Práticas sindicais, negociação coletiva e a Convenção N. 151 da OIT

AutorTúlio Tayano Afonso e Rodrigo Guedes Casali
Páginas95-107

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1. Introdução

Para enfrentarmos o debate sobre à prática sindical da negociação coletiva no setor público e a Convenção n. 151 da Organização Internacional do Trabalho, no Brasil, necessário se faz verificar o direito coletivo do trabalho como um todo.

Em função dessa necessidade, apresentaremos algumas noções do que seriam as práticas sindicais e, em seguida, entraremos especificamente no tema da negociação coletiva, prezando pela exposição de dois princípios prementes a esse tão importante instituto jurídico, quais sejam, a liberdade associativa e a autonomia da vontade coletiva.

Feita a introdução, o foco do estudo passará a ser o problema envolvendo a negociação coletiva no Brasil e a Convenção n. 151 da OIT, a fim de aferir como o Brasil recebe esses diplomas normativos e em que aspecto se relacionam com o direito do trabalho e com as organizações sindicais, na jurisprudência e na doutrina.

Será necessário ainda ponderarmos sobre as Mesas de Negociação Permanente, instituídas no Brasil em resposta à necessidade de conciliar os interesses do Estado e dos servidores públicos, ou seja, com a proposta de realização de acordos e sua posterior conversão em lei, ante o princípio constitucional da legalidade. Para enriquecer o trabalho, apresentaremos as soluções dispostas no Chile e na Argentina.

Ao final, buscaremos trazer soluções e ou sugestões, colaborando com o arcabouço teórico de debate sobre a Convenção n. 151 e a negociação coletiva no âmbito do Poder Público no Brasil.

Justifica-se a presente discussão em face da premência do tema da negociação coletiva no setor público em face da recente incorporação da Convenção n. 151.

2. Noções de prática sindicais

A prática sindical refere-se às atividades de dever e de direito que correspondem ao chamado "ser coletivo obreiro", ou seja, na criação e fortalecimento de organizações de trabalhadores que possam exprimir uma real vontade coletiva desse segmento social (DELGADO, 2012, p. 1326). Trata-se, pois, da criação e da profusão das entidades associativas obreiras que se constituam ativamente por meio da representação dos trabalhadores.

O empregador, ao consistir-se em um agregador e direcionador dos instrumentos de produção, distribuição, consumo e de serviços, é uma organização e, desta maneira, um ente coletivo. As entidades associativas obreiras, por sua vez, são estruturas de agrupamentos formadas para constituírem uma organização, tendo em vista que não são por natureza institucionalizados como tal juridicamente.

O sindicalismo, assim dizendo, trata de instituições jurídico-sociais organizadoras dos empregados e que, por meio normativo, são dotadas de legitimidade para atuar no campo relacional entre aqueles e os empregadores, administrativamente e em juízo.

Pressuposto das práticas sindicais, assim, das associações sindicais se organizarem e serem mantidas conforme regulamento próprio, sem a ingerência estatal. Entre tais práticas, podemos elencar algumas funções a serem cumpridas pelos sindicatos, quais sejam:

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função assistencial, função de arrecadação, função de colaboração com o Estado e função de representação. Essas funções são consequência interpretativa doutrinária especialmente do art. 513 da CLT, que estabelece (BRASIL, 1943):

Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos:

  1. representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida;

  2. celebrar contratos coletivos de trabalho;

  3. eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão liberal;

  4. colaborar com o Estado, como orgãos técnicos e consultivos, na estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal;

  5. impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas.

Parágrafo Único. Os sindicatos de empregados terão, outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação.

A função assistencial é realizada de diversas maneiras. Na Constituição Federal de 1988 e na CLT, ao sindicato é dado o dever de assistir judicialmente os associados, independentemente do salário que percebam.

A Lei n. 5.584 de 1970, que disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, estabelece que àquele cuja situação econômica não seja possível pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, será prestada assistência judiciária pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador, sendo inclusive o assunto sumulado pelo TST (súmula n. 219 e 329).

