Prefácio

AutorProf. Alessandro Pinzani
Páginas9-25
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PREFÁCIO
FACTICIDADE E VALIDADE APÓS
QUASE TRINTA ANOS
Em 1992 saiu pela editora Suhrkamp (da qual Habermas sempre foi
estrito colaborador e na qual editou várias coleções) Faktizität und Geltung,
o tão esperado livro do pensador alemão sobre o direito. Desde a metade
da década de 1980 ele estava dirigindo um grupo de pesquisa sobre o tema,
do qual faziam parte juristas, filósofos, cientistas políticos e sociais como
Ingeborg Maus, Klaus Günther, Rainer Forst, Bernard Peters, Lutz Win-
gert e Günter Frankenberg. O resultado foi uma série de publicações,
algumas das quais se tornaram um marco na história do pensamento jurí-
dico alemão e até internacional, como no caso do livro Der Sinn für
Angemessenheit de Günther (1988). Com certeza, porém, o livro que teve
a maior ressonância na Alemanha e no mundo inteiro foi o do próprio
Habermas. Nos anos seguintes foi traduzido em vários idiomas, apesar de
certa dificuldade com o título original, que foi mudado em muitos casos
(em português e em francês se tornou respetivamente Direito e democracia.
Entre facticidade e validade e Droit et démocratie. Entre faits et normes; em inglês
passou a ser Between Facts and Norms, em italiano Fatti e norme; somente
em espanhol e em polonês permaneceu com seu título original traduzido
literalmente: Facticidad y validez e Faktycznosc i obowiazywanie).
Não é minha intenção neste breve escrito reconstruir a teoria
discursiva do direito de Habermas (que, de qualquer maneira, no livro
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PROF. DR. ALESSANDRO PINZANI
se limita a expor as linhas fundamentais para a elaboração de uma teoria
deste tipo, sem desenvolvê-la completamente: não é por acaso que o
subtítulo do original alemão é Contribuições para uma teoria discursiva do
direito e do Estado). Tampouco falarei da influência do livro e de seus
desdobramentos, inclusive em livros seguintes de Habermas que tratam
do processo de integração europeia ou do cosmopolitismo jurídico.
Pretendo, antes, situar brevemente Facticidade e validade no seu contex-
to histórico e no corpus da obra habermasiana, para salientar alguns as-
pectos que merecem atenção crítica e que nos levam a repensar o papel
da teoria habermasiana do direito democrático contemporâneo (Haber-
mas afirma explicitamente que não tenciona discutir o fenômeno direi-
to em geral, mas tão somente o direito criado democraticamente nos
Estados contemporâneos: não se trata de uma filosofia do direito, mas
de uma teoria do direito que se diz inspirada pela perspectiva metodo-
lógica da reconstrução crítica).
HABERMAS SOBRE ESTADO E DIREITO ANTES DE 19921
Quando o livro foi publicado, muitas resenhas apontaram para o
fato de que se trataria, supostamente, da primeira obra dedicada à teoria
do direito e do Estado por um autor pertencente à tradição da Teoria
Crítica ou da primeira vez que Habermas se interessaria pelo tema. Ambas
as afirmações estão erradas. Já na chamada primeira geração da Teoria
Crítica houve quem se ocupasse de questões de teoria jurídica e do
Estado, começando por Franz Neumann, autor que Habermas só
menciona de passagem numa nota de rodapé do seu livro, apesar das
afinidades entre o diagnóstico de Habermas e o que é elaborado por
Neumann no seu texto sobre The Rule of Law de 1936, que foi traduzido
para o alemão e publicado pela Suhrkamp em 19802: ambos identificam,
por exemplo, no Estado de Direito contemporâneo uma tensão
normativa e factual entre o princípio democrático da soberania popular,
por um lado, e a ideia de direitos individuais invioláveis e subtraídos à
1 Esta seção se apoia em Pinzani 2009, do qual às vezes é uma paráfrase.
2 Neumann, Franz. Die Herrschaft des Gesetzes. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1980; ____. O
império do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2013.

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