Prefácio

AutorMarco Aurélio Serau Junior
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direitos Humanos (Universidade de São Paulo). Especialista em Direito Constitucional (Escola Superior de Direito Constitucional) e Direitos Humanos (Universidade de São Paulo). Professor universitário e de diversos cursos de pós-graduação, em todo o Brasil
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Por função da convergência feliz de diversos fatores, vem crescendo, no Brasil, a atenção com a mediação de conflitos e a conciliação.

A intensidade e a frequência com que ambas vêm sendo enaltecidas, enquanto manifestações "amistosas" e por isso aconselháveis para a composição dos interesses sociais em conflito, fazem supor que estejamos no processo de construção de um olhar inovador do direito sobre as relações intersubjetivas.

Embora essa mudança de olhar pareça verdadeira, tudo está a indicar a persistente ação dos atores jurídicos na direção de sua consolidação e aprofundamento.

Há quem procure raízes remotas entre nós e encontre, como Kazuo Watanabe, por exemplo, na figura do juiz de paz de que falava o art. 162 da Constituição do Império do Brasil, de 1824, um sinal de que a preocupação com a solução amigável dos conflitos esteja presente desde sempre no direito brasileiro. E isso também é verdadeiro.

Como explicar essa aparente tensão entre o que se apresenta como tão inovador e recente, frente ao que se reconhece como radicado nos próprios fundamentos de nossa organização jurídica como país independente?

Se há muito existem no Brasil disposições legais admitindo ou mesmo convidando à conciliação, não é menos certo que nossa cultura de advocacia, em particular, e a de processo, em geral, sempre foi marcadamente adversarial. Ou seja, uma cultura de justiça em que predomina a crença de que a "verdade" é aquela que é "disputada" pelas "partes", por meio da "contrariedade" e da divergência diante de terceiros, e não aquela que pode resultar "construída", pelos próprios interessados, por intermédio da escuta e da aceitação das diferenças recíprocas.

Essa cultura adversarial está de tal modo enraizada entre nós que a mera disposição para se conciliar, ou até mesmo a simples cogitação de fazê-lo, é com frequência vista pela sociedade como um sinal de "fraqueza" de convicção ou de incredulidade no Judiciário. "Lutar até o fim" é ainda recitado por advogados como uma espécie de bordão enobrecedor do "sublime ofício de litigar"; sugerir a possibilidade de um acordo é ainda recebido, por muitos juizes, como um "sinal" de "confissão" ou "reconhecimento da procedência", ainda que parcial, do que pretende e pede a parte "contrária".

Ex adversos: eis a expressão latina pela qual os advogados, de modo elegante, qualificam-se no ambiente forense. Qualificação que faz supor partilharem a convicção de que sua mais enobre-

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cedora atribuição consiste em promover o atrito para que "a justiça" e "a verdade" brotem como um raio a incendiar a percepção "cega" e indolente do Judiciário.

O forte enraizamento dessa mentalidade permite supor que, sem uma política pública firme e permanentemente orientada para sua mudança, seria muito difícil, se não mesmo impossível, alterar esse modelo adversarial de identificação do brasileiro com o repertório do direito...

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