acolhimento da...

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