Além disso, o art. 592 da CLT (de constitucionalidade discutida) estatui que a receita da contribuição sindical será aplicada em assistência técnica, jurídica, médica, dentária, hospitalar, farmacêutica, à materni-dade, em creches, colônias de férias, educação, formação profissional etc.

Vale citar, inclusive, os programas de recolocação profissional do dispensado, que auxilia, mediante uma função tipicamente social, à reintegração do trabalhador na sociedade.

Já mediante sua função de arrecadação, o sindicato estabelece contribuições aprovadas em assembleias e fixada por lei, conforme dispõe o art. 8º, IV, da Constituição Federal, na forma de descontos assistenciais e men salidades sindicais, estabelecidas por meio de Negociação Coletiva (Convenção Coletiva de Trabalho ou Acordo Coletivo de Trabalho) ou de sentenças normativas.

A função de colaboração com o Estado (também com constitucionalidade discutida), por sua vez, é a função sindical no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a categoria (art. 513, d), colaborando com o Estado como órgão técnico e consultivo, e com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social (art. 514, a).

E a função de representação é aquela sob a qual se identifica a prerrogativa do sindicato de representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, os interesses de categoria ou os interesses individuais dos associados que tenham relação com a atividade exercida.

Dita função é conformada no art. 8º, III, da Constituição da República: "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas" (BRASIL, 1988).

Essa função leva o sindicato a atuar como parte nos processos judiciais, em dissídios coletivos, em dissídios individuais de pessoas que fazem parte da categoria, no exercício de substituição processual, caso em que agirá em nome próprio na defesa do direito alheio, ou de representação processual, momento em que deverá agir em nome e na defesa dos interesses do representado. Extrajudicialmente, por sua vez, o sindicato desempenha papel na representação de interesses em favor dos trabalhadores mormente perante as empresas, em questões individuais ou coletivas. Vale salientar, ainda, que dentro da função de representação podemos encontrar uma função denominada negocial, que tem por finalidade instituir a criação de normas e condições de trabalho conforme os interesses de seus representados. Nesse sentido, tem-se a Convenção n. 154 da Organização Internacional do Trabalho - OIT de 1981, ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto n. 1.256 de 29.09.1994, que trata sobre a promoção da negociação coletiva.

A Constituição brasileira de 1988, por sua vez, no art. 8º, VI, disciplina que a função negocial é prerrogativa exclusiva dos sindicatos. Na prática, quando a categoria não estiver organizada ou não hipótese em que o sindicato se nega a negociar, ensejará à atuação da federação e, na falta desta, da confederação. A função de negociação também encontra amparo na letra do art. 7º, XXVI, da Constituição, ao ditar como direito dos trabalhadores urbanos e rurais o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

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Para a realização das funções anteriormente referidas, cabe tanto aos organismos internacionais quanto aos nacionais correspondentes a tarefa de impedir a contaminação do sistema por atos antissindicais, cujo impedimento, proteção das legítimas práticas sindicais, está intimamente ligado à garantia e promoção da liberdade sindical e da realização do trabalho decente, como bem salienta a OIT (2013), que, representada pelo seu Diretor Adjunto, Stanley A. Gacek, afirmou que a erradicação de práticas que ferem diretamente os direitos de liberdade sindical e de negociação coletiva é relevante, a saber:

[...] em termos do crescimento econômico e o desenvolvimento, que significa a geração de mais empregos no médio e longo prazo. Mais organização sindical e negociação coletiva significam mais demanda e mais redistribuição de renda, e também a erradicação do trabalho infantil, do trabalho escravo e da discriminação no emprego, além de melhor e mais eficiente alocação dos recursos.

A premência na garantia do trabalho decente passa pelos fundamentos da liberdade sindical e da negociação coletiva, e por isso são prescrições axiológicas deontologicamente afirmadas no âmbito constitucional e infraconstitucional de primeira importância para o Direito do Trabalho. Sendo assim, o trabalho sindicalizado se percebe de extrema relevância na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como bem preceitua o art. 3º da Constituição Federal enquanto objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.

3. Negociação coletiva

A negociação coletiva é um dos principais instrumentos do direito coletivo do trabalho para solução de...

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